Gire o globo terrestre e pare na cidade chinesa de Shenzhen. Trace uma linha até Hangzhou e suba até Pequim. Você terá coberto a região que pode superar o Vale do Silício, na Califórnia, como centro mundial da tecnologia nos próximos anos. Não se trata de exagero. A região não abriga só empresas de meio trilhão de dólares, como Alibaba e Tencent, mas também a DJI, maior fabricante de drones do mundo, com uma fatia de 70% do mercado, e algumas das maiores produtoras de smartphones do planeta, como a Huawei e a Xiaomi, atrás apenas da americana Apple e da coreana Samsung. “As empresas de tecnologia chinesas estão passando a atuar em diferentes áreas para expandirem seus negócios”, diz Tina Lu, analista da consultoria Counterpoint Research.

Gigante do transporte: comandada por Cheng Wei, a Didi Chuxing tem 450 milhões de usuários no mundo (Crédito:Wu Hong - Pool/Getty Images)

E elas ganharam um trunfo inesperado nas duas últimas semanas por conta do inferno astral das empresas americanas de tecnologia. O Alibaba do chinês Jack Ma é o segundo maior e-commerce do mundo e aumentou seu valor de mercado no último ano em 62%, chegando a US$ 433 bilhões, quatro anos depois de ter aberto capital na bolsa de Nova York (Nyse). A operação chinesa só fica atrás da americana Amazon, que vale US$ 702 bilhões. Na semana passada, a empresa de Jeff Bezos teve seus papéis desvalorizados em US$ 75 bilhões após uma simples declaração do presidente americano Donald Trump. “Esta falcatrua contra o serviço postal tem de parar – a Amazon tem que pagar os custos reais (e impostos) agora!”, tuitou o republicano.

O mau momento americano se estende a boa parte do Vale do Silício, com várias empresas sofrendo na Bolsa. A Alphabet, que controla o Google, despencou quase US$ 100 bilhões desde janeiro e atualmente está avaliada em US$ 717,5 bilhões. A companhia fundada por Larry Page e Sergei Brin é afetada indiretamente pelo caso do Facebook, que acaba de revelar que o número de usuários com dados usados indevidamente pela consultoria Cambridge Analytica foi ainda maior do que o inicialmente noticiado: em vez de 50 milhões foram 87 milhões de pessoas. O escândalo de privacidade já custou US$ 90 bilhões para a empresa americana em valor de mercado, fazendo-o chegar em US$ 461,6 bilhões.

Mensageiro bilionário: a Tencent, de Ma Huateng, é dona do WeChat, aplicativo de mensagens com 1 bilhão de usuários (Crédito:VCG/VCG via Getty Images)

A concorrência que vem da Ásia preocupa tanto que o Congresso americano quer que o governo pare de fazer negócios com fabricantes de infraestrutura de telecomunicações do continente, como Huawei e ZTE. Em março, Trump resolveu bloquear uma oferta hostil de US$ 142 bilhões que a fabricante de microprocessadores Broadcom, de Cingapura, fez para levar a americana Qualcomm, a maior produtora mundial de chips para smartphones. O receio é o de que os asiáticos passem a dominar uma área vital para o desenvolvimento tecnológico americano. Faz sentido. Nos últimos anos, as fabricantes de celulares chinesas têm avançado.

No mais recente levantamento da consultoria americana IDC, realizado no fim de 2017, a Huawei era responsável por 10,7% das vendas de todos os smartphones do mundo. A Xiaomi detinha 7,2% do mercado global. As duas só estão atrás de Apple, com 19,7%, e da Samsung, com uma fatia de 18,9% do mercado. Entretanto, a Xiaomi foi a marca que mais cresceu no ano passado. Em um ano, a companhia avançou 100%, dobrando sua presença no mercado. “Por muito tempo, as empresas chinesas enfrentaram preconceito no mercado”, diz In Hsieh, CEO da China-Brazil Internet Promotion Agency (CBIPA) e ex-diretor da Xiaomi. “O consumidor de hoje exige qualidade e as empresas chinesas entenderam isso.”

Pioneiro e líder: a DJI, de Frank Wang, conseguiu expandir sua marca aproveitando o pioneirismo (Crédito:Divulgação)

A melhora da qualidade dos produtos chinesas já era algo esperado pela maioria dos analistas em função do gigantesco mercado interno chinês. Mas esse fator não explica sozinho o avanço das empresas chinesas. Elas estão, pouco a pouco, deixando suas fronteiras e expandindo-se ao redor do globo por meio de aquisições. Observe o exemplo da Didi Chuxing, considerada o Uber da China. No começo de janeiro, ela assumiu o controle do aplicativo de táxi 99 no Brasil, em um negócio de US$ 1 bilhão. Não bastasse isso, a empresa está presente em mais de mil cidades espalhadas pelo mundo e seu valor de mercado é estimado em US$ 56 bilhões, a segunda startup mais valiosa do planeta, só atrás da rival Uber. O Alibaba, por exemplo, vende para mais de 200 países e tem escritórios na Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Holanda, Espanha, Reino Unido, Austrália, Taiwan, Índia e EUA.

Mas os chineses não estão apenas estendendo seus tentáculos para outros países. Eles estão colocando a mão no bolso e comprando fatias de empresas estratégicas no Ocidente. A Tencent, dona do WeChat, o WhatsApp chinês utilizado por mais de 1 bilhão de pessoas, aposta no mercado de jogos eletrônicos. Para isso, investiu quase US$ 9 bilhões nas desenvolvedoras de jogos Riot Games, dos Estados Unidos, dona do popular League of Legends; e Supercell, da Finlândia, que desenvolve o jogo para celular Clash of Clans. As redes sociais também estão na mira. No fim de 2017, a companhia de Ma Huateng comprou 12% das ações da rede social americana Snapchat por US$ 2 bilhões. Como resultado, a Tencent hoje é avaliada em US$ 500 bilhões, valor superior ao do Facebook, com US$ 461,7 bilhões.

Talvez o exemplo de maior sucesso no quesito de expansão internacional seja o da DJI. A fabricante de drones de Shenzhen fundada por Frank Wang detém 70% do mercado mundial de aeronaves de controle remoto, estimado em US$ 6 bilhões, segundo a consultoria americana Frost & Sullivan. Sua vantagem em relação às compatriotas é que a DJI foi pioneira no setor em que atua. Quando chegou ao mercado, em 2006, não precisou dividir os céus com nenhuma outra marca. A DJI é hoje uma potência. Com 11 mil funcionários em 17 cidades no mundo, ela está avaliada em US$ 15 bilhões e produz mais de 2 milhões de drones por ano.

As startups chinesas estão cada vez mais bem posicionadas no tabuleiro tecnológico, como demonstra o crescente número de unicórnios, como são chamadas as companhias iniciantes bilionárias. São 62 empresas com valor superior a US$ 1 bilhão, de acordo com a consultoria americana CB Insights. Parece distante dos EUA, com 110 empresas, a maior parte na Califórnia. Mas a tendência de crescimento rápido e a distância dos outros países (Inglaterra, com 11, e Índia com 10) demonstra como o jogo fica polarizado entre dois países. A China, por exemplo, está construindo um rival para o sistema americano da navegação GPS. Chamado de Beidou, ele terá um alcance global até o ano de 2020.

Jeff Bezos, da Amazon: o fundador do maior e-commerce do mundo viu as ações de sua empresa cairem após uma ameaça do presidente Donald Trump (Crédito:AFP / Mandel Ngan)

Os chineses também devem dominar áreas estratégicas do setor de tecnologia. O ex-chairman da Alphabet, Eric Schmidt, afirma que a China vai superar os EUA em inteligência artificial em 2025. Todos esses movimentos contam com o apoio bilionário do Estado chinês, que vão da liberação de recursos, passando pela exigência de transferência tecnológica quando um investidor estrangeiro quer se aproveitar do imenso mercado local até o envio de milhares de profissionais para o exterior. “O governo chinês quer ser reconhecido como um país que investe em tecnologia como uma política pública”, diz Gabriel Vouga, professor de economia do Ibmec. “Esses intercâmbios são formas de garantir que o profissional traga novas tecnologias para a China.”

No mercado de tecnologia, há dois conceitos fundamentais. Um deles é o efeito rede, que diz que quanto mais pessoas utilizam um serviço, maior o seu valor. O outro é de que o vencedor leva tudo, indicando que o líder dificilmente será batido. Essas ideias ajudaram na consolidação do Google na área de buscas e do Facebook em redes sociais. Se a inovação se desloca para a China, inevitavelmente os EUA perderão a hegemonia e o eixo do globo se moverá para um novo Vale do Silício. Para os chineses, será somente um retorno. Não à toa, chamam seu país de Zhongguo, que significa “Império do Meio”, pois um dia acreditaram estar no centro de tudo que existe.