Filho do bilionário Abílio Diniz, o ex-piloto de Fórmula 1 frequentava com naturalidade o jet set internacional. Até resolver se dedicar à produção de alimentos orgânicos no interior de São Paulo.

Sócio-fundador da Fazenda da Toca, voltada à produção de alimentos orgânicos em larga escala, e da Rizoma Agro, que investe e desenvolve modelos de agricultura regenerativa, Pedro Paulo Diniz decidiu que seu projeto de vida é promover empreendimentos de alto impacto ambiental, social e econômico. Neste ano, foi o primeiro empresário rural do mundo a emitir títulos verdes nos critérios de agricultura sustentável. A operação de R$ 25 milhões abre caminho para o acesso a um mercado de capital disposto a remunerar muito bem produtos com origens sustentáveis que preservem a biodiversidade – e a pagar caro por créditos de carbono, cada vez mais escassos no mundo e ainda abundantes no Brasil. Para Diniz, a atitude negacionista do governo brasileiro com relação às questões ambientais preocupa, enquanto a eleição de Joe Biden, com a promessa de colocar os Estados Unidos de volta no trilho da sustentabilidade, traz alento, mas também riscos. Mesmo com alguns obstáculos, ele acredita que a mudança do consumidor em direção à alimentação mais saudável irá impulsionar uma tendência que, no fim das contas, é também um ótimo negócio.

DINHEIRO – Seus atuais empreendimentos estão relacionados à agricultura orgânica. É possível produzir commodities em grande volume sem adição de produtos químicos?
PEDRO PAULO DINIZ – Sem dúvida. Nós começamos a produzir orgânicos na Fazenda da Toca e, há quatro anos, criamos a Rizoma Agro para escalar o que aprendemos sobre agricultura regenerativa. Em grãos, nossa safra de soja foi de 60 sacas por hectare. No caso do milho, 193 sacas. No feijão, 50 sacas. Em termos de produtividade, é similar à da cultura tradicional. Um estudo publicado este ano pelo Rodale Institute (criado nos Estados Unidos em 1947) comprova que a produtividade de grãos orgânicos como milho e soja pode ser ainda maior que no modelo tradicional.

O que faz a produção de orgânicos ser de fato eficiente?
Principalmente a resiliência. Em ano de crises climáticas, o orgânico tem melhor produtividade do que o método tradicional. Outro ponto relevante: na agricultura regenerativa é possível anular 100% do carbono produzido pelos humanos e ainda gerar crédito.

Por que o orgânico ainda é tão caro?
No campo, temos ineficiências que vamos ajustar usando tecnologias da cultura tradicional e da regenerativa. Já na ponta final, o que acontece é que quando esses produtos vão para a gôndola, ainda são tratados como premium e o preço acaba sendo mais alto. Alguns varejistas já entenderam os benefícios dos orgânicos e estão precificando com o mesmo valor dos tradicionais ou até com valores menores. Isso mostra que todos que estão na cadeia precisam trabalhar juntos para viabilizar a escala.

“A produtividade de grãos orgânicos como milho e soja pode ser maior que a do modelo tradicional” (Crédito:Istock)

O custo ainda é obstáculo para ganhar escala?
Custo ainda é um desafio, mas estamos no caminho de superá-lo. Em milho, na Rizoma, o custo é 30% maior em relação ao modelo convencional. Isso porque fazemos milho na safra e não na safrinha, o que demanda muito nitrogênio orgânico, insumo bastante caro. Em soja, o custo é 15% maior, e em feijão, cai para 6%. Nossa meta é diminuir a diferença.

O crescimento nas vendas de orgânicos foi impulsionado pela indústria ou pelo consumidor?
Difícil dizer. Mas, o consumidor está mais atento e quer se informar. A demanda da população por alimentos saudáveis, que já vinha aumentando nos últimos anos, cresceu exponencialmente durante a pandemia.

Haverá uma maior preocupação com a segurança alimentar no pós-pandemia?
Acho que a Covid-19 foi um chamado para o mundo acordar para os riscos de novas pandemias. Diante de tanta tragédia, o consumidor se voltou para a saúde, o que é bom para o mercado de orgânicos.

O clima traz oportunidades para a agricultura regenerativa?
As questões climáticas e de sequestro de carbono são bem importantes. Hoje já medimos o potencial de sequestro de carbono em nossas fazendas, mas ainda não certificamos. Já estamos nesse processo justamente para monetizar o nosso CO2. Esse é um mercado que deve crescer muito porque a demanda por crédito de carbono está em alta e deve ganhar força com os EUA voltando ao Acordo de Paris. E o Brasil é o país com mais estoque no mundo.

E o Brasil continua de fora do acordo…
Para mim essa é uma grande incoerência, porque a biodiversidade é o grande ativo do Brasil. E ela está escassa no mundo.

Como avalia a posição do governo?
Como uma grande miopia. A gente já tem um agronegócio que é referência mundial em produtividade e sustentabilidade. As leis brasileiras são muito boas, talvez as melhores do mundo.

O Brasil tem um potencial muito grande de ser líder nesse movimento. Mas o governo, em vez de se apropriar, está jogando esse diferencial fora.

Neste ano tivemos um descasamento da posição do governo com a agenda global. Houve impacto nos negócios? 
Essa é uma grande preocupação para todo agronegócio. O descaso do governo atual com as questões ambientais tem gerado uma repulsa ao Brasil, sobretudo dos países europeus. Agora, com a mudança da presidência americana, sinto que essa posição pode vir dos Estados Unidos também.
Qual foi o impacto da política americana adotada no governo Trump?
Na minha opinião é um absurdo negar o problema climático e não enxergar o potencial regenerativo das práticas agrícolas orgânicas. Acredito que Joe Biden impulsionará a agricultura sustentável nos Estados Unidos, o que pode prejudicar o Brasil por estarmos sendo irresponsáveis com o meio ambiente.
Quanto aos orgânicos, como o Brasil se comporta?
O mercado interno ainda é pequeno quando comparado com o de outros países, como os Estados Unidos e a Europa, que são principais destinos das nossas exportações.
Mesmo os Estados Unidos sendo uma megapotência rural?
A despeito de eles serem os maiores produtores de milho, nós conseguimos chegar lá porque o Brasil é muito competitivo. Mesmo com variáveis estruturais como o frete, que para cultura de larga escala tem grande impacto no custo, nossos preços são atrativos.
Quais aspectos do custo-Brasil têm impactado mais os negócios? 
No nosso negócio o impacto recai sobretudo na exportação. Quando vendemos para os Estados Unidos existe uma norma que estabelece nível zero de contaminação por transgenia. Então precisamos fazer uma linha de exportação totalmente dedicada. Estamos estruturando esse processo. A boa notícia é que dá para fazer.
“O descaso do governo com as questões ambientais tem gerado uma repulsa ao Brasil, sobretudo dos países europeus.” (Crédito:Istock)

O agronegócio é muito dependente de crédito, sobretudo o oficial. Novos produtos financeiros estão surgindo para atender a demanda?
Hoje, além das oficiais para investimento e custeio, temos, por exemplo, produtos para a agricultura de baixo carbono e o mercado de capitais. Alternativas cada vez mais eficientes. Nós usamos todos os instrumentos de mercado para crescer. Mas, neste ano, com o acesso aos títulos verdes conseguimos estender um pouco os recursos, recorrendo menos às linhas de curto prazo, o que é muito bom.

A Rizoma Agro fez a primeira captação do mundo de títulos verdes no critério de agricultura sustentável. Como foi?
Muito interessante, porque trabalhamos com a Climate Bond Initiative (CBI), que tem critérios rígidos para classificar a agricultura como sustentável. Quando começamos a Rizoma, já a estruturamos pensando em acessar o mercado de capitais. Então o processo de nos colocarmos o desafio de acessar esses primeiros títulos verdes foi muito fluído. Ficamos felizes de termos passado pelo processo e de sermos o primeiro do mundo.

A captação de R$ 25 milhões precisa ser aplicada em agricultura sustentável. Qual o destino desse recurso?
Vamos expandir a operação da fazenda de Iaras (SP) e implementar um sistema de irrigação, já que a região sofre muito com intempéries climáticas. Com essa tecnologia, conseguiremos expandir a nossa receita. Iremos também internalizar a pós-colheita do feijão, que até agora era terceirizada. Isso permitirá a melhora de rentabilidade e a redução de preços. Além disso, em nossa outra fazenda, aumentaremos a área de Sistemas Agroflorestais (SAF).

O futuro é sustentável, mas dará lucro?
Para mim, isso está bastante claro. Investir em economia verde é um ótimo negócio. Além de ser uma ferramenta contra o aquecimento global e de ajudar na manutenção da biodiversidade, o solo saudável é sinônimo de mais produtividade e nos dá um subproduto fundamental: alimentação saudável para as pessoas. Os benefícios dessa agricultura é inegável.