DINHEIRO ? Alguns anos atrás, Alan Greenspan, chairman do Fed, era chamado de ?maestro?. É correto culpá-lo pela crise financeira americana?
WILLIAM FLECKENSTEIN ? Claro que sim. Alan Greenspan foi um assoprador de bolhas serial. E não é isso o que se espera de alguém com a sua responsabilidade, no comando da maior economia do mundo. O principal culpado por esta crise é, sem dúvida, ele.

DINHEIRO ? Mas por que a percepção em relação a ele está mudando tão rapidamente?
FLECKENSTEIN ? O fato é que Alan Greenspan jamais foi um maestro. Aquilo tudo era apenas um mito e uma terrível ilusão. Aos poucos, as pessoas estão migrando para o meu ponto de vista, que já vem de muito tempo. Não é de agora que digo essas coisas. As percepções mudam quando as pessoas se dão conta de que as premissas anteriores eram falsas. Mas eu lhe digo o seguinte: a percepção pública em relação a Greenspan ainda tem um caminho a percorrer ? e vai mudar para pior.

DINHEIRO ? Quais foram os principais erros que ele cometeu à frente do Fed?
FLECKENSTEIN ? O principal erro foi conduzir uma política monetária excessivamente frouxa. Em várias ocasiões, ele continuamente reduziu as taxas de juros, quando deveria ter feito o contrário. E, quando surgiram bolhas no mercado acionário ou no mercado de crédito, ele as racionalizou exaltando as virtudes da economia. Era aquela história de nova economia, lembra? Dizia-se que os ciclos econômicos iriam acabar, em função da revolução tecnológica e dos ganhos de produtividade. E nada disso, como estamos percebendo agora, era verdade.

DINHEIRO ? O que ele deveria ter feito?
FLECKENSTEIN ? Um presidente de um banco central não pode jamais subestimar os sinais de perigo. Ele deveria ter prestado atenção a eles e apertado o crédito no instante em que era claro para todos os analistas que havia uma bolha artificial na Nasdaq e no setor de tecnologia. Como ele não agiu, acabou contribuindo para que a bolha da internet crescesse e contaminasse outros setores da economia.

DINHEIRO ? Alguns anos atrás, o próprio Greenspan cunhou a expressão ?exuberância irracional? para se referir aos mercados financeiros. Isso não mostra que ele sabia dos perigos?
FLECKENSTEIN ? Ele cunhou essa expressão em 1996, mas, como se pode ver no meu livro, ele abandonou a idéia rapidamente. Constatou o fenômeno, mas não fez nada para combatê- lo. Depois, ele nunca mais disse nada a respeito, o que fez com que os perigos de um crash financeiro crescessem de forma dramática.

DINHEIRO ? Quem deveria estar sentado no comando do Fed para evitar que essa crise ocorresse?
FLECKENSTEIN ? Uma pessoa como Paul Volcker, que esteve à frente do Fed no início dos anos 80, teria não só reconhecido os perigos como também tomado as medidas necessárias. Ou seja: apertado o crédito e elevado as taxas de juros. Se isso tivesse ocorrido, não teríamos vivido a exuberância irracional, mas também não estaríamos diante de uma crise como a atual.

DINHEIRO ? O atual chairman do Fed, Ben Bernanke, estudou muito a Grande Depressão e dizem ser um especialista no tema. É a pessoa certa para salvar a economia americana?
FLECKENSTEIN ? Não. Ben Bernanke age de maneira idêntica à de Alan Greenspan. Os dois seguem o mesmo manual e Bernanke também é um assoprador de bolhas.

DINHEIRO ? Como assim?
FLECKENSTEIN ? Quando Bernanke reduz os juros de curto prazo, ele está cometendo exatamente os mesmos erros de Greenspan. A diferença é que os comete com muito mais intensidade.

DINHEIRO ? Juros baixos não funcionariam mais, no contexto atual? Seriam como a droga que já não faz efeito?
FLECKENSTEIN ? Exatamente. A verdade é que taxas baixas não vão solucionar o problema do estouro da bolha no mercado imobiliário. E é por isso que os períodos de euforia no mercado financeiro têm sido cada vez mais curtos depois de cada novo corte de juros. Portanto, a mensagem que vem do mercado é clara: os problemas reais da economia não vão ser solucionados com artificialismos monetários.

DINHEIRO ? E o que precisa ser feito para solucionar os problemas?
FLECKENSTEIN ? Em primeiro lugar, temos de deixar de buscar a solução nas taxas de juros. Não há mais espaço para mágicas. O que o Fed fez nos últimos anos ? e continua fazendo ? está na raiz de todos os nossos problemas econômicos. Outro ponto importante é aumentar a taxa de poupança nos Estados Unidos. Nós, os americanos, poupamos muito menos do que europeus ou asiáticos. Finalmente, deveríamos parar de especular tanto.

DINHEIRO ? Quais são os efeitos da era Greenspan sobre o dólar?
FLECKENSTEIN ? Dramáticos. Tenho receio de que a nossa moeda acabe se transformando num novo peso.

DINHEIRO ? O euro passaria a ser a nova moeda global?
FLECKENSTEIN ? Não tenho certeza. Talvez o mais plausível seja imaginar um mundo diferente daquele dos últimos 50 anos, em que o dólar foi a grande reserva de valor global. Imagino uma situação mais equilibrada, sem nenhuma moeda dominante. E, como reserva de valor, avalio que o ouro ainda é melhor do que o euro.

DINHEIRO ? Qual é a sua opinião sobre a crise bancária? O governo americano agiu bem ao socorrer o Bear Stearns?
FLECKENSTEIN ? Foi uma péssima idéia. Esses resgates financeiros são sempre ruins e explicam, em grande medida, a crise que estamos vivendo hoje. Basta ver como os nossos problemas pioraram desde que Greenspan decidiu socorrer o fundo LTCM, em 1998.

DINHEIRO ? A crise pode piorar? Já há quem compare a situação à de 1929…
FLECKENSTEIN ? Sim, pode piorar ? e muito. Principalmente porque, ao atingir a bolha do setor imobiliário, ela atinge o motor da economia americana nos últimos cinco anos. E era essa especulação imobiliária que vinha distorcendo os números de crescimento dos Estados Unidos entre 2002 e 2007. Depois do estouro da bolha, não sei o que iremos colocar no lugar.

DINHEIRO ? De que maneira a crise dos Estados Unidos irá afetar a economia global? O sr. acredita na tese do descolamento?
FLECKENSTEIN ? Na verdade, eu sou cético em relação a isso. O fato, incontestável, é que os Estados Unidos ainda têm uma participação muito grande no PIB mundial, próxima a 30%. Portanto, uma crise na economia americana sempre terá repercussões, em algum grau, no restante do mundo.

DINHEIRO ? Seu livro aborda as raízes monetárias da crise. Mas a guerra do Iraque não seria uma causa fiscal?
FLECKENSTEIN ? A guerra no Iraque, de fato, tem sido um monumental desperdício de dinheiro dos contribuintes americanos. Mas esse não é, como você mesmo disse, o foco principal do livro.

DINHEIRO ? De quanto tempo os Estados Unidos precisam para se recuperar de todos esses problemas?
FLECKENSTEIN ? A crise é muito séria e não sairemos dela em menos de dois anos. Aqueles que estão prevendo um período curto de recessão, seguido de uma retomada, estão sendo otimistas.

DINHEIRO ? Os problemas de crédito limitam- se ao setor imobiliário?
FLECKENSTEIN ? Na minha avaliação, a maior parte dos créditos podres está ligada às operações com imóveis. A bolha do setor residencial já estourou, mas há também muita coisa suspeita no setor de escritórios. E a grande verdade é que os consumidores americanos, de maneira geral, endividaram- se além da conta, em função das bolhas artificiais de Greenspan.

DINHEIRO ? Isso significa que a crise pode se alastrar por outros setores?
FLECKENSTEIN ? Em geral, é isso o que acontece nas recessões. Problemas de um determinado setor atingem outros, que provocam um efeito em cadeia. Desta vez, não será diferente.

DINHEIRO ? Levando em conta que há uma eleição presidencial nos Estados Unidos, qual é o melhor candidato para enfrentar a crise: Barack Obama, Hillary Clinton ou John McCain?
FLECKENSTEIN ? Acho que nenhum dos três tem a menor idéia daquilo que está realmente acontecendo. E, como não há a devida compreensão dos problemas, não imagino que eles possam ter a solução. Na verdade, eu diria até que a crise é tão séria e tão grave que não pode ser solucionada por qualquer ato ou pacote de medidas governamentais. É o próprio sistema capitalista que terá de se reinventar e buscar uma saída.

DINHEIRO ? O plano anunciado nesta semana para aumentar a regulamentação do sistema financeiro pode funcionar?
FLECKENSTEIN ? Não creio que estejamos precisando de novas leis. Aquelas que já existem, como a Sarbanes Oxley, já são duras e deveriam ser cumpridas.

DINHEIRO ? O sr. leu o livro ?A Era da Incerteza?, de Alan Greenspan? O que achou?
FLECKENSTEIN ? Li apenas algumas partes. E não gostei.

DINHEIRO ? Mas o sr. avalia que ele escreveu logo depois de sair do Fed para melhorar seu lugar na história?
FLECKENSTEIN ? Não. Na verdade, acho que ele escreveu este livro porque recebeu uma oferta milionária para fazê-lo. Quanto ao seu lugar na história, não é uma autobiografia que irá resolver o problema. Alan Greenspan será julgado por suas ações. E o resultado delas é uma das mais graves crises da história dos Estados Unidos.