Lançado pelo Banco Central (BC) com toda a pompa e circunstância em novembro do ano passado como solução que faria uma revolução nos meios de pagamentos, o Pix ainda não decolou. Em dois meses de funcionamento, o sistema que permite remessas instantâneas e gratuitas de dinheiro se tornou um sucesso entre as pessoas físicas, que usam o aplicativo até para paquera. Mas ainda não conquistou o varejo nem as empresas. A expectativa inicial era de que haveria uma grande adesão em função da redução drástica de despesas com transações financeiras, além de promover a inclusão bancária. Dificuldades de adaptação de sistemas de gestão financeira, além de dúvidas quanto à escrituração contábil e conciliação dos pagamentos vêm limitando o avanço do Pix, seja no pequeno comércio, seja nas grandes corporações. E consultores internacionais avaliam que, assim como aconteceu em outros países, vai levar até cinco anos para que a tecnologia amadureça e passe a fazer parte do dia a dia das companhias brasileiras.

Segundo o CEO da empresa especializada em sistemas de segurança digital Konduto, Tom Canabarro, cerca de 80% das transferências bancárias tradicionais realizadas pelas pessoas físicas já foram substituídos pelo Pix. Isso trouxe ganhos para os usuários com a queda das taxas. Mas, por falta de conhecimento tanto de consumidores como do varejo, o pagamento de contas ainda não decolou. “Leva um tempo para que haja sistemas de conciliação entre pagamentos e recebimentos, mas o baixo custo e a possibilidade de uso de informações embutidas no sistema, conhecidas como metadados, ampliam o potencial do Pix”, disse Canabarro. Entre pequenos empreendedores mais de 50% já estão preparados para o Pix, mostra pesquisa feita pela Stone com 1.360 lojistas brasileiros, sendo 26,3% do varejo, 20% alimentação, 7,6% roupas e acessórios, 7,7% serviços de saúde, 12,8% papelaria e 25,6% outros segmentos.

O primeiro incentivo feito pelos bancos foi para que as pessoas fizessem o cadastro, garantindo assim a permanência do cliente. Depois disso, não houve novos estímulos. Não é um acaso. Muitos dos envolvidos não estão interessados na substituição das formas de pagamento atuais, segundo os especialistas. “Só 30% dos estabelecimentos brasileiros têm algum tipo de aceitação do uso do novo sistema no varejo. Há falta de conhecimento e resistências, por que mexe com toda uma cultura e hábitos antigos”, disse a diretora executiva da consultoria internacional de sistemas financeiros Capco, Letícia Murakawa. “Mas a falta do Pix no B2B e no varejo não significa que o crescimento esteja ruim, mas sim que levará um tempo para maturação e aceitação dessa nova tecnologia”, afirmou a executiva. Murakawa acompanhou a evolução dos pagamentos instantâneos em outros mercados pelo mundo, e afirmou que as empresas têm mais resistências a adotar os novos sistemas do que as pessoas físicas.

Divulgação

“Mesmo com a demora, o cenário para o Brasil é mais promissor do que em outros países” Henrique Gallotti gerente da EY.

Para a consultoria EY, o Pix não deve demorar a se firmar. Suas características únicas, facilidade e baixo custo, distinguem-no de outros meios de pagamento. “Analisamos a curva de adoção da tecnologia em países como Austrália, Índia, Reino Unido e Suécia e o cenário para o Brasil é bastante promissor”, disse o gerente e especialista em meios de pagamentos da EY, Henrique Gallotti. Conforme o estudo, enquanto no Reino Unido a tecnologia levou 12 anos para conseguir que o pagamento respondesse por 54% das transações, em apenas três anos a Austrália já contabiliza 30% da movimentação.

PROJEÇÕES A EY traçou três cenários para o Brasil, indicando a evolução do sistema em cinco anos. Na pior das hipóteses a movimentação em cinco anos chegará a R$ 1,22 trilhão. No melhor cenário pode bater na casa dos R$ 2,81 trilhões, equivalente a 36,3% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o estudo. Isso levando-se em conta que 87% da população brasileira é urbanizada, 71% tem acesso à internet e 66% já usa smartphones. “O brasileiro se adapta com facilidade a novas tecnologias. As empresas é que devem levar mais tempo para acertar sistemas de tesouraria, mas também vão se render diante da redução dos custos”, disse Gallotti.

E são essas facilidades que já despertam o interesse de novos concorrentes. Varejistas como Magazine Luiza e Via Varejo já criaram carteiras digitais para processar transações. E grandes indústrias como a AmBev estão de olho no potencial dos pagamentos eletrônicos. A empresa comprou recentemente uma fintech para criar sua plataforma de pagamentos para bares e restaurantes. “O Pix vai mexer com todo o ecossistema financeiro e os bancos terão de correr atrás, especialmente com a chegada do open banking, para manter o fluxo do dinheiro”, disse o executivo da EY. Para ele, um bom exemplo são as mudanças das empresas como Mastercard e Visa, que hoje já se definem como grupos de tecnologia e não mais de pagamentos. “As ações das adquirentes como a Cielo derreteram e as wallets se espalham ampliando o acesso a produtos bancários inacessíveis até pouco tempo atrás”, afirmou Gallotti. Ele prevê que, após essa grande expansão, certamente virá um movimento de consolidação das empresas de pagamentos.