Não é novidade que famílias e empresas precisam de disciplina para prosperarem. Em áreas de inovação e criação, é entendido que esse conceito deve ser flexibilizado para estimular novas ideias e soluções. Também os governos, e de uma forma ainda mais estrita, devem pautar-se pelos princípios da ordem e da disciplina. Até na bandeira fizemos constar “Ordem e Progresso” para ninguém esquecer. E a criatividade na área pública merece cuidados. Não faz muito tempo que a contabilidade criativa derrubou um presidente da república. Mas infelizmente temos tido dificuldade histórica, e talvez cultural, de lidar com a disciplina fiscal no poder público brasileiro.

Como bem ressalta o economista Márcio Garcia, “a expansão desenfreada dos gastos públicos entre nós […] ocorre sempre, exceto quando encontra um limite duro, geralmente uma crise, tipicamente muito dolorosa, sobretudo para os mais humildes e desprotegidos”. Além de gastarmos muito, gastamos mal. Ou melhor, por gastarmos mal, gastamos muito. Problema agravado hoje por uma medida adotada na Constituição de 1988, e que pretendia justamente ordenar as despesas. Como bem aponta o ex-ministro Delfim Neto, constituinte à época: “Por um ato de insensatez nós engessamos demais o orçamento”, de modo a, na melhor das hipóteses, refletir as prioridades de 33 anos atrás, somado a uma grave falha conceitual que classificou, por exemplo, salários e benefícios de servidores como gastos obrigatórios, e investimentos, que preparam o País para o crescimento, como gastos discricionários, isto é, sujeitos à disponibilidade de recursos. Por isso o Brasil é um dos países que mais gastam com funcionalismo — 13,5% do PIB contra média de 9,4% da OCDE, e que menos investem, no mundo. E, por isso também, é um dos países que menos cresceu nas três últimas décadas.

É necessário fazer uma reavaliação dos gastos obrigatórios que já tomam 95% do orçamento público, e que crescem continuamente por regras próprias, levando ao estreitamento do espaço dos investimentos. Como bem alerta o secretário especial de Fazenda Waldery Rodrigues, há a necessidade de construir soluções estruturais para o equilíbrio fiscal duradouro, que passam pelo conhecido tripé “desindexar, desvincular e desobrigar”, pela aprovação das PECs Emergencial, do Pacto Federativo, e da Reforma Administrativa, e pela revisão dos gastos tributários, que são os 4,25% do PIB de renúncias fiscais, que na sua maior parte não tem resultados avaliados e não tem prazo para terminar.

E se somarmos a isso tudo gastos extraordinários com a pandemia, que só com o auxílio emergencial a 68 milhões de pessoas consumiu R$ 293 bilhões em 2020, e a falta de entendimento entre o Executivo e o Legislativo em torno de medidas de contenção fiscal, e quem sabe de convicção dos três Poderes para buscarem o equilíbrio das contas, temos no mínimo um quadro desafiador para 2021. Apesar da baixa taxa de juros e do aquecimento do mercado internacional de commodities que vêm estimulando a nossa economia. Precisamos recuperar o senso de urgência para enfrentarmos as questões estruturais do País. Enfrentar a questão do gasto público como enfrentamos a inflação. Com determinação, coragem e espírito cívico. No longo prazo a divisão de forças não poupará ninguém.

Carlos Rodolfo Schneider é um dos idealizadores do Movimento Brasil Eficiente (MBE), membro do Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal).