O mercado financeiro evoluiu muito nos últimos anos, com a multiplicação das fintechs por todos os lados. Mas em 2020, a pandemia acrescentou um novo ingrediente que ajudou a fermentar ainda mais esse bolo, acelerando a digitalização da economia em todo o mundo. E em todos os segmentos. O resultado não poderia ser outro. Uma disputa brutal por talentos na área de tecnologia. E não se restringe apenas a bancos e startups, mas chega também a empresas de varejo e serviços. Levantamento recente feito pela empresa de recrutamento Revelo mostra que hoje há duas vagas e meia disponíveis para cada profissional de tecnologia no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. Só nos primeiros sete meses de 2021 as contratações para carreiras digitais já representam 95,6% do total de admissões de 2019, ano anterior à pandemia. “Hoje fintech quer virar banco e banco quer virar fintech. Mas a demanda cresceu muito não apenas pela procura das instituições financeiras”, disse o cofundador da Revelo, Lucas Mendes.

O momento em que toda empresa será de tecnologia começa a ser déjà vu. Agora o que se assiste é ao momento em que toda empresa vai ser banco. Isso também ajuda a inflacionar os salários. Os ganhos nas carreiras de tecnologia subiram 55%, em média, desde setembro 2020. Assim, um salário que beirava os R$ 6 mil, em setembro de 2020, chegou fácil a R$ 9,3 mil, em fevereiro de 2021. Com todo o avanço digital, conseguir um bom profissional virou questão de sobrevivência para qualquer empresa. E a implantação do home office acabou por derrubar as barreiras geográficas, abrindo as portas para talentos de fora do eixo Rio-São Paulo. Profissionais do Norte, Nordeste e do Sul também entraram na jogada.

As barreiras internacionais também começaram a ruir e várias empresas sediadas em outros países entraram na disputa que já vinha aquecida internamente. Com isso, hoje o nome do jogo mudou. Para João Pedro Mano, cofundador da startup de contabilidade Accountfy, “vivemos um grande rouba montes”. Segundo o executivo, eles conseguiram contratar uma pessoa de Salvador e depois abriram o mercado baiano, com indicações dos contratados. “A grande vantagem é que, num time remoto, trabalhar entre amigos estimula muito o grupo”, disse Mano. O avanço acelerado acabou esbarrando na questão da capacitação. A formação de profissionais é muito menor do que a procura.

NOVAS IDEIAS Luana Castro, da Michael Page, diz que demanda por profissionais de tecnologia cresceu no RH e marketing. (Crédito:Rodrigo Rodrigues)

A saída foi baixar um pouco a régua e aceitar pessoal mesmo sem ter faculdade. Cursos técnicos também são bem-vindos no mercado e abrem possibilidade de contratações. Para atenuar esse gap, as próprias empresas estão investindo em capacitação das pessoas internamente. Escolas de programação se multiplicaram pelo mercado, um conceito muito desenvolvido nos Estados Unidos e que vem agora crescendo no Brasil. Em algumas delas, os alunos nem pagam, quem paga são as empresas.

Um impulso importante num país em que o número de desempregados chega a 14,8 milhões de pessoas. Segundo o fundador da Revelo, a urgência de formação era tanta que a empresa criou um programa de aceleração de carreira para candidatos, com treinamentos técnicos, e hoje esse é um dos produtos que mais cresce. “Chegamos a formar 30 a 40 pessoas por mês no programa Revelo Up, e hoje já estamos com 250”, afirmou. O volume de financiamento cresceu oito vezes, segundo Mendes. “As pessoas querem se qualificar e as empresas querem essas pessoas.” Por tanta procura, a empresa de recrutamento também virou capacitação dos seus candidatos, que passaram a conseguir vagas melhores.

Muitos deles, de acordo com Mendes, saíram de carreiras que não eram nem de tecnologia e começaram a investir no digital, ampliando a empregabilidade. E hoje, mais da metade dos que fazem esses cursos acaba encontrando emprego em até um mês, com salários muito maiores por causa da demanda da tecnologia. “As empresas pensam: ‘Se esperar mais eu posso pegar alguém melhor ou posso perder candidato?’ ” Para o executivo não se trata de uma bolha que pode estourar a qualquer minuto, mas sim uma realidade digital sem volta. “O que levaria cinco anos aconteceu em apenas um por causa da pandemia. O cenário só não foi pior por causa do trabalho remoto, que abriu as portas para candidatos de fora”, disse.

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“Hoje fintech quer virar banco e banco quer virar fintech, mas de fato a demanda cresceu para além das instituições financeiras” Lucas Mendes, Cofundador da Revelo.

MUDANÇA DE FOCO Com toda a revolução do mercado, o grande desafio ficou na mão da área de recursos humanos das empresas. Muitas precisaram administrar um enorme contingente de novos funcionários, todos espalhados por vários cantos do País e até do mundo. Além disso, mudou muito o conceito que as empresas tinham sobre a área de Tecnologia da Informação (TI). O que antes era só suporte passou a ser área vital, segundo a gerente sênior da divisão de tecnologia da Michael Page, Luana Castro. “Cresceu também a necessidade de pessoas que entendam de tecnologia no marketing, no RH e no financeiro, virando um requisito básico para qualquer profissional”, disse.

A empresa de consultoria vem fazendo estudos com a Fundação Dom Cabral para saber mais sobre a digitalização. “Hoje já vemos CEOs agora vindo da área de tecnologia, o que não acontecia antes. E a tendência é de que esses profissionais assumam cada vez mais cadeiras estratégicas.” A própria consultoria Michael Page cresceu por causa da tecnologia e hoje até mesmo o recrutamento se automatizou, com plataformas de testes on-line. “Temos profissionais mais especializados para contratar profissionais de TI”, afirmou Castro.

Mas não adianta só contratar. É preciso reter esses talentos conquistados. E benefícios também são necessários para manter essa relação, o que vai muito além de oferecer um bom plano de saúde ou vale alimentação. Há diferenciais essenciais que entram nessa fatura, como planejamento de carreira, parcerias com academias de ginástica e incentivo para novas capacitações. E, é claro, precisa fazer sentido. Ter propósito na vida das pessoas, dizem de forma unânime todos os analistas.