Surgiu como uma bomba, logo negada, mas serviu ao intento do fabricante e dos demais produtores locais da Zona Franca de Manaus. Contra o decreto presidencial que muda bruscamente o regime tributário de compensações fiscais naquela plataforma, a gigante Coca-Cola teria dito que abandonaria o País. Reportagem da Folha de S. Paulo trazia a ameaça e colocava em polvorosa as autoridades. A empresa que produz na região o concentrado de refrigerante perdeu o incentivo após a greve dos caminhoneiros e ameaçava lacrar as portas, passando a produzir seu xarope – que atende a 36 fábricas instaladas em todo território nacional – por outras bandas.

Corre-corre daqui e de lá, logo a Companhia tratou de colocar panos quentes no assunto. Informou em nota que os valores e práticas da empresa incluem diálogo e transparência. Voltou à mesa de negociação e partiu à diplomacia. Não deixou de espetar o recado do peso da estrutura em jogo: somente na Zona Franca são 31 indústrias de concentrados, que recolhem mais de R$ 10 bilhões em tributos e empregam, direta ou indiretamente, cerca de 1,6 milhão de brasileiros. Com esses números, a faca no pescoço do Governo está (de uma maneira ou de outra) posta.

Independentemente de qual seja o desfecho dessa querela, a discussão de fundo que circunda o tema é a necessidade ou não de o Brasil perseverar em um modelo de benefícios e incentivos à determinada região em detrimento das demais. Não há dúvida que o projeto de abertura aduaneira à beira do Amazonas surtiu efeito e desenvolvimento local consistente ao longo de mais de 50 anos. A questão agora é se esse modelo deve, ou pode, ser revisto. O problema da Zona Franca, em que pese a sua expansão, reside em ser um lugar longe dos grandes centros consumidores do País. A volta, ou passeio, que as mercadorias têm que dar para chegar até os pontos de vendas é por demais custoso e com logística de escoamento em geral precária. Mesmo os incentivos não suficientes para cobrir os gastos dessa triangulação.

Essencialmente, é uma questão de política de Estado. Manter o projeto, mesmo sem retorno, para fixar a população em localidades extremas ou desistir do assistencialismo empresarial correndo o risco de perder boa parte dos produtores para outros mercados. Evidentemente que o risco colocado no radar pela Coca-Cola pode se alastrar rapidamente se as medidas que reduzem as vantagens da Zona Franca vingarem. Por enquanto, um único decreto presidencial muda a forma de acúmulo de créditos de impostos federais para o setor de bebidas. Mas outras áreas de atividade temem serem impactadas por decisão semelhante. Se isso ocorrer, a debandada ganha curso. Todo cuidado é pouco nesse sentido. Até por que, as vantagens que o Tesouro vai angariar mudando as regras do jogo “não é essa coca-cola toda”.

(Nota publicada na Edição 1084 da Revista Dinheiro)