Na cultura germânica, chegar atrasado a um compromisso, vender e não entregar ou prometer e não cumprir é uma espécie de autossentença de morte no campo dos negócios. Na semana passada, a montadora alemã Audi, do grupo Volkswagen, deixou explícita a sua intolerância à cultura do jeitinho, da enrolação e do calote. O presidente da companhia no Brasil, o austríaco Johannes Roscheck, afirmou que a empresa vai deixar de produzir o modelo A3 no País em dezembro e que suspenderá toda a atividade local por cerca de um ano para reavaliar investimentos em um novo carro. A retomada de fabricação na linha de produção de São José dos Pinhais (PR) estará condicionada ao pagamento de uma dívida pendente em créditos tributários do governo federal, gerado sob o então programa Inovar-Auto, que vigorou entre 2012 e 2017 e se comprometia a devolver parte dos investimentos realizados pelas montadoras em novas tecnologias e na geração de empregos. “Assinamos um compromisso [com o governo] de pagar e receber de volta. É difícil convencer a matriz alemã a investir num mercado que não é responsável em cumprir compromissos”, disse Roscheck.

A indignação não se limita a uma única marca. Com incentivo do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, três montadoras alemãs (Audi, BMW e Mercedes-Benz) desembolsaram cerca de R$ 1,7 bilhão no País entre 2013 e 2017. Apenas a Audi injetou R$ 500 milhões na reativação de sua fábrica paranaense, em 2015. A planta, que havia produzido o A3 entre 1999 e 2006, estava parada. Já a BMW ergueu uma nova fábrica em Araquari (SC), enquanto a Mercedes-Benz deu início à produção em Iracemápolis (SP). Com isso, elas teriam direito de restituir quase R$ 300 milhões em impostos, em razão do pagamento antecipado de 30 pontos porcentuais no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros importados. As empresas, no entanto, ainda não viram a cor do dinheiro.

Divulgação

“É difícil convsaencer a matriz alemã a investir num mercado que não é responsável em cumprir compromissos” Johannes Roscheck, presidente da audi no brasil.

De acordo com Roscheck, o ministro da Economia, Paulo Guedes, garantiu um ano atrás que pagaria a dívida ao longo de uma década, mas agora não toca mais no assunto. “Mesmo que o pagamento seja feito no longo prazo nós aceitamos, mas precisamos de uma decisão”, disse o presidente da Audi. Procurado pela reportagem, o Ministério da Economia não comentou. Quando o Inovar-Auto deu lugar a um novo nome, o Rota 2030, no fim de 2018, o entrave da dívida pregressa nem sequer foi incluído no texto. À época, o presidente Michel Temer enviou para o Congresso o Projeto de Lei 10.590, paralelo ao Rota 2030, definindo a quitação da pendência com as montadoras em, no máximo, cinco anos. O PL está parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e nunca chegou a ser votado.

Na avaliação de especialistas, as montadoras e o governo vivem um dilema entre reivindicar o que é direito e criar novas políticas de incentivo. Para o economista José Pio Martins, especialista em indústria automobilística e reitor da Universidade Positivo, em Curitiba, as multinacionais não olham para o Brasil da mesma forma. “As empresas estrangeiras, sobretudo aquelas sediadas em países adiantados, querem liberdade econômica, regras claras e estáveis, estabilidade da moeda, equilíbrio das contas públicas, tributação simples e moderada, justiça eficaz e legislação favorável ao investimento estrangeiro”, disse Martins. Ou seja, tudo o que o Brasil não tem.

MARCA PREMIUM Mesmo se deixar de produzir no País, a operação será mantida com importação. (Crédito:Divulgação)