Em um exercício de equilíbrio, riscos e muita fé, os Poderes Legislativo e Judiciário desenharam uma solução para os precatórios. Com uma conta de R$ 89 bilhões para o ano que vem, as opções não são boas para o Executivo. Ele poderia honrar o pagamento e colocar em risco o andamento dos serviços públicos, dar calote e perder confiança do mercado ou pedalar e arriscar incorrer em crime de responsabilidade. Diante desta sinuca de bico, o ministro da Economia Paulo Guedes até tentou, sem sucesso, oferecer uma solução, mas ela orbitava entre o calote e a pedalada. Sem alternativas da Esplanada dos Ministérios, foi a vez dos outros dois Poderes da República costurarem uma quarta opção. Deixar que o valor do pagamento dos precatórios seja corrigido apenas o permitido pelo teto de gastos, ou seja, a inflação. Mas essa solução não viria de graça. Para tornar legal do ponto de vista jurídico e aprovado no Congresso, o presidente da República Jair Bolsonaro precisaria parar de atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) – e essa é a parte do acordo que envolve muita fé.

Em conversas com lideranças partidárias no Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o presidente do STF, Luiz Fux, promoveram a alternativa criada pelo Tribunal de Contas da União. Paulo Guedes foi consultado, e se mostrou favorável. Parecia um acordo perfeito, mas não é. Com esse pagamento que acompanha a inflação, e não os casos julgados, a dívida de precatórios vai saltar, podendo chegar a R$ 1,4 trilhão até 2036, segundo a Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados.

O plano é que o valor fixado de pagamento para precatórios seria R$ 30,21 bilhões, o equivalente a sentenças pagas em 2016, quando foi criado o teto dos gastos. Depois disso, seria corrigido apenas a inflação. Assim, o pagamento para 2022 ficaria em R$ 39,96 bilhões – do total de R$ 90 bilhões que deveriam ser honrados. A diferença entraria como prioridade na fila para o ano seguinte, e assim sucessivamente. “Todos os cenários [calculados pela consultoria] consideram crescimento inferior à média do crescimento das sentenças judiciais no período de 2017 a 2022, que foi maior que 17%”, informam os técnicos, em nota. Na versão mais branda, a bola de neve estaria em R$ 687 bilhões em 2036.

A outra questão levantada pela consultoria da Câmara é que o acordo entre Senado e STF pode não bastar para garantir o acordo. Para os técnicos, tal mudança precisaria ser aprovada em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). “Em termos jurídicos, a postergação e o parcelamento dessas despesas obrigatórias devem ser regulamentados por emenda constitucional, e não por resolução do CNJ.” Na prática, a mensagem é que a Câmara também precisa encontrar sua contrapartida para deixar que o acordo prossiga.

O problema é que o tempo urge. O governo precisa aprovar no Congresso a base da Lei Orçamentária de 2022 e a questão do precatório, se não resolvida, sentenciará à morte os programas sociais, reajuste dos servidores e retomada das obras prometidas pelo presidente Bolsonaro para sua agenda positiva em ano eleitoral. Segundo Guedes, o governo tem noção da urgência do tema. “Nós havíamos tentado uma PEC, mas aparentemente já há uma solução mais efetiva, rápida, e inclusive mais adequada juridicamente”, disse. Segundo o ministro, o problema do precatório não está ligado apenas ao Bolsa Família, “mas à previsibilidade e à exequibilidade do Orçamento público”.

RESSALVAS Quem também alertou para os riscos de enquadrar o pagamento de dívidas que não cabem no Orçamento ao teto de gastos foi o presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Eduardo Gouvêa. Segundo ele, além de ser inconstitucional tal postergação (exigindo mudança via PEC) o valor apresentado não bate com o Orçamento de 2022. As estimativas de Fux e Pacheco é que seriam pagos cerca de R$ 40 bilhões ano que vem, mas o Orçamento reserva apenas R$ 35 bilhões para este fim. Segundo ele, ainda não houve contato formal do CNJ com a OAB para falar do tema.

No Senado, membros do corpo técnico de análises financeiras também citaram o risco de uma judicialização ainda maior (incorrendo em mais gastos e mais processos perdidos) caso a decisão seja tomada na “canetada” do Judiciário e não pela mudança na Constituição. Para olhar o copo meio cheio, eles esperam que Guedes abra espaço no Orçamento para o fundão eleitoral, e assim todos sairiam ganhando (menos os cidadãos que, por ventura, tenham algo para receber da União). Com esse “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo” sendo desenhado sem o dedo de Guedes, tudo parece resolvido, menos a saúde fiscal da União.

SHOW DE HORROR NA MADRUGADA

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A sessão da Câmara dos Deputados que varou a madrugada da quinta-feira (2) foi um exemplo típico de descaso com a premissa de um parlamento: o diálogo amplo. Confirmada às pressas e no meio de um acordo meteórico o presidente da Casa, Arthur Lira (DEM-AL) avançou com a reforma do imposto de renda apenas para ter uma aprovação desse porte no currículo. Aos parlamentares que o acompanhavam na madrugada, fez questão de dizer que o texto em questão não era do governo, mas do Congresso. Recheado de jabutis e com grande chance de judicialização, o efeito da aprovação foi imediato: prefeitos e governadores descontentes, mercado financeiro irritado e empresários anunciando que os preços dos produtos ficarão mais altos nas gôndolas.

Para Douglas de Oliveira, sócio do escritório Oliveira, Securato e Abdul Ahad Advbogados o ponto mais polêmico foi a taxação, em 20%, dos lucros e dividendos, principalmente porque não há estudos sobre como as medidas impactarão a arrecadação, mas se sabe que o imposto, para algumas empresas, vai subir. “O que se mostra é um dirigismo econômico das empresas promovido pelo governo”.

VEJA AS PRINCIPAIS MUDANÇAS:

  • IRPF Isenção até R$ 2,5 mil. Número de isentos passará de 13 milhões para 17,7 milhões. Para renda superior, tributo cai de 15% para 10% até 2023
  • LUCROS E DIVIDENDOS Taxação de 20% para compensar queda na arrecadação do IRPF e IRPJ
  • FIIS Isentos de Imposto de Renda
  • BOLSA DE VALORES Limite para isenção de IR para venda de ações passa de R$ 20 mil por mês para R$ 60 mil por trimestre
  • CSLL As alíquotas passam de 9%, 15% e 20% para 8%, 14% e 19%.
  • REMÉDIO E XAMPU MAIS CAROS Para compensar a perda na arrecadação, desoneração em produtos como xampu, remédios,químicos, embarcações e aeronaves