Exatamente nesse momento ninguém se entende sobre os caminhos do ajuste tributário em andamento na Câmara dos Deputados. O relator modificou tanto o projeto inicial que está difícil até entender quem ganha e quem perde com as mudanças na pretensa reforma. Falta tudo para a sua efetivação. Não há engajamento do presidente Bolsonaro na discussão — algo reclamado até pelo próprio deputado Arthur Lira, que comanda a Casa. Não existe entendimento entre as lideranças partidárias. Governadores e prefeitos estão reclamando das perdas. Os empresários, mais ainda. E, para completar, o próprio Ministério da Economia agora aponta que a proposta em andamento foi tão desfigurada que seu efeito será nulo. A conta não fecha e a reforma “não se paga”. Trocando em miúdos: muito barulho para nada. Ou o que é pior: a custa do prejuízo do contribuinte, sujeito a uma carga que, na ponta do lápis, se mostrará ainda mais pesada. O ajuste, encaminhado de maneira açodada e com pouca discussão entre os setores interessados, começou de forma errada, partindo da Receita Federal, que não poupou apetite na tungada extra. Evoluiu de maneira ainda mais torta, sem qualquer avaliação técnica sobre os efeitos deletérios que causaria na economia e agora vem produzindo uma onda de resistência e reclamações de toda a natureza. O resultado parece prometer desagradar a todos. O pecado original: a reforma surge em um ambiente no qual seu objetivo maior é contaminado pela necessidade de pagar mais despesas do Estado. Perde assim o sentido anterior, tantas vezes anunciado, da simplificação tributária. Também não existe ali a prometida redução da carga. Ao contrário. O instrumento de taxação de dividendos e lucros asfixia as chances brasileiras de atração de mais capital externo. Nos moldes contidos ali, especialistas apontam que a fuga de recursos será líquida e certa. Diversas multinacionais e mesmo as empresas brasileiras estão antecipando preventivamente a distribuição de dividendos para evitar a pancada. Na prática, juristas e analistas são unânimes em apontar que o governo gerou um monstrengo capaz de piorar ainda mais o que já estava ruim. Pela terceira vez seguida a votação do tal ajuste tributário foi adiada na Câmara, sinalizando o desentendimento e desacordo de muitos com o assunto. O movimento de resistência à reforma, como sugerida, está evidenciado. As alternativas e rearranjos na proposta não caíram bem. Embora reine a bagunça, o deputado Lira tenta de toda maneira acelerar o processo. Na verdade, seu maior objetivo é tirar o assunto da frente o quanto antes para abrir espaço à decisiva votação dos gastos com o Bolsa Família. De uma maneira ou de outra, cresce a impressão de que, nos termos em que está, o ajuste custará a sair. Ainda mais com o Senado tentando encaminhar uma proposta paralela de unificação de tributos. Percebendo o risco de não angariar dinheiro extra com o pretendido ajuste fiscal, o Ministério da Economia passou a buscar alternativas para viabilizar o novo Bolsa Família. Entre as saídas avaliadas estariam a de aprovar o fim de subsídios ou mesmo a adaptação da lei que exige compensação de despesa permanente. As alterações na chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) seriam mais uma quebra de paradigma depois que o governo insinuou a ideia de uma PEC para parcelar os precatórios — dívidas judiciais das quais o governo não pode recorrer. De calote em calote, e sem arrecadação extra via aumento de impostos, os técnicos estão quebrando a cabeça para abrir espaço no Orçamento para o chamado Auxílio Brasil.

Carlos José Marques, diretor editorial