Movido por inovações que rapidamente tornam-se obsoletas, o mercado de tecnologia costuma ser implacável. Não são raros os casos de gigantes que sucumbiram por não antever a próxima onda do setor. Com uma trajetória de 107 anos, a IBM é um contraponto a esses infortúnios. Dos cartões perfurados usados no censo demográfico americano, passando pelos relógios, máquinas de escrever e computadores, a “Big Blue” soube se reinventar em diversas oportunidades. Nos últimos anos, o desafio de se renovar tem batido novamente à porta da companhia americana. Ultrapassada por “novatas” como Amazon e Google, e mesmo por nomes mais tradicionais, como a Microsoft, a IBM luta para voltar a ter a mesma relevância de outros tempos. E no domingo 28 deu um sinal de que, mesmo centenária, está disposta a recuperar a boa forma. A empresa anunciou a aquisição da também americana Red Hat, maior representante corporativa do segmento de softwares livres, como são conhecidos o Linux e outros sistemas sem licença de uso, desenvolvidos por comunidades de programadores. O valor da negociação, US$ 34 bilhões, reforça a relevância desse novo passo. O montante é, de longe, o maior já desembolsado pela IBM em uma aquisição. O segundo posto nessa lista cabe aos US$ 5 bilhões destinados à incorporação da Cognos, em 2007.

A transação é também a terceira maior da história da indústria da tecnologia, sendo superada apenas pelos acordos entre Dell e EMC (US$ 67 bilhões) e Avago e Broadcom (US$ 37 bilhões), ambos em 2015. Pelos termos divulgados, a Red Hat se tornará uma unidade independente dentro da IBM e seguirá sob o comando do CEO Jim Whitehurst. O plano é preservar a cultura, o modelo e a autonomia da companhia do “chapéu vermelho”, que gera receitas a partir de versões mais robustas dos softwares desenvolvidos por uma comunidade de mais de 8 milhões de programadores e com os serviços associados a esses sistemas. “A aquisição da Red Hat é um divisor de águas”, afirmou Ginni Rometty, CEO e presidente do Conselho de Administração da IBM, em nota.

Reforço: com a aquisição da Red Hat, a IBM planeja ampliar a sua atuação no mercado de computação em nuvem e terá acesso a mais de 8 milhões de programadores

Frases de efeito à parte, o acordo tem potencial para impulsionar a IBM em uma das vertentes de maior expectativa de crescimento no setor: a computação em nuvem. Com seus sistemas de código aberto, a Red Hat, parceira de longa data da Big Blue, vem ganhando terreno nesse segmento à medida que os clientes corporativos estão mesclando estruturas próprias de tecnologia com centros de dados de terceiros. Nesse contexto, o software livre é visto como uma das soluções mais adequadas para conectar e gerenciar esses diversos ambientes. Para analistas consultados pela DINHEIRO, a aquisição dá mais credibilidade às ofertas de nuvem da IBM. Hoje, no segmento, a empresa ainda está bem aquém das líderes Amazon, Google e Microsoft. A Red Hat, por sua vez, ganha em poderio de vendas e de distribuição, algo que sempre foi um dos calcanhares de Aquiles das companhias de software livre. “Juntas, IBM e Red Hat são muito mais fortes”, diz Rob Enderle, analista-chefe da consultoria americana Enderle Group. Ele destaca que a Red Hat era um ativo cobiçado no mercado. “Havia uma chance de empresas como Oracle e Google comprarem a Red Hat e bloquearem a sua relação com a IBM, o que traria danos massivos à operação.”

A cifra bilionária destinada ao acordo também é vista como uma possível e importante mudança na estratégia recente da IBM. Com a Red Hat, a computação em nuvem cresce como uma das alternativas para que a empresa migre de suas ofertas tradicionais para novas áreas da tecnologia. Até então, a principal aposta nessa direção era a inteligência artificial, por meio da plataforma Watson. A área, no entanto, ainda não mostrou resultados efetivos. “O Watson tem um potencial enorme, mas seu avanço tem sido muito lento”, afirma Roger Kay, analista da consultoria americana Endpoint. No terceiro trimestre, por exemplo, a receita dessa divisão caiu 6%, para US$ 4,14 bilhões, próxima do patamar reportado há dois anos. Em um contexto mais amplo, os números também não são favoráveis. Desde 2011, a companhia acumula quedas anuais de receita. E nesse intervalo, seu valor de mercado recuou de US$ 216,7 bilhões para os atuais US$ 105 bilhões.

A reação do mercado de capitais à aquisição, no entanto, expõe incertezas quanto aos resultados que o acordo trará. Até a quarta-feira 31, as ações da IBM acumulavam uma queda de cerca de 8% em relação à cotação da sexta-feira anterior ao anúncio. Além dos questionamentos sobre o valor da transação, analistas ressaltaram outros pontos para justificar a desconfiança de Wall Street. “Uma transação desse porte não tem precedentes na história da IBM. A empresa tem pouca experiência em integrar operações dessa magnitude”, escreveu o analista Toni Sacconaghi, em relatório da consultoria Sanford C. Bernstein. Ele também destacou que uma das principais fortalezas da Red Hat é o fato de a empresa ter entre seus clientes os principais rivais da IBM na nuvem, o que torna desafiadora a gestão dessa relação. A julgar, no entanto, pela trajetória bem-sucedida de reviravoltas da Big Blue, que ninguém duvide da capacidade da companhia tirar da cartola – ou nesse caso, do chapéu vermelho – mais uma reinvenção em sua história.