Na semana em que a guerra comercial entre Estados Unidos e China chegou a seu ápice, uma delegação de representantes de 35 empresas paulistas desembarcou em Pequim, junto com o governador de São Paulo João Doria e seu time de secretários, para dar início à maior missão empresarial brasileira no país que tem a segunda maior economia mundial. Na contramão do alinhamento do governo de Jair Bolsonaro com Estados Unidos, Israel e União Europeia, as negociações tinham como desafio aproximar ainda mais o setor produtivo brasileiro das empresas chinesas. O maior parceiro comercial do Brasil gerou mais de US$ 56 bilhões em negócios no primeiro semestre deste ano. E apenas nos cinco dias da visita, o grupo liderado por Doria garantiu compromissos públicos e privados de investimentos de US$ 24,8 bilhões nos próximos quatro anos.

Xangai Paulista: a metrópole chinesa recebeu a primeira representação da investSP (Crédito:Yongyuan Dai)

“Estou impressionado com o interesse dos empresários brasileiros por negócios na China e com a reciprocidade demonstrada pelas companhias chinesas”, afirmou o diplomata Marcos Caramuru, ex-embaixador brasileiro na China. A missão empresarial marcou também a inauguração da primeira representação comercial do Brasil em território chinês. Um escritório da agência de desenvolvimento InvestSP abriu as portas em Xangai como um hub de novos negócios. O objetivo é facilitar o intercâmbio de investimentos entre os países. “Vamos estabelecer um elo comercial por meio da InvestSP não por um mandato ou uma década, mas pelos próximos cem anos”, afirmou o governador João Doria. “A China é o maior parceiro comercial do Brasil e continuará sendo por muitas décadas, assim como o Estado de São Paulo é o principal destino dos investimentos chineses no País.” A coordenação da InvestSP na China estará sob o guarda-chuva Wilson Mello, presidente da agência e ex-executivo global da JBS. Apenas na área de obras públicas, o Estado de possui 21 projetos, 16 de concessões e cinco de Parcerias Público Privadas, que somam R$ 37,6 bilhões em potencial de receita. São Paulo compra 38% de todos os produtos manufaturados da China que chegam ao Brasil, e a China é o segundo destino das exportações paulistas (12,46% do total), com uma pauta ampla, liderada por derivados de petróleo, açúcar, aviões, soja, automóveis, carnes, tratores e suco de laranja.

A ofensiva de Doria atraiu principalmente investimentos para os setores de infraestrutura e tecnologia. A chinesa CR20, subsidiária da gigante de infraestrutura China Railway Construction Corporation (CRCC), um dos 50 maiores grupos empresarias do mundo, assinou um protocolo de intenções para disputar licitações de pelo menos três projetos: o trem intercidades que ligará as cidades de Americana, Campinas e São Paulo, a Linha 6 do metrô da capital e a despoluição do Rio Pinheiros. “Em obras de infraestrutura temos capacidade e experiência para atuar em quase todos os tipos de projeto”, garantiu o presidente da CR20, Deng Yong, que disputará com concorrentes japoneses, coreanos e europeus. “Todas as áreas de desestatização de São Paulo nos interessam muito.” A expectativa é que sejam arrecadados cerca de R$ 22 bilhões com os três projetos de interesse da CR20.

Negócios da China: a empresária Priscila Belmonte, da Colormaq, negocia parceria de R$ 100 milhões. Já o café Santa Mônica assinou contrato de US$ 1,5 bilhão (Crédito:Divulgação e Alexandre Inacio)

Outra grande negociação que terminou com contrato assinado foi o investimento de US$ 800 milhões (R$ 3,2 bilhões) da fabricante de celulares e equipamentos telecomunicações Huawei na construção de nova fábrica no País. A nova planta, dedicada a produção de componentes voltados ao 5G, será erguida até 2021 no interior de São Paulo, em local ainda ser escolhido na região de Campinas. “Ampliar nossa presença no mercado brasileiro e ampliar as exportações para os mercados da América do Sul é, hoje, prioridade na estratégia global da companhia”, afirmou o vice-presidente da empresa no Brasil, Steven Shen. “As barreiras políticas enfrentadas pela empresa no mercado americano nos incentiva a cada vez mais estar forte em outras grandes economias do Ocidente”, acrescentou.

Infraestrutura: o governador Doria levou 21 projetos paulistas aos chineses (Crédito:Governo do Estado de São Paulo)

Para o governo paulista, a nova fábrica também será estratégica. Sob a mesa do secretário de Fazenda e Planejamento Henrique Meirelles está um plano de concessão de benefícios fiscais, com contrapartidas por parte da Huawei, de investimentos no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e de fornecimento de equipamentos e computadores para as redes estadual e municipal de escolas públicas. “Nosso objetivo é que até 2022 as escolas públicas do estado de São Paulo não utilizem mais giz e quadro negro, mas sim computadores, tablets, smartphones e tecnologia de ponta, sejam por professores, sejam pelos alunos”, disse Doria. A ideia é priorizar as escolas da rede estadual que oferecem ensino técnico.

Entre as empresas que voltaram da China com contratos parrudos se destaca a Santa Mônica. A empresa de café assinou um acordo de US$ 1,5 bilhão com o fundo de investimento Greenfield Capital e o governo chinês para a criação de uma holding para construção de duas torrefações na China, além de distribuição de 100 mil máquinas automáticas para vender o produto diretamente aos consumidores chineses. A Santa Mônica fornecerá o café paulista e poderá, em uma segunda fase, construir uma rede de cafeterias com a marca brasileira em território chinês. Nos próximos 12 meses, com o acordo, o grupo deve exportar mais de 100 mil sacas, gerando uma receita US$ 25 milhões. “Os embarque de café e os primeiros aportes de recursos começam a partir de setembro, mas planejamento de longo prazo indica que o projeto como um todo será concluído em até cinco anos”, afirma Colin James Francis, executivo de negócios internacionais do Café Santa Mônica. A empresa já exporta para 30 países.

Combustível verde: Marcelo Ometto, da Usina São Martinho, enxerga imenso potencial no País que tem a maior frota do mundo e exige 10% de etanol na gasolina (Crédito:Silvia Costanti / Valor)

A Usina São Martinho, uma das maiores produtoras de açúcar e etanol do País, está com apetite pelo mercado chinês. Diante do plano do governo local de reduzir a poluição pela metade em dez anos, há um imenso potencial de negócios entre usinas brasileiras e refinarias chinesas de combustível. A partir do ano que vem, toda gasolina vendida na China terá a mistura de 10% de etanol, o que vai gerar uma demanda imediata de 15 milhões de toneladas do biocombustível. A produção brasileira de etanol na safra 2018/2019 foi de 33,1 milhões de toneladas. “Com 332 milhões carros em circulação, a China é o destino mais importante e atraente para o etanol brasileiro”, afirmou Marcelo Campos Ometto, presidente do conselho de administração da companhia. “Estamos com negociações bem avançadas para nos tornar protagonistas nesse processo.”

Turbinar os negócios estreitando relações com os chineses também é o objetivo da Colormaq, fabricante de linha branca, como tanquinhos, máquinas de lavar, bebedouros e cozinhas planejadas. A empresa, sediada em Araçatuba (SP), está em negociações com investidores chineses para captar R$ 100 milhões para a ampliação de sua fábrica e construção de uma nova planta no interior paulista, com abertura de 300 novos postos de trabalho. “Somos parceiros de várias empresas chinesas, já que importamos cerca de 10% de nosso portfólio, mas agora queremos uma aproximação mais voltada ao nosso plano de expansão no Brasil”, disse Priscila Belmonte, copresidente da empresa ao lado do irmão, Jarrier Belmonte. A Colormaq faturou R$ 650 milhões no ano passado e quer chegar ao primeiro bilhão até 2021. “Com o impulso das vendas no e-commerce e aumento das exportações, que hoje está na casa de 5%, não teremos dificuldade em atingir essa meta.”