Depois de ver a sua venda para a Kroton barrada, no ano passado, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Estácio precisou andar por conta própria. A empresa ganhou um novo acionista, o fundo americano Advent, se voltou para sua operação interna em busca de eficiência e colhe bons resultados. Na quarta-feira 25, anunciou crescimento da receita líquida de 14,2%, para R$ 936 milhões, no primeiro trimestre do ano, em comparação com o mesmo período de 2017. A alta do lucro líquido foi de 62%, atingindo R$ 330 milhões. O desempenho é reflexo dos esforços de gestão promovidos pelo CEO Pedro Thompson. Nesta entrevista a DINHEIRO, o executivo fala sobre o momento da educação no País, a estratégia da empresa e os desafios para a política em um ano de eleições. “O foco precisa ser a empregabilidade”, diz ele. “Hoje, contar com uma mão de obra preparada é o principal gargalo do País, em todos os níveis e em todos os setores.”

DINHEIRO – Passada a fracassada tentativa de fusão da Estácio com a Kroton, barrada no ano passado pelo Cade, como está a empresa?

PEDRO THOMPSON – A Estácio é uma empresa de 48 anos que passou por todas as adversidades que o País enfrentou nesse período. Somos extremamente resilientes. E, nos últimos dois anos, ficamos como parte a ser adquirida no processo de fusão com a Kroton. A integração acabou não saindo por questões que fogem da gestão da Estácio e da Kroton. No meio desse caminho, nós nos reinventamos. E fizemos isso muito bem. A Estácio saiu de uma margem Ebitda [lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização] de 19%, em 2016, para de 28% no ano passado. O valor de mercado avançou de R$ 3 bilhões para quase R$ 12 bilhões. Foi a segunda ação que mais subiu na B3, durante 2017, atingindo 111,3% de valorização. Conseguimos ainda ampliar a receita em 6% no ano contra ano. E a geração de caixa quase dobrou. Ainda por cima, um investidor de referência, o fundo Advent, entrou na empresa com participação relevante, o que também traz um capital intelectual muito grande. Conseguimos todos esses resultados num cenário econômico adverso.

DINHEIRO – Foi complicado manter a rentabilidade em alta em meio a uma fusão?

THOMPSON – Foi desafiador. Os executivos não sabiam se continuariam na companhia. E, caso continuassem, não sabiam em que posições ficariam. Só descobrimos que a operação não seria concretizada em junho do ano passado. Mesmo assim, conseguimos o melhor resultado da história da companhia. Isso significa que a rentabilidade continuou avançando à medida que melhorávamos a gestão.

DINHEIRO – Qual é o foco para este ano?

THOMPSON – Estamos muito voltados à execução. O mercado de educação é muito pujante e consolidador por definição. Mas, por outro lado, temos um desafio muito grande, do ponto de vista empresarial, em chegar a um aprimoramento gerencial. O que, de fato, nos norteia é a qualidade de ensino. Por meio dela, podemos ter reconhecimento de marca, aumentar a empregabilidade dos nossos alunos, causar impacto social e ampliar a satisfação de todo nosso corpo docente e discente. O ano, no entanto, continua tão difícil quanto os dois últimos. Como é ano de eleição, há diversas incertezas e o mercado ainda está um pouco receoso.

DINHEIRO – Neste momento, o crescimento fica em segundo plano?

THOMPSON – O nosso setor tem, basicamente, três oportunidades principais de crescimento. A primeira é a gestão. A educação é um setor muito sensível a gestão. A segunda é a escala. Quanto maior escala, melhor a alocação de custos e o retorno do investimento. E, por fim, a capilaridade. Quanto mais pontos temos espalhados pelo País, mais fácil fica o processo de captação de alunos, a penetração em novos mercados e a venda de novos produtos.

DINHEIRO – Como a empresa está trabalhando nessas três frentes?

THOMPSON – Estou na Estácio há dois anos e há um ano e meio sou o CEO. Quando cheguei, dois desses itens estavam equacionados. Na Estácio, temos capilaridade. Só não estamos presentes em dois Estados no Brasil. Também temos escala, porque somos a segunda maior instituição de ensino do Brasil e uma das cinco maiores do mundo. Então, temos escala e capilaridade. Agora, a gestão é o desafio.

DINHEIRO – Quais são os pontos principais desse esforço de gestão? No início do ano, a Estácio fez uma demissão de larga escala, de 1,2 mil professores.

THOMPSON – Tivemos de tomar medidas mais disruptivas no que diz respeito à gestão. Fizemos um enxugamento no corpo docente. Também promovemos a fusão de oito campi. Não desligamos essas unidades. Apenas desativamos algumas, mas migramos alunos para outros campi. E, agora, por mais que estejamos muito focados em gestão, afinal, somos uma empresa de fins lucrativos, o nosso propósito é gerar impacto social. Obviamente, o lucro e a margem de rentabilidade é uma belíssima consequência, mas o nosso objetivo final é gerar impacto social.

“É muito cedo para falar de eleições, mas o Brasil está no caminho certo. O povo é cada vez menos condescendente com irregularidades”Joaquim Barbosa aparece como forte candidato para a disputa eleitoral (Crédito:Dida Sampaio )

DINHEIRO – De que forma?

THOMPSON – No fim de 2017, saiu o estudo do Pnad [Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios, do IBGE] e os dados foram muito duros. Uma parcela muito alta da população acima dos 30 anos é analfabeta ou tem analfabetismo funcional. Então, lançamos um programa de alfabetização e letramento. Já temos a estrutura pronta. Há cursos de Letras e Pedagogia na maior parte dos nossos campi. Estamos treinando os nossos alunos e professores e montamos um programa gratuito de alfabetização. O programa já funciona em três unidades no Rio de Janeiro, ainda de forma experimental. Mas a ideia é que, sempre onde houver um campus da Estácio, estaremos lutando contra o analfabetismo. No segundo semestre, devemos começar em novas unidades e, num futuro bem próximo, chegaremos a 100% de nossas estruturas.

DINHEIRO – O sr. acredita que empresas e empreendedores precisam ter uma função social?

THOMPSON – O empresariado brasileiro está num momento muito difícil. Mas quem é que efetivamente faz a sua parte nesse País? Aqui nós estamos fazendo.

DINHEIRO – O que o sr. quer dizer é que o empresário deve assumir o protagonismo no País?

THOMPSON – O Estado vive, hoje em dia, uma situação muito difícil. Temos um grande déficit fiscal, que aumenta a cada ano. Se o empresariado não fizer a sua parte, fica complicado. Se a empresa não contabilizar a sustentabilidade do negócio, não teremos futuro. O custo para nós é marginal. E a alfabetização de adultos é um problema que retroagiu no Brasil. Os dados são absolutamente alarmantes.

DINHEIRO – É possível ser otimista com a política e as eleições deste ano?

THOMPSON – Obviamente, é muito cedo para falar. Mas, culturalmente, o Brasil está no caminho certo. O povo é, cada vez menos, condescendente com as irregularidades e com os vícios que trazemos do passado. A população está mais engajada. Independentemente do processo político, vejo em todas as searas sociais e no meio empresarial muito mais engajamento em fazer a coisa certa, em relação ao que se tinha no passado.

“Temos uma preocupação com o modelo de ensino e com o conteúdo acadêmico, mas o objetivo é a empregabilidade”O ensino superior no Brasil conta com aproximadamente 8 milhões de estudantes (Crédito:Sergio Castro/Estadão)

DINHEIRO – Uma parte dessa cultura de corrupção ficará para trás?

THOMPSON – Espero que sim. No papel de líder da Estácio, educamos uma geração. São 550 mil alunos e 16 mil colaboradores, entre corpo docente e discente.

DINHEIRO – O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, é a principal novidade das últimas semanas, com forças nas pesquisas. Ele seria um bom candidato?

THOMPSON – As coisas mudam a cada semana. Independentemente de quem seja o vencedor, uma agenda de contenção de gastos e de diminuição da presença do Estado será inevitável. Quem assumir terá de fazer isso.

DINHEIRO – O programa de financiamento estudantil, o Fies, foi muito importante para o crescimento do ensino superior. Como o corte dele impactou os negócios?

THOMPSON – O setor como um todo sentiu. A interrupção do Fies vem de forma gradativa desde 2015. Em 2013 e 2014, chegou a representar 40% das matrículas na Estácio. No último ano, representou menos de 10%.

DINHEIRO – O próximo presidente deveria voltar com esses incentivos à educação?

THOMPSON – É muito difícil prever o futuro desses programas de fomentos. Obviamente que respeitamos a decisão do Ministério da Educação (MEC) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que é o grande patrocinador do programa. Entendemos que o governo tem um problemão em mãos, que é o déficit fiscal. Então, vários programas precisaram ser revistos de forma mais austera. O Fies não ficou de fora disso. É muito difícil imaginar que seja ampliado.

DINHEIRO – Onde o País precisa avançar mais em termos de educação?

THOMPSON – O foco precisa ser a empregabilidade.

DINHEIRO – Por quê? Ajudaria na dificuldade do Brasil em ampliar a produtividade de sua economia?

THOMPSON – Hoje, contar com uma mão de obra preparada é o principal gargalo do País, em todos os níveis e em todos os setores. É um processo de melhoria contínua. Basta vermos os grandes casos de referência das últimas décadas, na Alemanha e na Coreia do Sul. Um país estava completamente devastado no pós-guerra, e outro era de terceiro mundo. Investiram maciçamente em educação e hoje em dia são duas potências. São exemplos de capital intelectual e de investimento em educação.

DINHEIRO – Por tudo isso, o setor de educação tem muito a crescer?

THOMPSON – Ele cresceu muito e vai continuar crescendo. Obviamente, há uma variável que a gente não controla, que é a economia, mas é um mercado muito pujante. O setor universitário possui em torno de 8 milhões de alunos, incluindo na universidade pública. No último Enem, foram 6,2 milhões de inscrições. Há muita gente para absorver ano a ano.

DINHEIRO – Qual é a sua análise da aquisição da Somos Educação pela Kroton?

THOMPSON – O mercado é consolidador. É difícil falar do nosso concorrente. Mas a Kroton tem apresentado um plano de negócios focando muito em ensino básico e médio. Agora, fizeram uma aquisição em larga escala. E eles têm um histórico muito positivo de integrações, e principalmente nas de grande porte. Imagino que desta vez não vai ser diferente.

DINHEIRO – Esse nicho de ensino básico não interessa à Estácio?

THOMPSON – Por enquanto, não. O nosso foco está 100% em graduação.

DINHEIRO – Mas o ensino básico vem sendo considerado o mercado de maior potencial de expansão. Mesmo assim não interessa?

THOMPSON – O mercado ainda é muito fragmentado. Já tem gente grande se preparando para consolidá-lo. Mas temos muita coisa a ser feita internamente. A nossa missão está longe de ser completada na parte de graduação. Há muito valor a ser captado para todo nosso público estratégico: alunos, acionistas e colaboradores. Ainda não é a hora de nos distrair com novos mercados.

DINHEIRO – A Estácio, agora sem a Kroton, planeja ser uma das consolidadoras?

THOMPSON – Pelo tamanho que possuímos e pela nossa estrutura de capital, falar que não pensamos em aquisições seria até leviano. Mas, por outro lado, estamos com tanto a executar que não consideramos essa agenda no curtíssimo prazo. O mercado vai pedindo mais consolidação. Mas não adianta ser ansioso.