Uma possibilidade inédita de reforçar o combate à corrupção no País ficou perdida no coruscante noticiário da última semana. Enquanto a Câmara dos Deputados rejeitava a volta do voto impresso, o Senado revogava a Lei de Segurança Nacional e um vergonhoso desfile de blindados saudava Bolsonaro em Brasília, pouca gente deu atenção ao que prevê o Decreto 10.756. Ele instituiu o Sistema de Integridade Pública do Poder Executivo Federal (Sipef). Trata-se de um conjunto de medidas com poder de prevenir, detectar e punir irregularidades em órgãos da administração pública federal direta, incluindo as autarquias e fundações.

O pouco divulgado decreto sinaliza um avanço não só no combate à corrupção mas também a fraudes e a desvios éticos e de conduta. O passo inicial para que isso ocorra foi dado na segunda-feira (9), prazo para que cada órgão público federal abrangido pelo decreto definisse sua Unidade de Gestão de Integridade. Essas unidades serão responsáveis por fazer a gestão do sistema junto à Controladoria Geral da União (CGU).

O Sipef faz parte do Plano Anticorrupção lançado em dezembro de 2020. Ele criou novos mecanismos para responsabilizar funcionários do Executivo por atos de corrupção. Na teoria, é uma ótima notícia. Mas pode ser um problemão na prática. Isso porque, até o final de 2022, a CGU precisará avaliar nada menos que 186 programas de integridade de órgãos federais. O problema é que cada um desses órgãos terá de incluir em suas rotinas administrativas as boas práticas que constam de uma plataforma digital criada para essa finalidade. É o “Painel de Recomendações Internacionais”, que recebeu 280 sugestões de entidades como a Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio da Convenção Interamericana contra a Corrupção, a ONU e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Presidente do Conselho da GOVBR, empresa que desde 1994 desenvolve soluções de governança para a gestão pública, Roberto Coelho afirmou que a série de procedimentos a serem cumpridos “é uma forma de pressão sobre os órgãos federais” e algo “positivo para a administração pública e para o País de modo geral”. Segundo ele, “promover uma cultura de integridade no serviço público é requisito para levar o país a ter governança”. Além disso, ao conhecer — e controlar — as contas públicas, o Brasil pode avançar na direção de ser aceito como membro efetivo da OCDE.

Em maio de 2017, ainda na gestão Michel Temer, o governo brasileiro expressou o interesse formal em ingressar na Organização. Desde então, não faltaram esforços para se adequar aos padrões da entidade. Os impedimentos para a efetivação derivam, em grande parte, da falta de transparência e de responsabilidade, a chamda accountability, dos órgãos públicos. Outros empecilhos, infelizmente, estão fora da agenda do atual governo. Eles se referem aos desafios na área ambiental (como ações de combate ao desmatamento e às queimadas) e da Educação. Neste caso, o que a OCDE exige é a melhora da performance do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Realizado a cada três anos com estudantes de 15 anos, o Pisa mede os níveis de aprendizado em matemática, ciência e leitura de 79 países. A colocação brasileira em 2018, quando ocorreu a última avaliação, foi a seguinte: 58ª posição em leitura, 67ª em ciências e 71ª em matemática. Melhorar essas notas é imperativo para que tenhamos um futuro melhor, mesmo que nem assim a OCDE nos aceite.

Entrar para o clube restrito a 37 países pode parecer pouco diante do conjunto de benefícios decorrentes de avanços no ensino, da preservação do meio ambiente e da adoção de boas práticas anticorrupção. Mas o Brasil tem muito a ganhar com o status de membro da Organização. Entre as vantagens estão a maior atração de investimentos internacionais, o poder de influenciar a geopolítica mundial e a oportunidade de discutir melhores políticas públicas em um contexto multilateral. Tudo isso colocaria o Brasil em outro patamar no cenário global. Como o governo não mostrou ser capaz de melhorar a Educação ou reduzir o desmatamento, cabe ao Sipef fazer com que gestores públicos não se corrompam. Vamos aguardar.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO