Ninguém se entende mais dentro do poder central e o clima de animosidade vai aumentando à medida que os sinais de crise financeira vão ficando evidentes, confirmando o antigo provérbio do “em casa que falta pão, todo mundo tem razão”. A explosão desproporcional de Paulo Guedes, dias atrás, contra a Febraban e seu arquirrival, Rogério Marinho – alegando que a entidade era uma “casa de lobby” que financiava ministro “furador de teto” – deu o tom da desordem e da falta de articulação em Brasília. Mas não ficou só aí. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ensaiou uma briga com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, vazando um diálogo que enfureceu o congressista. O vice-presidente, Hamilton Mourão, classificou o apoio do chefe Bolsonaro ao republicano Donald Trump como uma “bobagem”, “mera opinião pessoal”, e ainda garantiu que o governo iria comprar a vacina chinesa, sobre a qual o capitão se mostrava contra. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, partiu, por esses dias, a desancar generais do primeiro escalão, enquanto o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, passou a pregar uma mudança constitucional, ideia sobre a qual os próprios ministros se mostraram refratários. Exatamente nesse momento, a gestão federal está mesmo sem rumo ou entendimento mínimo entre seus integrantes. Tudo tem a ver com um certo esgotamento generalizado da paciência com as indefinições do ocupante da cadeira do Planalto. Fofoca e inépcia gerencial passaram a predominar e, nesse desvario, não há Brasil que se recupere da calamidade econômica.
Deputados e senadores da base governista, preocupados com a evolução dos impasses, querem que o governo comece a arbitrar uma espécie de entendimento político entre seus principais colaboradores. Apontam que a situação já levou ao bloqueio dos trabalhos em áreas-chave como a da Comissão Mista de Orçamento (CMO). Ali, ninguém mais sabe o que aprovar ou o que vetar para o bom funcionamento da esfera federal em 2021. Alguns dizem que não será possível entregar um orçamento consolidado antes de abril, algo impensável para a gestão dos compromissos que começam a vencer logo nos primeiros meses. O fato é que, até para o padrão de balbúrdia e inoperância registrado nessa gestão, os conflitos intestinos passaram da conta. Em meio ao desencontro de informações, e entre idas e vindas, pegou muito mal a proposta de incluir as Unidades Básicas de Saúde (UBS) no programa de concessões e privatização. O decreto em si já apresentava uma série de falhas, como não assinalar, por exemplo, o tipo de rentabilidade possível nessas unidades. Seria, por assim dizer, trabalho de caridade da iniciativa privada? O barulho foi tanto que o texto teve de ser revogado. Objetivamente, existem no momento mais de 4 mil UBS e 168 Unidades de Pronto Atendimento (UPA) inacabadas. Faltam recursos para concluí-las, para aquisição de equipamentos e até para a contratação de pessoal. O governo tenta transferir o abacaxi para à rede privada, mas se esquece que esse tipo de programa, de cunho eminentemente social, é dever do Estado. Para entornar de vez o caldo nessa “Casa da Mãe Joana” brasiliense, os sinais recentes de estresse no mercado de títulos públicos refletiram, de maneira inequívoca, o crescimento da incerteza sobre a sustentabilidade fiscal do País. Bolsonaro flerta com a paralisia do Estado a partir de sua política errática, dando demonstrações de imobilismo, apenas preocupado com 2022. O difícil processo de ajuste, que agora não conta sequer com a discussão de uma reforma tributária – muito menos administrativa –, vai ficando em segundo plano. Nas estatísticas, os números não estão nada favoráveis. O desemprego atingiu 14,4% em franca aceleração, câmbio, inflação e debandada de capital estrangeiro seguem em alta, reforçando o cenário para uma tempestade perfeita. O próprio deputado Rodrigo Maia não esconde mais suas frustrações e veio a público, dias atrás, para dizer que “estamos caminhando a passos largos para o precipício”.

Carlos José Marques, diretor editorial