Nos últimos tempos muito se falou da farra de projetos oportunistas que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentava emplacar de maneira acelerada e discreta enquanto todo mundo tinha olhos para o problema da pandemia. Agora o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, busca usar do mesmo ardil para acelerar um festival de propostas à sua maneira. Começou pela própria ideia do Fundão Eleitoral vergonhoso de R$ 5,7 bilhões, que passou por votação célere na calada da noite e desaguou como uma bomba no colo do contribuinte brasileiro. Lira quer mais e articulou nos bastidores nesse sentido, enquanto todo mundo estava focado na CPI da Covid que se desenvolve no Senado. No rolo compressor das aprovações de Lira, com o apoio e engajamento dos aliados do Centrão, seguem em curso na Câmara projetos que efetivamente desmontam a política ambiental, vendem com duvidosos critérios técnicos algumas estatais e aumentam sobremaneira a carga tributária, tudo isso sem sequer passar por debates preliminares em comissões da Casa. As ideias do deputado já vêm sendo chamadas de “locomotiva avassaladora de Lira”. O parlamentar, desde que assumiu, movimenta-se para criar uma plataforma de realizações para chamar de sua. E ela é pautada por interesses muito específicos. Em combinação com o presidente Bolsonaro acertou a tal lei de licenciamento ambiental que, na prática, como apontam especialistas, desmantelou o arcabouço de controle e regulação do Estado sobre práticas de crimes ambientais. Foi um despropósito. Objetivamente, o projeto incentiva a grilagem, dificulta a demarcação de terras indígenas e abre espaço ao avanço acelerado do desmatamento. O plano de Lira e de Bolsonaro é votar PLs que tratam do assunto em regime de urgência, pulando etapas habituais de negociação. No mesmo ritmo, sem a discussão de aspectos confusos nos critérios de concessão, Lira quer que a tal privatização da Eletrobras e mesmo a dos Correios saia a toque de caixa. No primeiro caso, muitas cascas de banana foram lançadas no texto sem o devido respaldo técnico. Mesmo ardorosos defensores da privatização levantam dúvidas e desconfiam da eficácia do projeto nos moldes em que está posto. Do mesmo mal padece a venda dos Correios, que enfrenta resistência inclusive do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para quem os serviços postais são essenciais e devem continuar nas mãos do Estado. Por fim, e não menos preocupante, estão as articulações que envolvem o ajuste tributário, em andamento, e a reforma eleitoral, que ergueria uma espécie de semipresidencialismo, tido e havido como manobra golpista e oportunista. No conjunto da obra, as injunções de Lira são alimentadas pelo combustível das eleições de 2022. Ele procura aplainar o terreno para projetar-se como líder inconteste e garantir a simpatia do atual mandatário. De todo modo, a velocidade com que essas propostas estão passando pela Câmara é assustadora e surpreende a todos, desnorteando principalmente os opositores. A tática vem funcionando bem. Já o presidente Bolsonaro, que tem o “timing” para saber o que agrada ou não ao seu eleitorado, resolveu encenar o papel de indignado com as medidas mais amargas e projetos indigestos, como o da turbinada do Fundo Eleitoral para R$ 5,7 bilhões. Começou dizendo que a equipe de Guedes “errou a mão” e foi com muito apetite ao pote dos impostos. Apontou que houve exagero e alardeou que não vai ter aumento de carga. Surfa na onda da revisão das propostas, que já está sendo feita (e não por deliberação dele). Mais adiante, posou de paladino da Justiça dizendo que iria vetar o valor do Fundão. Nos bastidores, negociou com líderes da base para que o total da verba destinada a essa rubrica recue para algo em torno de R$ 4 bilhões, representando, mesmo assim, o dobro de reajuste em cima do valor antes praticado. Ele veta os R$ 5,7 bi e depois acata os R$ 4 bi. E todos saem no lucro. Já o Bolsa Família de, “no mínimo” — como diz o presidente —, R$ 300 entrará na conta, custe o que custar. Em bandeira eleitoreira ninguém mexe.

Carlos José Marques, diretor editorial