Terminado o segundo turno que elegeu Jair Bolsonaro (PSL) presidente do Brasil é possível fazer uma análise sobre o novo quadro político. A primeira fotografia mostra um cenário fragmentado, com uma profusão de siglas indecifráveis sem nenhuma ideologia. Observe o caso dos governos estaduais. No pleito deste ano, 13 partidos elegeram governadores contra oito em 2014. O PT foi quem mais ganhou Estados, sagrando-se vitorioso em quatro deles. PSDB, PSB e PSL levaram três cada um. Legendas como o Novo, o PSC, o DEM, o PHS e o próprio PSL, conquistaram um governador cada um. Na Câmara dos Deputados não foi diferente: 30 partidos (isso mesmo, o número não está errado) estarão representados no Legislativo a partir de 2019. Atualmente, a Câmara conta com 25 siglas. Em 2010, eram 22.

Esse tsunami partidário mostra a dificuldade de governar no Brasil com tantas legendas, que defendem interesses muitas vezes pessoais de seus fundadores. Seus nomes pouco têm a ver com as ideias que defendem. Ganha uma passagem apenas de ida para o Afeganistão quem souber dizer o que significa PSC, que ganhou as eleições no Rio de Janeiro e no Amazonas e elegeu oito parlamentares na Câmara dos Deputados. Um parêntese antes de prosseguir. O PSL, de Bolsonaro, significa Partido Social Liberal. Nos Estados Unidos, os sociais liberais são a favor do direito ao aborto, das comunidades LGBTQ, da defesa do meio ambiente, do multiculturalismo e da restrição aos armamentos. Será difícil explicar para um americano que o capitão da reserva do Exército ganhou a eleição presidencial defendendo exatamente o oposto desses ideais. Sem falar no PP, que significa Partido Progressista e é conservador. Fecha o parêntese. Em tempo: PSC significa Partido Social Cristão e sabe-se lá o que isso quer dizer do ponto de vista político.

Até a estátua da Justiça, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, que tem os olhos vendados simbolizando a imparcialidade do Judiciário, enxerga que é um exagero essa quantidade de partidos. Essa profusão de siglas está na raiz da falta de governabilidade do presidente de plantão. Um alento são as cláusulas de barreira, aplicadas pela primeira vez a partir desta eleição. Por ela, os partidos terão de obter pelo menos 1,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 9 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades de federação. Neste pleito, 14 siglas não atingiram esse piso. A penalidade é ficar sem fundo partidário e tempo de tevê. Na prática, isso força a fusão entre legendas, reduzindo a quantidade de siglas. Até 2030, gradativamente, as exigências vão ficando cada vez mais restritivas.

A cláusula de barreira, sem dúvida, traz um frescor ao sistema político brasileiro. Mas ainda é insuficiente. Das muitas reformas das quais o Brasil precisa (e não são poucas) a mais urgente é a política. O atual sistema faliu. Os atuais parlamentares representam-se a si mesmo em um salve se quem puder. Não é apenas culpa deles. É do modelo que permite que 35 partidos sejam criados, fragmentando a representação política e abrindo espaço para a franciscana estratégia do “é dando que se recebe”. O fisiologismo é a moeda de troca para a máquina rodar. E quem fica emperrado é o Brasil. Uma reforma política deveria mirar criar mais do que cinco siglas que representam as diversas matizes ideológicas: direita, centro-direita, centro, centro-esquerda e esquerda. Por mais bem intencionado que seja um presidente será impossível governar com tanta gente querendo ser amigo do rei e ganhar um cargo em um ministério qualquer. É a hora de mudar isso aí, tá ok?