Líder em todas as pesquisas de intenção de voto para o segundo turno da eleição presidencial, o candidato Jair Bolsonaro (PSL) está longe de ser uma unanimidade quando o assunto é política. Suas ideias incomodam profundamente uma parcela do eleitorado, que considera as declarações do capitão reformado racistas e homofóbicas. No entanto, se causa controvérsia e até repulsa ao discutir temas sociais e comportamentais, Bolsonaro desfruta de alta aprovação quando se trata de economia. O presidenciável é assessorado por Paulo Guedes, liberal de carteirinha cotado para o Ministério da Fazenda, e por um grupo de economistas com comprovado apreço pela economia de mercado (leia mais aqui). Com isso, profissionais do mercado financeiro, investidores e lideranças empresariais estão otimistas como há muito não se via. Eles consideram a provável vitória do candidato do PSL um divisor de águas. A eleição do candidato do PSL pode significar a primeira oportunidade concreta de promover reformas liberalizantes na economia brasileira, reduzindo o peso do Estado e sepultando o aparato intervencionista construído ao longo dos quatro mandatos do PT na Presidência da República.

Abertura de capital do Carrefour, em 2017: prognósticos são de R$ 4,1 bilhões em captações até o fim deste ano, totalizando R$ 11 bilhões

Esse otimismo dos agentes econômicos pode ser comprovado por números. O favoritismo de Bolsonaro nas urnas começou a ficar evidente nas pesquisas de intenção de voto a partir do dia 13 de setembro. Daquela data até a quarta-feira 24, o dólar caiu 11%, recuando de R$ 4,16 para R$ 3,71. No sentido inverso, apesar de turbulências recentes no mercado internacional, o Índice Bovespa subiu também 11%. O risco-país, que indica o quanto os investidores internacionais cobram em rentabilidade para comprar um título brasileiro, recuou significativos 22,8%, para 260 pontos-base, equivalentes a 2,6% ao ano sobre um título do Tesouro americano com prazo parecido. Esse percentual é comparável ao do cenário otimista do início deste ano. Um movimento análogo, significativo apesar de menos perceptível, ocorreu no mercado de juros futuros. A taxa dos contratos com vencimento em dezembro negociados na B3 recuou de 6,67% ao ano para 6,43% ao ano, abaixo da meta de 6,5% da taxa referencial Selic. “O mercado, aparentemente, comprou a ideia de que o candidato Bolsonaro vai levar adiante uma pauta liberal”, diz o economista Alexandre Schwartzman, ex-diretor do Banco Central (BC). “A mudança nos preços sugere que as pessoas estão acreditando nisso.”

Glauco Humai, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers: “Nosso setor representa 2,7% do PIB e a expectativa de crescimento de 5,5% nas vendas em 2018 deve contribuir para o aquecimento da economia”

ECONOMIA REAL O mercado financeiro é dado ao imprevisível – e seus movimentos devem ser analisados com ceticismo. No entanto, a mudança de ânimo é confirmada pelos números da economia real. O principal deles é a criação de empregos. Na terça-feira 23, o Ministério do Trabalho divulgou a abertura de 137,3 mil novas vagas com carteira assinada em setembro. Foi o melhor resultado mensal desde fevereiro de 2014 e o mês de setembro mais positivo desde 2013. Indicadores de confiança mostram, igualmente, expectativas melhores. Na quinta-feira 25, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) divulgou o Índice Nacional de Confiança (INC) de outubro, mostrando 82 pontos, a maior marca desde julho de 2015, com alta de quatro pontos sobre o resultado de setembro. A pesquisa foi feita em todas as regiões brasileiras entre os dias 8 e 14 de outubro, após a divulgação dos resultados do primeiro turno das eleições. “Passado o primeiro turno, o pessimismo do consumidor diminuiu. Após os resultados do segundo turno, a confiança deve subir mais, na esteira de um clima de otimismo porque historicamente é o que acontece em ano eleitoral”, disse Alencar Burti, presidente da ACSP, em um comunicado.

Pregão em Nova York: prognósticos de vitória de Jair Bolsonaro fizeram dólar, juros e
risco-país caírem, e valorizaram o Índice Bovespa em 11%

Burti não é o único representante do varejo a se animar. Na segunda-feira 22, a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) divulgou um manifesto conclamando o próximo ocupante da sala do terceiro andar no Palácio do Planalto a reduzir o aparelhamento, o tamanho e o peso do Estado, a estimular a livre iniciativa e a reduzir os impostos. “Isso é essencial para garantir uma retomada do crescimento econômico”, diz Glauco Humai, presidente da associação. Cientista político de formação, Humai diz acreditar que em janeiro o cenário estará mais favorável à retomada dos investimentos. Isso deve propiciar bons números para o setor de shoppings. Mais resilientes do que os pequenos varejistas, os 571 shopping centers em operação no País movimentaram R$ 170 bilhões em 2017, cifra que deve crescer até 5,5% neste ano. “O nosso setor representa 2,7% do PIB, e esse desempenho puxa o crescimento da economia para cima”, afirma.

Robson Andrade, presidente da CNI: “A redução unilateral das tarifas de importação na indústria pode destruir o que existe aqui”

A recuperação do varejo é importante, mas insuficiente para sustentar o crescimento econômico no longo prazo. Para isso, é preciso injetar capital na infraestrutura. A conta é salgada. Cálculos de 2013 estimavam as necessidades de investimento em
US$ 500 bilhões, apenas para recuperar o desgaste das últimas décadas. Agora, poucos dias antes do segundo turno, quem conhece o setor percebe um interesse renovado, conforme avalia Tito Amaral de Andrade, sócio do escritório de advocacia Machado Meyer. Segundo o advogado, confirmadas as pesquisas, será possível ver negócios fechados ainda neste ano. “Os setores que despertam mais interesse são os aeroportos, as ferrovias e o setor elétrico”, diz. “Apesar das dificuldades, o Brasil continua um mercado interessante para ser explorado, e um governo eleito com legitimidade poderia atrair muitos investimentos.” Andrade não se arrisca a prever um número. No entanto, quem conversa com banqueiros de investimento avalia que os combalidos aeroportos, rodovias, ferrovias e portos nacionais podem receber uma injeção de US$ 100 bilhões nos dois primeiros anos do próximo governo.

Tito Andrade, sócio do escritório de advocacia Machado Meyer: “Apesar das dificuldades, o Brasil continua um mercado interessante para ser explorado, e um governo eleito com legitimidade poderia atrair muitos investimentos em infraestrutura.”

Interesse não falta. “O Brasil tem recebido menos investimentos do que poderia nos últimos três anos, mas uma renovação da confiança poderia mudar isso rapidamente”, diz o gestor de recursos Diego Stark, diretor do escritório brasileiro da administradora de fundos de private equity Southern Cross. Com US$ 3 bilhões em recursos dedicados a infraestrutura e a empresas de capital fechado, a gestora tem um capital razoável (mas não divulgado) investido por aqui. Essa cifra, porém, não cresce desde a crise de 2015. Agora, diz Stark, o País voltou a entrar no radar da gestora de recursos. “Há muito a ser feito e há muitos investidores dispostos a fazer, é só garantir segurança jurídica e reduzir a burocracia.”

Claro que nem todos os pontos do programa econômico proposto pelo candidato do PSL são imunes a críticas e, tampouco, sua aprovação será simples (observe o quadro ao final da reportagem). Os líderes da indústria, por exemplo, são menos entusiastas do que os profissionais do mercado financeiro. Segundo Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), duas das propostas do grupo próximo a Bolsonaro, a redução unilateral das tarifas de importação e a absorção do Ministério da Indústria e Comércio pela pasta da Fazenda são danosas ao setor. “A redução unilateral das tarifas pode destruir o que existe aqui”, disse ele ao Valor Econômico. E a própria condução das reformas não deverá ser simples. “A vitória do candidato não significa que a sociedade brasileira tornou-se mais favorável a uma proposta econômica liberalizante”, diz Alexandre Schwartzman. “Negociar e aprovar tudo isso com o Congresso pode causar turbulência e ruído.”

Alexandre Schwartzman, economista e ex-diretor do Banco Central: “O mercado, aparentemente, comprou a ideia de que o candidato Bolsonaro vai levar adiante uma pauta liberal, mas isso não significa que a sociedade brasileira tornou-se mais favorável a uma proposta econômica liberalizante.”

Mesmo assim, pelo menos até a posse do próximo presidente, a se confirmarem os prognósticos, haverá espaço para novas altas. Os gestores de ações estão convictos de que ainda há espaço para novas altas das ações, apesar da valorização de 11% das últimas semanas. Um otimista de carteirinha é Rafael Bevilacqua, CEO da empresa de análise independente Levante. Ele foi um dos primeiros, ainda em julho, a cravar uma vitória de Bolsonaro nas eleições. “Comparei a situação do Brasil com a de outras situações, como o Brexit e a eleição de Donald Trump, e vi diversas coincidências”, diz ele. “O levantamento das intenções de voto não captava a insatisfação do eleitorado com o governo do PT e para mim era claro que o desempenho eleitoral do candidato do PSL seria muito melhor do que as pesquisas indicavam”, diz.

Ao divulgar sua análise, Bevilacqua não foi exatamente aplaudido. “Me criticaram de todos os lados, alguns amigos até brigaram comigo”, diz ele. Agora, o especialista diz acreditar que ainda há muito espaço para a alta das ações. O pregão da B3 não ficou alheio a isso. Ainda neste ano devem ocorrer duas aberturas de capital, a do banco BMG e a da empresa de tecnologia Tivit, e uma venda subsequente de ações da companhia elétrica Light, movimentando pelo menos R$ 4,1 bilhões. No primeiro semestre, três aberturas de capital movimentaram R$ 6,75 milhões. Somados, os resultados não fazem feio perto dos R$ 14 bilhões captados em 2017 (leia mais aqui). Um forte indicador de que, amigável ou nem tanto, o divórcio entre a economia e a proposta econômica estatizante e intervencionista do PT está inapelavelmente consumado.