Seja pela fortuna que construiu nas últimas décadas, seja pelo estilo de gestão que impõe em suas empresas ou os ensinamentos que transmite mundo afora, o empresário Jorge Paulo Lemann se tornou um dos maiores gurus brasileiros do universo corporativo. Talvez o maior deles. Aos 80 anos e dono de um patrimônio pessoal avaliado em mais de R$ 100 bilhões, o sócio do grupo 3G é acionista da cervejaria AB InBev, do Burger King e da Kraft Heinz. No domingo (7), Lemann participou de uma live fechada para grandes empresários, como Jorge Gerdau, Luiz Carlos Trabuco e Chaim Zaher, entre muitos outros, e personalidades do mundo político, como o ex-presidente Michel Temer (de que cujo governo o empresário disse sentir saudades) e o ex-ministro Sergio Moro. Lemann destacou a importância de se investir mais na educação, admitiu erros na condução da companhia, analisou o atual momento do País e deu sua percepção sobre os rumos da nação. Para ele, não existe caminho alternativo para o futuro do País senão pela educação.

PANDEMIA O empresário demonstrou otimismo na retomada dos negócios da companhia depois de superada a crise sanitária causada pela Covid-19. “Depois da pandemia, que nos freou, vamos voltar a crescer”, afirmou. O empresário, no entanto, não associou as dificuldades da AB InBev nos últimos anos à pandemia. “Tivemos dificuldade também porque todo o pessoal que tínhamos treinado, que eram ótimos para nosso sistema antigo de administração, na realidade não eram pessoas acostumadas a acompanhar o que o consumidor quer, saber se ajustar”, afirmou. Parte dos problemas, na avaliação dele, surgiu da dificuldade dos executivos em se digitalizar e prontos para virar a chave. “Tínhamos uma boa máquina de inovação e pessoas adeptas ao mundo digital. Ficamos muito confortáveis na situação em que estávamos.”

Em paralelo às iniciativas internas, Lemann tem ajudado a financiar a vacinação. Em parceria com outras empresas, sua fundação vai investir mais de R$ 100 milhões em uma fábrica no Brasil para produzir a potencial vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e pela farmacêutica AstraZeneca. A fábrica será doada para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A vacina de Oxford com a AstraZeneca está sendo testada em voluntários brasileiros, num estudo liderado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e que conta com financiamento da Fundação Lemann.

A expectativa é que a fábrica da vacina, que está na Fase 3 de testes em humanos, a última antes do registro, esteja pronta até a segunda metade deste ano e a capacidade de produção deverá ser de 30 milhões de doses por mês. Parte do grupo também está apoiando a construção de uma fábrica similar no Instituto Butantan.

EDUCAÇÃO O assunto preferido de Jorge Paulo Lemann é, obviamente, o tema mais destacado em suas falas e foco de suas iniciativas no campo da filantropia. Através da Fundação Lemann, mais de 1,5 mil bolsas de estudo foram distribuídas nos últimos dez anos. “A solução para o Brasil é ter mais gente boa, gente preparada, gente querendo melhorar o Brasil, tendo um espírito público. E, se possível, trabalhando junto para isso acontecer”, afirmou o empresário. “A economia se conserta, mas se não educar as pessoas não seremos competitivos em termos mundiais.”

O homem mais rico do Brasil defende o modelo de educação de Sobral, cidade do interior do Ceará, como referência a ser adotada em todo o País. Na avaliação dele, o sistema precisa ser replicado para que os indicadores de qualidade de ensino atinjam patamares aceitáveis. Lemann recrutou o ex-prefeito de Sobral, Veveu Arruda (PT), para montar um projeto em outras 50 cidades brasileiras com menos de 200 mil habitantes. A ideia é levar para outras 250 cidades nos próximos três anos. “Quando vejo o esforço pela educação em lugares como China e Singapura, percebo como o Brasil está defasado nisso. Basta olhar para lá e ver os resultados, com indicadores até melhores do que Estados Unidos”, disse Lemann. “É possível que o Brasil nunca vire uma Singapura, mas já seria ótimo virar uma grande Sobral”, projeta.

MEA-CULPA A prosperidade empresarial de Lemann e a força do grupo que ajuda a comandar sugerem que nos negócios seus tiros são certeiros. Mas o bilionário afirma que essa percepção é equivocada. “Todo mundo acha que tudo é sempre muito bom, que as coisas sempre funcionam, mas não é bem assim. Temos que estar sempre nos adaptando”, disse.

A mea-culpa de Lemann se justifica erro, segundo ele, na aquisição da segunda maior cervejaria do mundo, a sul-africana SABMiller, incorporada pela AB InBev por US$ 103 bilhões em 2016. “Estávamos muito confiantes e nos achávamos os reis da cocada, mas a verdade é que pagamos muito caro e perdemos o foco”, admitiu Lemann. “Desde então, as coisas não funcionaram tão bem. Nosso valor de mercado caiu de US$ 200 bilhões para US$ 140 bilhões e vimos que tocar negócios na África é enrolado, não é como nos Estados Unidos ou na América Latina.”

POLÍTICA Sem citar o nome do presidente Jair Bolsonaro ou de qualquer integrante do time governista, Lemann afirmou que o Brasil precisa de política fiscal clara e baixar os números da Covid-19 para atrair investimentos. “Precisamos ser ortodoxos e tratar bem os estrangeiros.”

De sua casa na Suíça, ele mostrou desconforto com a situação política brasileira, principalmente sobre a falta de avanço nas reformas econômicas, como a tributária e a administrativa. “Não sabemos direito para que lado vai o Congresso, agora”, afirmou, ao se referir à troca de presidência na Câmara e no Senado, com Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente. “Acho difícil termos tempo (para a agenda). Acho difícil fazerem as coisas que precisam ser feitas como a reforma tributária e as outras reformas que se fala há tanto tempo”, disse ele.

Na visão de Lemann, a paralisação de reformas é um dos fatores que deixam os investidores internacionais “pé atrás”. “Hoje, há muita liquidez. A economia anda mal e as bolsas não param de subir. Mas o Brasil não tem performado bem. A legislação não é constante, a regra muda toda hora.” O ex-presidente Michel Temer participou da live e elogiou a atuação de Lemann dentro do empresariado brasileiro, que retribuiu o enaltecimento. “Saudades do seu governo. As coisas funcionavam naquela época”, disse Lemann.

EUA Questionado por Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do conselho de administração do Bradesco, o cenário internacional pós-eleições nos Estados Unidos, Lemann disse que o presidente Joe Biden tem um “problemaço”, já que terá de administrar um país em que teve 70 milhões de pessoas votando contra ele. “Ele é jeitoso, cuidadoso e diplomático, mas não vai ser fácil”, afirmou.

Lemann disse que a “guerra-fria” entre Estados Unidos e China é um nó que precisa ser desatado. “O Xi (Xi Jinping) é um osso duro. Mas é uma briga boba porque um depende do outro. Os chineses precisam vender nos EUA e os americanos precisam de um lugar para produzir seus produtos. Espero que eles, com conversas, encontrem soluções pragmáticas para suas questões.”

OTIMISMO Apesar dos grandes desafios no ambiente de negócios, Lemann se diz otimista com o futuro do Brasil e das empresas. Para ele, o Brasil é cheio de oportunidades, só não está numa boa fase. “Tudo o que você olha dá para melhorar, fazer melhor”, disse. “É só consertar um pouquinho, ser mais ortodoxo, tratar bem os estrangeiros que tem muito, muito dinheiro”, disse o empresário.

LIÇÕES DE UM BILIONÁRIO

“A solução para o Brasil é ter mais gente boa, gente preparada, gente querendo melhorar o Brasil, tendo um espírito público. E, se possível, trabalhando junto para isso acontecer”

“Sem educação, não haverá estabilidade social e não vai ter gente para tocar os projetos que o Brasil precisa para atingir sua plenitude”

“A economia se conserta, mas se não educar as pessoas não seremos competitivos em termos mundiais”

“O Brasil não está em suas melhores épocas em termos de sentimento internacional”

“Gostaria que houvesse mais diálogo entre os participantes do nosso destino. Sou a favor do diálogo, mas tem gente que acha que consegue só fazer as coisas batendo, prejudicando e espalhando fake news”

“Precisamos de mais gente moderna nas empresas. As pessoas precisam ser melhoradas ou substituídas”

“A pandemia trouxe muitos problemas, mas também trouxe benefícios”

“O consumidor está cada vez mais consciente de que as empresas precisam ter projetos sociais que beneficiem a todos”

Suamy Beydou / Mateus Bonomi