No dia 18 de julho, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) suspendeu as negociações com as cotas do fundo Mérito Desenvolvimento Imobiliário, listadas na B3. O fundo é gerido pela Mérito, uma gestora de pequeno porte e administrado pela Planner, uma das corretoras independentes mais tradicionais em atividade no mercado. A CVM informou que suspeitava de “irregularidades” na distribuição de dividendos. Em bom português: em vez de recolher os rendimentos dos aluguéis e distribuí-los, os gestores e administradores poderiam estar captando dinheiro novo para remunerar os investidores existentes, clássico esquema de pirâmide. Em um comunicado, a Planner e a Mérito informaram ter tomado “as medidas necessárias junto à CVM para explicar a inexistência de qualquer semelhança da estrutura do Fundo com uma pirâmide financeira”. Até o fim da manhã da quinta-feira 26, a suspensão continuava valendo.

Em 20 de julho, a autarquia aplicou outra punição. Dessa vez, ela suspendeu a empresa Venture Capital Participações e Empreendimentos. Em setembro passado, a companhia realizou uma emissão privada de debêntures de R$ 100 milhões em duas séries, cujos recursos seriam usados na expansão da rede de restaurantes Hard Rock Cafe. Na primeira série a companhia captou R$ 34 milhões. A emissão da segunda série foi suspensa. Além disso, a Venture e os demais participantes da oferta – empresas de pequeno porte, como as distribuidoras de valores mobiliários Vórtx e Orla, e a agência de classificação de risco Argus – foram impedidos de participar de novas colocações privadas por um ano. No comunicado em que tornou pública a decisão, a CVM cita “indícios” de que as empresas não “agiram com elevados padrões de diligência para assegurar que as informações prestadas pelo ofertante fossem verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes”. As empresas punidas divulgaram notas afirmando não ter elementos suficientes para entender os motivos da punição e queixam-se da “desproporcionalidade” da atuação da CVM.

Desproporcional ou não, a decisão mostra que a autarquia está endurecendo o jogo em uma área do mercado de capitais que vinha rendendo muitas notícias, as colocações privadas de títulos de renda fixa e a venda de investimentos para fundos de pensão. Os compradores preferenciais desse papelório, em geral emitido por empresas menores e mais arriscadas, têm sido os fundos patrocinados por governos estaduais e municipais, conhecidos como Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Com um patrimônio total superior a R$ 100 bilhões e regras de governança e políticas de investimento bem mais frouxas que a dos fundos maiores, essas entidades são assediadas por profissionais em busca de capital.

Em junho de 2017, DINHEIRO revelou com exclusividade como funcionava o esquema da corretora de valores Gradual para fraudar institutos municipais de previdência, por meio da emissão de títulos de dívida da empresa ITS@ Tecnologia para Instituições Financeiras. A reportagem levou a Polícia Federal a deflagrar, no mês seguinte, a Operação Papel Fantasma, para recolher documentos e apurar crimes contra o sistema financeiro. Os controladores da Gradual foram presos e, poucos meses depois, em maio deste ano, a corretora encerrou suas atividades. DINHEIRO conversou com advogados de três escritórios com forte atuação no mercado de capitais que, por trabalharem diretamente com a CVM, preferiram manter o anonimato. Porém, o discurso de todos é coincidente. Na gestão do presidente Marcelo Barbosa, a Comissão intensificou a fiscalização em áreas menos glamurosas do mercado. Atividades como a emissão de debêntures por empresas de médio porte e a venda de cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e fundos imobiliários são as mais visadas.

O endurecimento da CVM ocorre em duas frentes. Além da fiscalização, a autarquia está discutindo a revisão de duas instruções, a 400 e a 476, que tratam da emissão de ações e da colocação privada de valores mobiliários. As maiores mudanças deverão ocorrer com as colocações privadas. Emitida em 2009, a Instrução 476 visava a estabelecer um modo rápido de captar recursos. Desde que o emissor só vendesse os títulos para grupos de, no máximo, 50 investidores, todos qualificados, ele estava dispensado de boa parte dos trâmites exigidos pela legislação. “Isso acabou servindo para que profissionais de mercado inteligentes e desonestos vendessem títulos de má qualidade para gestores de fundos de pensão igualmente desonestos, mas nem tão inteligentes”, diz o sócio de um grande escritório de advocacia paulista.

Procurada, a CVM informou que não há um endurecimento da fiscalização. “A proteção do mercado de capitais se dá com regulação e supervisão eficazes e com um processo sancionador estruturado para evitar que as irregularidades passem impunes”, informou a Comissão. “Naturalmente, trata-se de um trabalho que se aperfeiçoa com o tempo, por meio dos aprendizados da experiência prática e do emprego de novas tecnologias. Não se trata, portanto, de agir de maneira mais dura.” Eufemismos à parte, o fato é que Barbosa decidiu acabar com a farra.