Um mundo povoado por carros voadores ainda precisaria de um fabricante de pneus? Essa pergunta vale US$ 4,1 bilhões para a Goodyear, o seu atual valor de mercado. Por isso, a empresa americana aperfeiçoa o Aero, protótipo de pneu equipado com uma hélice propulsora capaz de movimentar veículos em vias terrestres e no ar. Também de olho no amanhã, a montadora japonesa Toyota anunciou neste mês que trabalha na construção de um carro elétrico com potencial de rodar 10 mil quilômetros na superfície da lua e auxiliar os astronautas em missões espaciais. O veículo deve estar disponível em 2029. Dez anos.

Esse é o horizonte de tempo mínimo que as empresas consideram para montar um cenário futuro e entender os rumos do mercado em que atuam para se adiantarem às demandas. Até pouco tempo, esse exercício era feito por meio de relatórios nos quais as consultorias apontavam as tendências e guiavam a estratégia das companhias. Agora, esse treino está mais palatável, com a utilização do design fiction. Essa ferramenta da futurologia utiliza narrativa ficcional para dar vida a novas realidades e auxiliar as empresas a entender como podem ser úteis nesse potencial amanhã. “Isso engloba avaliações de aspectos geopolíticos e de mudança social”, diz Cesar Taurion, sócio e especialista em transformação digital da Kick Ventures.

A Embraer é uma das primeiras companhias brasileiras a adotar a técnica com intuito de incentivar uma visão de futuro entre seus colaboradores. Para isso, os engenheiros foram convidados a criar um roteiro de ficção no qual imaginaram o futuro da aviação a partir de notícias reais, que serviram de base para as especulações sobre o setor. “A imersão foi completa. Os colaboradores também representaram os personagens que criaram. A atividade deu origem a três curtas-metragens”, diz Lidia Zuin, diretora de inovação da Up Lab, laboratório de projetos transmídia que promoveu, com parceiros, a atividade.

A arte de contar histórias usando técnicas de roteiristas e escritores do universo ficcional começa a ser adotada pelas grandes empresas para suprir a necessidade de melhorar a comunicação com os funcionários. O método incentiva os colaboradores a criar empatia pelos conceitos de novos produtos. Mas não só. Não dá para esconder o fato de que as áreas de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) das empresas não conseguem mais dar conta, sozinhas, de tanta inovação em alta velocidade em todos os segmentos.

“Em 99% dos casos, a técnica é usada para incentivar a inovação entre os colaboradores ”, diz Ari Popper, presidente da Scifutures, umas das empresas americanas pioneiras em prestar esse serviço. De acordo com Popper, as empresas começaram a adotar tais exercícios com mais frequência há cerca de cinco anos. Nesse período, a Scifutures coleciona grandes clientes em seu portfólio, como a Visa, cujo projeto foi a construção de um carro interativo pra demonstrar aos funcionários de que maneira os pagamentos móveis em transporte particular podem funcionar no futuro. A Pepsi quis recriar um mundo sem garrafas plásticas. A Ford, por sua vez, se apropriou da narrativa para vislumbrar uma sociedade que não compra, e sim compartilha carros. Esses exercícios podem resultar em um roteiro de ficção, filme, programa interativo ou protótipo. “À medida que os colaboradores conseguem suspender a descrença de potenciais fracassos, há mais espaço para a criatividade”, diz Zuin.

Os itens clássicos da ficção científica são imaginários. E justamente por essa característica incentivam a inventividade. Tanto que muitas das invenções que fazem parte da nossa rotina, como o smartphone, apareceram primeiro em livros ou no cinema. “Na ficção, os produtos não recebem feedback nem ações judiciais”, escreve em um manifesto o americano Bruce Sterling, um dos mais respeitados autores de ficção científica, que cunhou o termo “design fiction” em 2005. A Uber já pensa em cidades povoadas por carros voadores, por isso está criando uma narrativa para prospectar o potencial lançamento de sua frota, de acordo informações da Amy Gibbs, sócia da PwC, num relatório sobre o uso da técnica para explorar a inovação nos negócios. O investimento para a criação desses exercícios não é baixo. “Nos Estados Unidos, os workshops custam, em média, US$ 45 mil”, diz Popper, da Scifutures. “Mas isso depende, pois é um serviço altamente customizado”.


“Entender uma situação hipotética do futuro abre espaço para a criatividade”

Lidia Zuin, diretora de inovação do laboratório de projetos transmídia Up Lab, é uma das facilitadoras dos exercícios de design fiction no Brasil

O que é design fiction?
É uma metodologia que usa técnicas narrativas de ficção científica para tornar palatável alguma situação no futuro. O que incentiva a criatividade tanto no meio corporativo, quanto na publicidade e nas artes.

Qual a sua maior utilização?
Geralmente as empresas buscam a técnica para melhorar processos internos. O objetivo é auxiliar os colaboradores a entenderem uma situação hipotética no futuro, e assim promover maior espaço para criatividade, inovação. Isso ajuda no desenvolvimento de novos produtos.

Nos Estados Unidos, o método já é bastante difundido. E no Brasil, há demanda por esse serviço?
Isso ainda é muito novo por aqui, mas há demanda sim. Promovemos um workshop na Embraer no qual os engenheiros fizeram o papel de roteiristas e foram convidados a criar uma história de ficção científica sobre o futuro da aviação, conectando notícias reais com especulações do setor. Isso resultou em três curtas-metragens.

Como mensurar resultados utilizando design fiction?
Não existem métricas tradicionais de mensuração de resultados, como nível de engajamento ou o quanto isso gerou de receita para a empresa. No caso da Embraer, o objetivo do exercício era incentivar a criatividade, dar espaço para especulações. É difícil quantificar. Conseguimos colher alguns dados, como o numero de hipóteses criadas – neste workshop, foram 150.


Experiências também na arte

Técnicas do design fiction não são utilizadas apenas por empresas. Nas artes, a ideia é ser o oposto do uso corporativo. A pesquisadora e artista brasileira Luiza Prado, fundadora de “A Parede”, consultoria de design em educação baseada em Berlim, lançou em 2014 um exercício sobre o futuro político do Brasil chamado “Brasil, julho de 2038”. Por meio dele, a artista imagina as consequências que a sociedade brasileira iria enfrentar na situação hipotética de o País ser governado por uma coalizão partidária altamente conservadora e neoliberal. A partir dessa suposição, ela simula a timeline de uma rede social com notícias fictícias. A ficção termina em 2038, depois que um grupo de justiceiros invade um campus universitário e mata 33 pessoas. “No nosso trabalho, fazemos questão de distanciá-lo dos interesses do mercado”, diz Luiza Prado.