“Pareceu um Ba-Vi com gol aos 44 minutos do segundo tempo!”

Tenho certeza de que meu saudoso pai, como bom baiano e sempre entusiasmado quando acompanhava o principal confronto do futebol estadual, entre Bahia e Vitória, usaria essa frase em meio à espera angustiante pelo resultado da apuração das eleições norte-americanas.

Tudo aponta para o triunfo de Joe Biden, com o 290º gol materializado no último sábado, na forma dos votos no Colégio Eleitoral. Quando digo “aponta” é porque ainda não dá para cravar, pois o resultado provavelmente precisará ser validado pelo VAR (da sigla em inglês para arbitragem de vídeo no futebol), devido às ridículas tentativas de judicialização da democracia. Paciência, os que não sabem perder durante uma disputa sempre apelam para o “tapetão”. E o intrincado sistema eleitoral dos Estados Unidos (EUA) não traz boas lembranças.

Na noite de 8 de novembro de 2016, fui dormir convicto da eleição de Hillary Clinton à presidência pelo voto popular. Porém, ao acordar de madrugada para beber água me deparei, no smartphone, com a notícia da vitória de Donald Trump. Perdi uma garrafa de vinho que tinha apostado com um grande amigo, mas ganhar ou perder faz parte do jogo.

Nesse período, as características da “Doutrina Trump” mostraram muitas coisas que um líder eficaz jamais deveria pensar e falar, que dirá fazer. Esse é o ponto principal da apuração, que colocou o mundo em um suspense à altura das melhores obras de Alfred Hitchcock.

A escolha do líder máximo da nação mais poderosa do planeta vai muito além dos interesses dos partidos Democrata e Republicano, bem como do mero lado ideológico de um espectro político. Na derradeira análise, falamos de uma escolha entre convergência e intolerância.

O estilo de liderança de Trump não se refletiu na busca de soluções ou na construção de pontes. Literalmente, ele levantou muros geográficos, como aqueles na fronteira com o México. Também arquitetou “paredes” entre vários estratos da sociedade norte-americana. No seu afã isolacionista, detonou, de forma unilateral, vários órgãos multilaterais e deu as costas para a Organização das Nações Unidas e para a Organização Mundial da Saúde, além de ter se retirado do Acordo de Paris, agenda climática que interessa aos 7 bilhões de habitantes do planeta e que, nesses quatro anos, viram iniciativas de décadas sofrerem tremendo retrocesso. A mesma linha de conduta se refletiu na postura pouco construtiva em relação a vários tipos de minorias e ao meio ambiente, bem como jogou contra o sistema democrático institucional.

Além disso, seu comportamento mostrou facetas peculiares no momento em que mais precisava exercer a liderança. A forma como menosprezou e, depois, lidou com a Covid-19 trouxe números trágicos ao país. Atacou a ciência com arroubos simplistas e descabidos. Também levou a Covid-19 para dentro da Casa Branca. Porém, antes, já tinha trazido à casa símbolo da democracia ocidental outro vírus, transmutado na intolerância e polarização. A “Doutrina Trump” foi marcada pela arrogância, manipulação de fatos e vários tipos de preconceitos, alguns dos predicados que um bom líder procura evitar.

Precisamos de líderes que reúnam certos atributos fundamentais para construirmos e atravessarmos a ponte autossustentável que nos levará ao outro lado do rio. Lideranças pautadas por um propósito convergente, que unam e não dividam. Necessitamos de líderes inspiradores pelos valores e não apenas pela hierarquia do cargo, e que formem outras lideranças e não apenas seguidores. Pessoas que nos conduzam com foco no futuro e não em nostalgias inadequadas ou nas adversidades do presente. O cenário atual demanda lideranças que conquistem resultados surpreendentes, capazes de reduzir assimetrias socioeconômicas e assegurar a sustentabilidade dinâmica da travessia em direção a dias cada vez mais felizes.

Precisamos de líderes que o momento exige. E o cenário atual clama pelo “Ponto C”, o Ponto da Convergência. Somente assim será possível liderar a reconstrução da ponte para a democracia em vários lugares do mundo que se inspiraram no estilo peculiar desse líder, que só não sairá de cena se o VAR “anular um gol legítimo”.

Nos complexos tempos em que vivemos é mais importante do que nunca ter postura equilibrada e apresentar questionamentos sadios, bem como mostrar poder de síntese e foco na busca de soluções e não na criação de problemas adicionais aos que já nos afligem.

Tomara que a convergência continue vencendo a intolerância nos quatro cantos do mundo e, de preferência, com placar mais elástico. Vou além e rogo que equilíbrio, tolerância, olhar plural e, sobretudo, responsabilidade permeiem as lideranças não só no universo político, mas nas diferentes esferas em que são exercidas.

César Souza é presidente do Grupo Empreenda, consultor e palestrante em Estratégia, Liderança, Clientividade e Inovação. Autor de “Seja o Líder que o Momento Exige” é também coautor do recém-lançado “Descubra o Craque que Há em Você”