Desde que os primeiros acordos de leniência começaram a ser assinados no Brasil, a partir da Lava Jato, dois aspectos ganharam destaque. De um lado, as cifras incluídas abriam a perspectiva de recuperação de uma parcela dos prejuízos decorrentes da rede de corrupção revelada nas investigações. Levando-se em conta apenas os grandes casos (confira quadro ao final da reportagem), a soma representava um montante de R$ 19 bilhões. Em contrapartida, a falta de um balcão único de negociação e a possibilidade de cada tratativa concluída com um órgão ser questionada por outra instância governamental, colocava em xeque a segurança jurídica desses acordos, bem como a de recuperação dessas empresas.

Um fato recente sinaliza uma mudança nesse quadro. Na segunda-feira 9, a Odebrecht assinou um acordo de leniência com a Controladoria-Geral da Unão (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU), no qual se comprometeu a pagar R$ 2,72 bilhões até 2040. As parcelas anuais serão corrigidas gradativamente e a cifra poderá atingir, ao final do prazo, R$ 6,8 bilhões. Mais que o montante, outro aspecto chamou a atenção: a companhia foi o primeiro entre os grandes grupos investigados a entrar em acerto com mais de um órgão do governo. No fim de 2016, a construtora já havia fechado outro acordo, de R$ 3,8 bilhões, com o Ministério Público Federal (MPF). Segundo a CGU, o novo montante será abatido do valor estipulado no trato com o MPF.

Em nota, a Odebrecht ressaltou que o acordo “fortalece a segurança jurídica” e permite à empresa “avançar de forma mais sustentável na retomada do crescimento”. Fontes ouvidas pela DINHEIRO também destacaram o fato. “Seria ainda mais simbólico se o Tribunal de Contas da União tivesse participado”, diz Sandro Cabral, professor do Insper. Na quarta-feira 11, ministros do TCU rejeitaram um recurso do corpo técnico do órgão, que alegava a sonegação de informações por parte da CGU e da AGU durante a negociação.

Para Karla Linin Maeji, sócia do escritório TozziniFreire Advogados, mesmo com ruídos, há avanços. “O cenário é completamente diferente do que víamos há um ano”, diz. “As autoridades começam a respeitar os acordos feitos por outros órgãos. Ou já estão sentando na mesma mesa para negociar.” Giovanni Falceta, também sócio na área de compliance do mesmo escritório, traça um paralelo entre a Foreign Corrupt Practies Act, que, desde 1977, regula essas práticas nos EUA, e a lei brasileira, que entrou em vigor em 2014. “Nos EUA, esse modelo só foi ajustado em meados da década de 1990”, afirma. “Aqui, os papéis estão se consolidando até que rapidamente. Pouco a pouco, cada ator vai entender sua função nesse processo.”