O mundo já temeu Donald Trump e seus apoiadores. A ameaça que ele representava à democracia felizmente passou. Não de forma suave, convém lembrar. No dia 6 de janeiro deste ano, data em que os parlamentares norte-americanos iriam confirmar a vitória de Joe Biden como presidente eleito dos EUA, Trump conclamou seus seguidores a uma insurreição. Usando falsas alegações de fraude eleitoral, ele incitou seus partidários a invadir o prédio do Capitólio, sede do Legislativo. Houve violência. Mas a democracia venceu.

Agora, o mundo teme Bolsonaro. Essa é a constatação da carta assinada por 165 líderes de 26 países (incluindo ex-presidentes e intelectuais como Noam Chomsky) divulgada na segunda-feira (6). Eles soaram o alarme sobre o que pode decorrer das manifestações convocadas pelo presidente brasileiro a data em que se comemora a Proclamação da Independência. A carta conjunta mostra a preocupação com o futuro do Brasil e da região. “Neste momento, o Presidente Jair Bolsonaro e seus aliados — incluindo grupos supremacistas brancos, a polícia militar e funcionários públicos em todos os níveis de governo — estão preparando uma marcha nacional contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso em 7 de setembro, aumentando os temores de um golpe de Estado na terceira maior democracia do mundo”, afirma o documento de alerta. “Estamos profundamente preocupados com a ameaça iminente às instituições democráticas do Brasil — e estaremos vigilantes em defendê-las antes e depois de 7 de Setembro”.

A preocupação mundial é legítima. Bolsonaro e seus seguidores se tornam mais avessos à democracia e à Constituição conforme fica evidente que seu governo não fez nada para melhorar a vida dos brasileiros – além de pagar o auxílio emergencial – e menos ainda para combater a corrupção. Investigações sobre ilícitos como as “rachadinhas” praticadas pela família Bolsonaro avançam. As pesquisas eleitorais mostram a derrota do presidente para qualquer adversário num eventual segundo turno em 2022. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem decretado prisões de apoiadores e intensificado o inquérito sobre fake news que pode envolver diretamente o presidente.

E qual a resposta do governo a tudo isso? Uma medida provisória (MP) para blindar bolsonaristas que disseminam fake news, já apelidada de “Lei Trump”. O ex-presidente dos EUA foi banido do Twitter ao conclamar apoiadores à invasão do Capitólio. Com a MP publicada na segunda-feira (6), o governo altera o Marco Legal da Internet, em vigor desde 2014, proibindo os provedores de redes sociais de moderar conteúdos “que impliquem em censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa”. Em outras palavras, impede empresas como Twitter e Facebook de remover fake news, sob ameaça de multa de até 10% do faturamento da empresa.

Nas últimas semanas, paralelamente à intensificação do discurso golpista, surgiram apelos de pacificação por parte de lideranças empresariais, economistas, banqueiros, produtores rurais e do próprio STF. Agora, a todas essas forças se juntam políticos de 26 nações. Em 1977, ainda sob a ditadura, a primeira “Carta aos Brasileiros” foi assinada por intelectuais e juristas e lançada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para enfrentar o regime de exceção. Ela teve papel importante para a abertura democrática que seria implantada nos anos seguintes. Em 2002, com sua “Carta ao povo brasileiro”, Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato à presidência, garantiu que caso vencesse as eleições respeitaria contratos nacionais e internacionais. A carta acalmou o mercado e ajudou a eleger Lula.

Para quem recomenda que a população compre fuzis em vez de feijão e conclame todos a desrespeitar a Constituição, uma carta pode não fazer diferença. Mas é importante que todos saibam o que está em jogo nas ameaças de Bolsonaro. Se 26 países enxergam risco à democracia brasileira deve haver algo errado com ela.