O desenvolvimento tecnológico e a digitalização do ambiente produtivo estão evoluindo rapidamente, seguindo a esteira do barateamento dos chips e da conectividade. Observou-se em anos recentes, uma mudança de paradigma das antigamente chamadas “nações industrializadas” para a economia baseada em serviços. Hoje, os mais desenvolvidos se movem rapidamente para a economia digital – e, no futuro próximo, potencialmente para a “economia única”, onde os dados e sua interpretação em tempo real, acelerada pela Inteligência Artificial, movimentam as engrenagens de todas as atividades econômicas e, quem sabe, até das relações sociais.

Governos, sociedade e empreendedores buscam ativamente, com graus variados de sucesso é verdade, formas de se apropriar das enormes oportunidades da digitalização. A pensar como os países com infraestrutura menos eficiente e baixa disponibilidade de mão-de-obra tecnicamente capaz, podem contornar as ameaças potenciais de derretimento de empregos de baixa qualificação…

A produção de alimentos por meio da agricultura, da pecuária e da pesca depende essencialmente dos recursos naturais, sob pressão há décadas pela expansão da mancha urbana das cidades, pelo aumento da demanda por água, do recente, mas importante movimento de urbanização da população e do desenvolvimento urbano das zonas costeiras, somente para citar alguns fatores.

Apesar dos desafios de base, o Brasil vem se consolidando como importante produtor de commodities agrícolas. Há mais de 8 milhões de pessoas atuando no campo, produzindo soja, café, açúcar, carnes e leite, celulose, citros, milho, algodão, fumo, hortaliças e frutas. Somente os sistemas de produção agropecuária representam cerca de 20% do PIB, mais de 44% das exportações e 1 em cada 6 empregos do país estão ligados diretamente à produção agropecuária. Somos o 3º maior exportador mundial, alcançando mais de 200 países.

Nossos ativos oferecidos pela Natureza (extensão e qualidade da terra, clima moderado) não são suporte suficiente para manter nossa competitividade… O uso extensivo e cuidadoso da tecnologia aliado à produção de conhecimento científico são os fundamentos da produtividade e da nossa manutenção na arena internacional, cada vez mais exigente por qualidade dos produtos, mas sobretudo pela forma como são cultivados e processados.

Tome-se como exemplo desse movimento a demanda por tecnologia de produção agrícola de baixo carbono – dados do Ministério da Agricultura de 2020 indicam que a área agrícola financiada pelo programa de crédito da Agricultura de Baixa Emissão de Carbono superou 750 mil hectares.

Uma parte expressiva e importante da tecnologia empregada no campo (tratores, insumos, medicamentos) pode ser comprada de outros países e com pequenos ajustes serve bem aos nossos propósitos. Esse não é o caso, no entanto, da pesquisa de base biológica, que torna possível, por exemplo, a produção no semiárido nordestino e a integração da lavoura com a pecuária e a floresta.

A produção de ciência local é necessária quando se observa o aparecimento de questões não dedutíveis pelo campo majoritário da ciência, conduzido a partir de laboratórios muito distantes da nossa realidade. Detectada uma anomalia no padrão que era esperado pela base científica corrente, começa a busca por explicações teóricas adequadas às condições locais – quando obtêm sucesso, dão origem a novas interpretações da realidade e estabelecem um novo paradigma científico, esse localizado e apropriado para as nossas condições de contorno. As principais regiões de produção agrícola do mundo são de clima temperado, atípico no nosso país. O Brasil é líder mundial em agricultura tropical, não por outra razão a não ser graças à pesquisa local, majoritariamente de origem pública.

É parte fundamental da missão das instituições públicas de pesquisa proporcionar resultados para a sociedade que servem. A pesquisa agropecuária tem como objetivo o desenvolvimento de novos produtos ou processos que visam reduzir custos, aumentar a produtividade da terra e a qualidade da produção, assim como combater pragas e doenças, e fazer frente à demanda social de integração com o meio ambiente natural.

Há milhares de cientistas empenhados em dezenas de laboratórios pelo Brasil, com destaque para a Embrapa e seu orçamento multibilionário (em 2022 são mais de R$3b de verbas federais para investimento em pesquisa e inovação agropecuária) e para a APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), que conta com mais de 480 pesquisadores e pesquisadoras nas diversas áreas das ciências agrárias e biológicas.

Aumento da produção por meio da maximização do rendimento dos insumos e não da expansão da área cultivada, desenvolvimento de sementes e mudas, tropicalização de fertilizantes, tecnologia de armazenagem e transporte, são somente algumas das linhas de pesquisa que animam nossas pesquisas desde dentro da porteira, mas também para muito além das fronteiras da fazenda. A FAPESP estima que cada real investido em pesquisa agropecuária no Estado de São Paulo traga retorno para o país de 12 a 20 reais!

Embrapa, APTA e muitas outras instituições de pesquisa públicas e privadas apoiaram o país a fazer coisas incríveis, tais como:

  • Diminuição de 40% no custo da cesta básica, no período de 1975 a 2020, segundo dados do Dieese,
  • Desenvolvimento, pela Embrapa, de novas variedades de uva, com destaque para aquelas que são cultivadas na região do Vale do São Francisco, no semiárido de Pernambuco, onde se colhe uva o ano todo,
  • Eliminação da variação de preços decorrente da entressafra, pelo desenvolvimento de novas cultivares ou tecnologias de produção que permitiram a expansão do período de plantio, disponibilizando o ano todo,
  • No período 2018-2021 somente a APTA produziu 59 tecnologias e sua adoção pelo setor produtivo resultou em R$20 bilhões de retorno social, segundo o Relatório de Impacto Social da Agência,
  • Pesquisadores da Esalq/USP desenvolveram um modelo matemático (publicado na prestigiosa revista Nature Sutainability) por meio do qual determinam o quanto é possível ampliar o rendimento da produção de soja na região Amazônica, contribuindo para preservação da mata nativa, que permanece de pé.

O desenvolvimento e incorporação de inovações de base tecnológica em todas as fases da cadeia produtiva facilitam a gestão conectada e movida a dados e potencializam a rentabilidade. Há muitos desafios para a pesquisa de ponta no nosso país, mas não há possibilidade de mantermos nossa competitividade sem apoiar a pesquisa e os pesquisadores, respeitar os tempos próprios do processo (uma variedade de cana nova leva 15 anos!) e celebrar suas vitórias.

Nosso país tem seu próprio universo de desafios, razão de nosso incentivo em enfrentá-los: a agricultura familiar, que responde por 70% da produção de alimentos no país, segue com pouco acesso aos avanços da pesquisa, acesso restrito e caro ao crédito e tipicamente é operada por trabalhadores e trabalhadoras de baixa qualificação formal, a despeito do saber-fazer histórico.

No agronegócio, assim como em todas as atividades socialmente relevantes, há pouco espaço para a competição em alto nível para aqueles que não se apressarem a cultivar o futuro.

Colaborou com essa coluna Sérgio Tutui, Coordenador da APTA

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Referência: STOKES, D. E. O quadrante de Pasteur: a ciência básica e a inovação tecnológica. Campinas: UNICAMP, 2005.