Na ausência de um plano federal para colocar o Brasil no papel de protagonista da economia verde, governos regionais, empresários e entidades se unem em iniciativas que podem trazer excelentes resultados. Do lado da iniciativa privada, um grupo de 100 empresas e dez entidades lideradas pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) lançou o documento Empresários pelo Clima. No posicionamento que levará à Cop-26, em novembro, na Escócia, o grupo assume a responsabilidade na transição da economia brasileira para um modelo de baixo carbono. Mas foi no âmbito público que surgiu a proposta mais ampla e complexa até agora. A Prefeitura do Rio de Janeiro anunciou que relançará seu mercado de capitais com a criação de uma bolsa de valores dedicada à negociação de ativos ambientais e de créditos de carbono.

Será a segunda tentativa do município nesse sentido. A primeira, há uma década, não prosperou. As condições desta vez, porém, são mais favoráveis. Relatórios científicos, como o publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), indicam que o planeta está em alerta vermelho provocado pelo aumento descontrolado da temperatura global. Para conter o avanço, nações e líderes empresariais estão reforçando a necessidade de se fazer cumprir o Acordo de Paris, que estabelece a meta de limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. Garantir que os termômetros não subam ainda mais exige uma redução drástica de emissão de gases de efeito estufa, principalmente o de CO2. É nesse desafio que está a grande oportunidade para o Rio de Janeiro – e para o País. “O Brasil tem todas as condições de ser um dos maiores atores do mer

cado de carbono, que tem potencial de movimentar US$ 50 bilhões globalmente até 2030”, afirmou à DINHEIRO Chicão Bulhões, secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico do Rio de Janeiro. É ele quem comanda o grupo de trabalho à frente da iniciativa junto às secretarias da Fazenda e do Meio Ambiente, com apoio da Procuradoria Geral do Município e da agência Invest.Rio. Juntos, pretendem criar um ambiente completo de finanças verdes. “Para a geração de créditos, esse mercado necessita um ecossistema inteiro formado por empresas certificadoras, consultorias ambientais e empresas que executarão esses projetos”, afirmou o secretário.

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“O Brasil tem todas as condições de ser um dos maiores atores do mercado de carbono” “O formato dessas plataformas pode ser de bolsa, balcão organizado ou marketplaces, uma vez que os créditos ambientais não são regulados pela CVM” Chicão Bulhões, secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico do Rio de Janeiro.

ATIVOS A intenção da prefeitura é atrair empresas que estejam dispostas a transacionar tanto créditos de carbono quanto outros ativos ambientais associados. Dois exemplos: créditos de logística reversa (CLR) e de reserva ambiental (CRA). “O formato dessas plataformas pode ser de bolsa, balcão organizado ou marketplaces, uma vez que os créditos ambientais não são valores mobiliários e consequentemente não são regulados pela CVM”, disse Bulhões. Desde o início da negociação do primeiro título sustentável no Brasil — emitido pela BRF em 2015 no valor de 500 milhões de euros — o País já movimentou mais de R$ 127 bilhões em 160 operações, segundo a Sitawi Finanças do Bem. Já a Climate Bonds Initiative estima que o mercado de títulos verdes brasileiro tenha potencial para alcançar R$ 1,8 trilhão.

A iniciativa carioca, na opinião de Celso Lemme, professor de Finanças e Sustentabilidade do Coppead/UFRJ e presidente do conselho técnico-consultivo do Disclosure Insight Action na América Latina, enfrentará desafios como o tempo necessário para ser implementada e ganhar relevância. Mas acima de qualquer obstáculo, afirma ele, marca uma mudança de paradigma importante para o País. “Essa é uma sinalização de que estamos deixando de ver a questão ambiental como um passivo, para enxergá-la como um ativo”, afirmou.

Além de comportamental, há vantagens práticas como o fato de conferir fundamentação para instrumentos financeiros e transparência no valor de bioativos. “Uma bolsa organizada permite aos tomadores de decisão de negócio ou de políticas públicas terem nos preços um balizador de onde e como alocar recursos.”

Para o advogado Jean Marc Sasson, head de Ambiental e ESG do escritório Lima Feigelson, a bolsa de valores servirá também à economia de maneira geral. “Na medida em que o Brasil ganha esse instrumento, cria-se um novo mercado de empregos e condições positivas para atração de investimentos nacionais e internacionais”, afirmou. A cereja do bolo vem em forma de reputação. “Enfim, damos ao mundo um recado de que o País ainda pode liderar a economia de baixo carbono”, afirmou. Pelo andar do bondinho, ainda há uma chance do Brasil fazer bonito na Cop-26 com um discurso com sotaque carioca e com as bênçãos do Cristo Redentor.