19/10/2018 - 11:00
No fim de abril de 2013, os executivos da Gol comemoravam o sucesso da decolagem da Smiles na bolsa de valores. A estreia da empresa de fidelidade no mercado de capitais havia sido um sucesso – a captação de sua oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) foi de R$ 1,1 bilhão. Em pouco mais de um ano como companhia independente, a Smiles registrou mais de 100% de alta nas ações e seu valor de mercado saltou de R$ 1,5 bilhão para R$ 5,2 bilhões. Em outubro de 2017, por exemplo, alcançou o pico de R$ 11,5 bilhões. Até a semana passada, os acionistas não tinham muito o que reclamar. Quem comprou o papel da empresa no dia do IPO tinha um retorno cerca de quatro vezes maior que o da principal concorrente, a Multiplus.
Nesses cinco anos, o lucro líquido cresceu quase 170% e a base de clientes passou de 14,1 milhões. Mas, na semana passada, uma aterrissagem forçada arranhou a fuselagem. Em fato relevante publicado no domingo 14 de outubro, a Gol informou que não vai renovar o contrato com sua controlada (que venceria somente em 2032) e que a incorporação resultará na migração de todo patrimônio e base acionária da Smiles pela Gol. “Essa proposta minimizará ineficiências e gerará um valor significativo aos acionistas de forma a melhorar nossa posição competitiva no futuro”, disse Paulo Kakinoff, CEO da companhia aérea, em teleconferência com analistas.
A decisão fez as ações da Smiles desabarem 38,8% no primeiro pregão após o anúncio. A empresa perdeu, aproximadamente, R$ 2,5 bilhões em valor de mercado. Esse não é um caso isolado em que a companhia de fidelidade sofreu com as decisões de sua controladora. Em março deste ano, a governança corporativa foi posta em xeque. O vice-presidente financeiro e de relações com investidores da Gol, Richard Lark Jr., disse na teleconferência de resultados da companhia aérea que a Smiles poderia ajudar a Gol a melhorar a sua própria classificação de risco. Haveria uma mudança na política de distribuição de dividendos de 100% para ajudar a turbinar a melhoria do caixa da Gol. Isso fez a ação da Smiles cair 9,9%. Em 12 meses, os papéis da empresa de fidelidade encolheram quase dois terços (confira gráfico ao final da reportagem). “A Gol vai colocar no bolso uma empresa que gera muito caixa”, diz Tatiana Brandt, analista da corretora Eleven Financial. “Além disso, com a Smiles dentro de casa, ela consegue diminuir a alíquota do imposto de renda e ter mais controle das ofertas.”
DINHEIRO apurou que a equipe da Smiles foi pega de surpresa com o anúncio da incorporação. A companhia tinha internacionalizado sua operação há cinco meses e trabalhava para criar um marketplace do entretenimento. Agora, as prioridades mudaram. “Nunca fui envolvido em nenhuma discussão a respeito”, diz Leonel Andrade, presidente da Smiles. “Só fiquei sabendo da proposta junto com o mercado, com a divulgação do fato relevante.” O caso da Smiles indica uma tendência do setor aéreo. Depois de abrir o capital de seus programas de fidelidade, as empresas agora estão reintegrando as suas operações. Há dois meses, a Latam fez o mesmo movimento ao anunciar a incorporação da sua empresa de fidelidade Multiplus aos programas controlados pelo grupo, como o Latam Pass e o Latam fidelidade.
A justificativa foi que a empresa de fidelidade já não reportava resultados positivos – no balanço do segundo trimestre, a receita líquida da Multiplus caiu 37,2% em relação ao mesmo período de 2017. No mundo, o caminho é o mesmo. As companhias aéreas AirCanadá e AirMéxico também decidiram não renovar os seus contratos com as parceiras PLM Premier e Aeroplan, respectivamente. Todas, inclusive a Gol, afirmam que nada muda aos membros de seus programas. Seguindo os passos das concorrentes, a promessa é reduzir custos e aumentar a liquidez no mercado. “Dentro ou fora da companhia aérea, os programas de fidelidade não sofrem nenhum impacto e continuam existindo. Há um espaço grande de crescimento para esse mercado no País”, afirma Roberto Chade, presidente da Associação das Empresas do Mercado de Fidelização (Abemf).
Como a empresa da família Constantino não pretende fazer uma oferta pública de aquisição de ações (OPA), especialistas afirmam que os acionistas minoritários serão os prejudicados. A proposta é a troca de ações do programa de fidelidade para os papéis da companhia aérea. Os analistas do BTG Pactual são pessimistas. O banco cortou a recomendação de compra para neutra das ações da empresa de fidelidade e afirmou que a Gol “aparentemente não está mais alinhada com os interesses da Smiles”. Por ora, a companhia não detalhou a estratégia da reorganização, mas disse que os termos serão negociados entre a administração da companhia e um comitê independente da Smiles, a ser criado.