Depois de 15 meses mergulhado em teleconferências, o último desejo de profisionais que precisam viajar a trabalho será voltar a encarar aquelas duas horas de antecedência até o embarque com dezenas de desconhecidos, sem contar choro de crianças, espaço apertado e conversas durante o voo. Dados da mais recente pesquisa da Global Business Travel Association (GBTA), feita em abril com 16 mil profissionais de 942 empresas do segmento no planeta, mostram que dois em cada três viajantes querem novas experiências. E o setor já nota esse novo consumidor. “O grande executivo consegue ser mais produtivo estando em vários lugares”, afirmou Fernando Wendling, fundador da Alphajets Táxi Aéreo. “A praticidade da aviação executiva permite essa presença.”

Não deixa de ser uma boa notícia, comparada ao cenário do início da pandemia, quando medidas de restrições foram implementadas e resultaram nas restrições de viagens e no fechamento de fronteiras. Como consequência, em abril do ano passado a malha aérea brasileira apresentou redução de 90% nos voos domésticos e 100% nos voos internacionais. Na aviação executiva, o efeito também foi pesado. De acordo com a GBTA, 61% das empresas do segmento cancelaram ou suspenderam voos domésticos e 89% os internacionais. A retomada começou. Mas em novos patamares.

E foi isso que fui conferir na viagem que fiz pela Alphajets entre São Paulo e Trancoso. As vantagens de sempre em voos executivos fretados estavam lá: entrada por uma área exclusiva no aeroporto de Congonhas, área vip com café, pão de queijo e sem choro de criança, além do embarque facilitado. Já na aeronave de nove lugares, mais comilança – lanches de diversos sabores, salada de frutas e bombons recheados. Mais do que os mimos, porém, o que se quer nesse tipo de solução pode ser resumido a tempo e exlcusividade. “Não podemos oferecer o mesmo serviço que o passageiro teria em um voo comercial, é preciso atendimento diferenciado, exclusivo”, disse Wendling.

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“As pessoas (na pandemia) começaram a entender a essencialidade do serviço de táxi aéreo como um facilitador de negócios” Fernando Wendling fundador e CEO da Alphajets.

Fundada em 2019, a empresa sabe que precisa acelerar. Ela começou a operar somente em julho do ano passado, no meio da crise. Com uma base no aeroporto de Congonhas (SP) e outra no aeroporto de Florianópolis (SC), possui três aeronaves próprias e uma gerenciada. Mas já vê a demanda aumentar. Tanto que a estratégia de crescimento engloba a aquisição de duas novas aeronaves, uma própria e outra gerenciada – quando um avião privado é disponibilizado para a companhia realizar o serviço de táxi aéreo no período em que estiver fora do uso pessoal.

Realizando voos para todas as Américas, as aeronaves da Alphajets possuem autonomia de 3h30 de viagem. Dentre os principais destinos, se destacam as viagens de São Paulo ao Rio de Janeiro, a partir de R$ 28 mil, São Paulo a Trancoso (a partir de R$ 68 mil) e São Paulo a Fernando de Noronha (a partir de R$ 170 mil reais). Já nos voos internacionais, o trajeto a Cancún ganha destaque. Com uma parada em Manaus e outra na Colômbia, para abastecimento, a viagem tem custo inicial de R$ 425 mil. Do total de voos realizados pela companhia, 60% são a trabalho e 40% a lazer.

CÉU LIMPO Até o fim do ano, a Alphajets prevê dobrar a média mensal de voos, que está atualmente entre 17 e 22. Essa expectativa, segundo o CEO, está baseada na preocupação dos passageiros em relação à infecção pelo coronavírus. “A aviação executiva não é só lazer e transporte, agora é também saúde”, afirmou o executivo. Na opinião de Wendling , o futuro do setor segue promissor mesmo com o retorno da normalidade da aviação comercial. “De maneira geral, as pessoas começaram a entender a essencialidade do serviço de táxi aéreo como um facilitador de negócios”, disse.

Prova dessa mudança de percepção do consumidor foi o movimento do mercado durante a pandemia. Tendo o dólar como base de compra, venda, manutenção e treinamento da tripulação, historicamente o setor apresentava uma saída de aeronaves do Brasil em tempos de crise, aproveitando a valorização das aeronaves. Essa fuga da cotação em alta, entretanto, não aconteceu em 2020. “Até mesmo empresas que não tinham jato executivo, mas possuíam condições financeiras, começaram a procurar pela compra”, afirmou Ricardo Fenelon, ex-diretor da Anac e sócio do Fenelon Advogados. “Essa mudança ocorreu pela queda inesperada do número de voos comerciais e pela preocupação com o vírus.”

Na opinião do especialista, a aviação executiva deve se consolidar principalmente pelo trabalho de simplificação de normas que está sendo desenvolvido pela Agência Nacional de Aviação (Anac). Entre as alterações mais recentes, a Anac aprovou norma relacionada à propriedade compartilhada de aeronaves, comum em países como os Estados Unidos. Fenelon destaca que, ao tornar o processo mais acessível, a Anac também limita a ação de empresas que realizam o transporte irregular, serviço que só existe por ser muito mais barato em comparação às companhias regularizadas. Hoje, a multa para o transporte irregular pode chegar a R$ 200 mil.

A inegável otimização de tempo de uma viagem executiva permite, por exemplo, a ida até Porto Seguro para um almoço com pratos típicos da Bahia. Na volta a São Paulo, porém, o retorno à realidade. Em voo comercial, o check-in lotado de pessoas e uma viagem de duas horas até o aeroporto de Guarulhos tornam evidente o porquê do otimismo do setor de aviação executiva.