Americano natural de Boston, Chris Torto tinha apenas 23 anos quando desembarcou no Rio de Janeiro, em 1988, como funcionário da fabricante americana de computadores Digital Equipment Corporation. Formado em administração pela Universidade do Maine e com um MBA em Harvard, ele criou fortes laços com o Brasil. Aqui, conheceu sua mulher, teve dois filhos e incorporou alguns hábitos locais, como o gosto por um bom mergulho nas praias cariocas e a paixão pelo futebol e pelo Flamengo. Foi também no País que deu vazão à sua veia empreendedora. Em 1995, criou a operadora de TV por assinatura Vivax, que ficou sob o seu comando até 2007, quando foi comprada pela NET, por R$ 1,3 bilhão. Com o acordo, o empresário retornou aos Estados Unidos e passou a avaliar novos investimentos. Além de sua terra natal, o mercado brasileiro estava no radar. Foi quando Torto viu no segmento de data centers a oportunidade de fundar um novo negócio bilionário. Daí surgiu a Ascenty, companhia brasileira de data center fundada em 2010 e que faturou R$ 330 milhões em 2017. “Na comparação com o mercado americano, o Brasil, mais carente desse tipo de estrutura, tinha muito mais potencial”, diz Torto que, atualmente, comanda a operação a partir de São Francisco (EUA). Ele vem ao Brasil, onde também mantém uma casa, ao menos uma vez por mês.

A curiosa e bem-sucedida relação do empreendedor americano com o mercado brasileiro ganhou um novo capítulo há duas semanas. Em 24 de setembro, a Digital Realty, empresa americana de data centers, anunciou a compra da Ascenty, por US$ 1,8 bilhão ou R$ 7 bilhões, segundo a cotação da moeda americana na data. Com a transação, os fundos Great Hill Partners e Blackstone deixaram a operação. O negócio incluiu ainda a gestora canadense de ativos Brookfield, que vai desembolsar US$ 613 milhões para financiar parte do acordo. Na joint venture que será formada a partir da aquisição, as duas companhias deterão participações de 49%. Os 2% restantes estarão nas mãos de Torto que, assim como o corpo diretivo atual, seguirá no comando da Ascenty. Em comunicado, a Digital Realty ressaltou que o investimento expande sua presença global, com a entrada no mercado latino-americano. Hoje, a empresa tem 205 centros de dados e 2,4 mil clientes nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. Procurada, a Brookfield não se pronunciou.

Mercado aquecido: a consultoria americana Frost & Sullivan projeta que o segmento de data center irá movimentar R$ 2 bilhões no Brasil em 2022

O montante envolvido no acordo chama a atenção, especialmente em um momento no qual o País ainda segue sob os efeitos da instabilidade econômica e política. Mas as perspectivas do mercado brasileiro de data centers ajudam a explicar o aporte bilionário. Em 2017, o setor movimentou US$ 1,31 bilhão, segundo a consultoria americana Frost & Sullivan. A empresa projeta que a área alcance um faturamento de US$ 2,06 bilhões no País, em 2022. “As empresas estão percebendo que é mais vantajoso transferir esse tipo de estrutura para um terceiro. E a crise no Brasil reforçou ainda mais esse movimento, que é global”, diz Mauricio Chede, analista da Frost & Sullivan. No Brasil, além da Ascenty, companhias como a americana Equinix e a brasileira Odata são alguns dos nomes que disputam esse mercado. Pietro Delai, gerente de pesquisa da consultoria americana IDC, cita ainda a avalanche de serviços digitais, aplicativos e de conceitos como computação em nuvem, que impulsionam ainda mais o aquecimento da demanda no setor. “Ter um data center no Brasil é vital para reduzir o tempo de resposta de uma aplicação”, afirma.

Para acompanhar esse cenário, a Ascenty está dobrando a sua aposta no Brasil. Com a chegada dos novos sócios, a empresa definiu um plano de investimentos de R$ 2 bilhões para os próximos dois anos. Até então, o aporte previsto era de R$ 1 bilhão. Com a revisão da estratégia, Torto revelou à DINHEIRO que a companhia está adicionando quatro novos data centers ao seu escopo. Antes do acordo, a companhia tinha oito centros em operação, em São Paulo (capital e interior), no Rio de Janeiro e no Ceará, além de outros quatro em construção, nesses mesmos locais.

Chris Torto, CEO e fundador da Ascenty: “Nós projetamos pelo menos mais seis anos de forte crescimento no País”

As novas unidades têm previsão de início de operação entre fevereiro e julho de 2019. Um data center será erguido na capital paulista e outros dois nas cidades de Vinhedo e Jundiaí, na região de Campinas (SP). A quarta estrutura marcará a entrada da Ascenty no mercado latino-americano, com um data center em Santiago, no Chile. “Para 2019 e 2020, também estamos avaliando os mercados do México e da Colômbia”, diz Torto. Ele faz uma comparação entre mercados mais maduros e a América Latina para ressaltar o potencial desse segmento na região, em virtude da carência de infraestrutura. “Nos Estados Unidos, um data center leva de 18 a 30 meses para ser ocupado”, afirma. “Por aqui, mais de 90% dos nossos projetos já estão totalmente vendidos antes de serem construídos.”

Após nove meses de negociação, boa parte deles vivida em São Francisco (EUA), cidade que abriga também a sede da Digital Realty, Torto quer retomar a rotina de visitas ao Brasil. “Eu moro nos dois lugares. Passei a maior parte da minha vida adulta no Brasil e, mesmo de longe, falo em português 95% do meu tempo”, diz o empresário. E, a julgar por suas projeções, essa relação estreita com o País irá perdurar ainda por um bom tempo. “O mercado brasileiro de data center tem pela frente, no mínimo, mais seis anos de forte crescimento.”