Ainda que o mar esteja revolto frente aos desafios trazidos pelo novo coronavírus sobre a atividade econômica, não residem só no surto pandêmico os problemas do desempenho brasileiro. Prova disso é que a economia avançou tímidos 0,2% no trimestre encerrado em janeiro deste ano. As exportações, que prometiam crescer frente à forte desvalorização do real, apresentaram um gigantesco tombo de 8,8%. Foi a maior retração desde 2014, o começo da crise econômica do governo Dilma Rousseff.

Os dados de janeiro, compilados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) por meio do Monitor do PIB, indicam que, além da recessão que se avizinha, o fraco desempenho do primeiro mês do ano (crescimento de apenas 0,7% na comparação com dezembro) não será capaz de amortecer a queda projetada a partir da Covid-19 para a economia brasileira em 2020. “Mesmo o fraco crescimento econômico deste trimestre móvel findo em janeiro, que foi impulsionado tanto pelo consumo quanto pelo investimento, não se sustentará ao longo do ano frente aos desafios econômicos e sociais a partir de março, com a pandemia”, afirma Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB-FGV.

Segundo o indicador, na comparação com janeiro do ano passado, a atividade cresceu 1,2%. O resultado, contudo, ainda reflete estagnação econômica. “A economia inicia 2020 com resultado positivo em janeiro, mas evidencia a continuidade da lenta e medíocre retomada que vinha tendo desde 2017, quando iniciou-se o período expansivo após a recessão iniciada em 2014”, diz. O resultado positivo do indicador foi sustentado por agropecuária, indústria e serviços.

“Mesmo o fraco resultado do PIB não será sustentado nos próximos meses” Claudio Considera coordenador do Monitor do PIB da FGV.

Com o tombo de 8,8% no trimestre terminado em janeiro, em compração com o período imediatamente anterior, a exportação segue em trajetória de queda desde julho do ano passado. O vilão para uma queda desse porte foram as retrações significativas dos bens de capital, produtos agropecuários e bens intermediários. Apenas a exportação dos bens de consumo apresentou crescimento. Isso comprova que nem mesmo o estímulo à exportação por meio da desvalorização do real surtiu efeito. No caminho inverso da balança comercial, o das importações, o resultado também foi negativo, ainda que de modo inferior. Com queda de 2% de novembro de 2019 a janeiro de 2020 (ante o trimestre imediatamente anterior), houve retração nas compras de bens de capital e de serviços. Em relação à importação de bens intermediários – que são matérias-primas ou produtos manufaturados que a indústria utiliza para a confecção de outros itens (caso de autopeças, por exemplo) – não houve queda, mas desaceleração. A importação cresceu no trimestre (2,8%), mas a taxa ainda está entre as menores apresentadas em 2019.“Esse cenário, de certa forma, é similar ao que ocorreu no quarto trimestre de 2019. Apenas com uma queda mais acentuada das importações”, diz Claudio Considera.

A FORÇA DOS LARES Com crescimento de 1,4% no trimestre móvel até janeiro, a compra das famílias brasileiras foi dous poucos destaques positivos, ainda que tenha desacelerado na comparação com o começo de 2019. Essa alta, no entanto, será mitigada nos meses em que o fator coronavírus estiver presente na rotina dos brasileiros. Para o economista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Carlos Henrique Bianchi, “ainda que a economia patinasse, a melhora da empregabilidade nos últimos 18 meses sinalizava uma abertura maior dos orçamentos das famílias para comprar produtos a prazo, curva que cresceria, não fosse o surto do coronavírus”.

CARRINHO MENOR: Compras nos supermercados perdeu 0,1 ponto percentual de participação no consumo das famílias. (Crédito:Adriano Vizoni)

Segundo a FGV, o destaque negativo dentro do indicador foi o consumo de produtos não duráveis (cerca de 30% do consumo das famílias) que passou a contribuir negativamente (-0,1 p.p.) para o total do consumo, após ter influído positivamente em torno de 0,4 p.p., na segunda metade de 2019. Claudio Considera diz que o recuo de 0,2% no trimestre móvel é o principal responsável pela desaceleração observada no consumo das famílias. “Ele é explicado principalmente pela desaceleração do consumo de produtos de origem interna, notadamente por produtos de hipermercados”, afirma o coordenador do PIB-FGV.

A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) também apresentou queda no trimestre móvel encerrado em janeiro: 1,2% ante o trimestre anterior. Foi a segunda queda consecutiva dos investimentos em componentes de máquinas e equipamentos. A retração é explicada, em grande parte, pelo recuo nos segmentos de tratores e de equipamentos de transporte em geral. O setor de construção também pesou na queda. Por mais que a Covid-19 seja a grande vilã da economia em 2020, a verdade é que o Brasil já vinha fazendo água antes da pandemia. E, agora, irá sofrer ainda mais que outros países.