Lixo em chamas no meio das ruas. Estações de metrô destruídas. Manifestantes fugindo de gás lacrimogêneo. Estas são cenas já vistas por toda a América Latina — inclusive no Brasil, particularmente em 2013 — e que jamais deixam de chocar. Quase sempre refletem o mesmo mal: a desigualdade. A bola da vez é o Chile, onde o anúncio do aumento da tarifa de transporte público serviu de estopim para protestos engolirem as principais cidades do país, começando pela capital Santiago. A resposta do governo de Sebastian Piñera foi forte, com o Exército nas ruas, Estado de Emergência e toque de recolher. As manifestações, porém, continuam, e jovens passam em frente ao palácio de La Moneda, sede da Presidência, gritando “Ô, ô, ô, o Chile acordou, o Chile acordou”, ao som de panelaços. Com 18 mortos entre a sexta-feira 18 e a quarta 23, incluindo uma criança, este já é o maior movimento popular no Chile em 30 anos.

DESCULPAS Após a pior onda de protestos em três décadas, o presidente Sebastian Piñera decidiu diminuir a repressão e tentar o diálogo (Crédito:HO / Chilean Presidency / AFP)

As reivindicações não se restringem ao preço das passagens. Manifestantes pedem melhoria nos sistemas de educação, saúde e previdência, que hoje opera sob o regime de capitalização. Na terça-feira 22, Piñera mudou de tática. Durante pronunciamento em rede nacional de TV ele anunciou uma série de medidas de cunho social.
“É verdade que os problemas se acumulavam havia décadas”, disse o presidente. “Reconheço e peço perdão por essa falta de visão.”

No pacote divulgado — que segue sem data de implementação — estão o aumento de aposentadorias, a criação de um seguro saúde, uma ajuda mínima para trabalhadores de baixa renda, a estabilização nas tarifas de eletricidade, o aumento dos impostos para os mais ricos e a redução dos salários de parlamentares e funcionários da administração pública. O maior sindicato do país, no entanto, manteve de pé a greve geral dos dias 23 e 24.

PAÍS RICO? Considerado exemplo em termos de crescimento econômico e melhoria da infraestrutura, o Chile é membro da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o “clube dos países ricos”, um das únicas nações em desenvolvimento a integrar o órgão. Desde 2000 o PIB chileno mais do que dobrou e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) subiu da 114ª posição para a 42ª, segundo a ONU. Porém, um relatório da Escola de Economia de Paris classifica o Chile como o terceiro mais desigual do mundo, em que o 1% mais rico se apropria de 23,7% da renda total. “Por enquanto, Piñera não corre o risco de perder o cargo”, afirma Tomaz Paoliello, professor de relações internacionais da PUC-SP. Porém, só a longo prazo se saberá que efeitos o pacote social terá. “O Chile cresceu. Mas o Estado continua em um modelo não distributivo e é disso que as pessoas querem se livrar.”