Todo conselheiro financeiro, ao dar dicas de boas práticas para famílias, bate na mesma tecla: não conte com uma entrada de dinheiro que não é certa para programar seus gastos. A métrica valiosa protege o cidadão de ter ganhos frustrados e dívidas ativas. Na esfera pública a lição deveria ser a mesma, em especial no desenho do Orçamento do governo central. Ao manobrar para criar um espaço maior de recursos disponíveis para investimento em ano eleitoral, o Congresso Nacional ignora todos os sinais de arrefecimento da economia em 2022 e pode distorcer o ano fiscal também de estados e municípios.

Essa é a seara que o governo federal está prestes a entrar. Ao permitir o reajuste do teto de gastos e do Orçamento da União pela perspectiva da inflação do ano e não a consolidada até julho (mês anterior ao envio oficial da proposta Orçamentária), abre-se um arcabouço fiscal que sustenta emendas e a campanha eleitoral, mas também embica o governo para o endividamento público.

Com um Orçamento reajustado pela inflação no acumulado do ano, mais de 80% das despesas fixas do governo precisarão ser reajustadas. A principal delas é a que baliza o salário mínimo, que ao subir 10%, encosta nos R$ 1.211. O reajuste também vale em aposentadorias e pensões, além da folha de pagamento de servidores vinculados ao salário mínimo. Segundo Sérgio Nascimento, doutor em finanças aplicadas e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em Gestão de Políticas Públicas, essa conta de antecipar a inflação já seria um risco com a economia indo bem, mas é veneno no cenário atual. “Essa manobra é irresponsável do ponto de vista fiscal e distorce toda a perspectiva de crescimento do ano”, disse. Segundo o acadêmico, o efeito cascata irá afetar todo o setor privado que aplica o salário mínimo, além de estados e municípios e suas respectivas folhas de pagamento. “Se reajustar o salário mínimo resolvesse a economia, era só subir R$ 6 mil. Isso não acontece porque não há produção de riqueza o suficiente para sustentar esse valor.”

A VERDADE Para justificar o impulso de elevar os gastos é preciso entender onde, e para que, ele nasceu. Esse reajuste era parte da Proposta de Emenda Constitucional 23 (ou PEC dos Precatórios, que abria espaço para parcelar as dívidas ativas da União e assim custear Auxílio Brasil). Depois de idas e vindas no Congresso, a questão dos precatórios não saiu do papel e o tema foi retirado do texto promulgado na quarta-feira (8) pela Câmara. A matéria aprovada só altera a forma de calcular o reajuste do teto de gastos, o que rendeu cerca de R$ 62 bilhões livres. No efeito cascata, essa abertura exige que estados e municípios se preparem para gastar mais (sem garantias de aumento de receita). Pensando nisso, o Senado trabalha em um texto que alivia as dívidas dos governadores. O texto aprovado na terça-feira (7) na Comissão de Assuntos Econômicos renegocia R$ 458,9 bilhões em dívidas com a União e o BNDES para 18 estados. Na Câmara também são discutidas formas de aliviar o impacto dos juros da rolagem da dívida pública que, com a Selic em dois dígitos, estrangula o governo federal. Um trabalhão para construir uma estufa em torno da bomba armada pelo próprio Congresso.