Quando mudei com minha família para Nova York no início dos anos 2000, alugamos um apartamento e tivemos que comprar absolutamente tudo, de toalhas de banho e panelas até a lixeira da cozinha. Foi quando me perguntei: onde encontrar tudo que preciso para montar uma casa em um lugar que seja conveniente, com variedade de opções de produtos e preços? Lembrando que, na época, a Amazon vendia apenas livros.

Essa é a proposta de valor da Bed Bath & Beyond (BBBY). Um marketplace com quase tudo o que existe em utensílios para a casa, dos mais básicos aos mais elaborados, com vários níveis de preços e dispostos em lojas grandes, bem estocadas e convenientemente localizadas. E mais: a empresa ainda oferecia uma série de cupons de desconto, que vinham com o jornal e traziam sempre boas promoções. Alguns cupons davam 10% de desconto no total da compra, outros traziam US$ 20 dólares de desconto em um item específico; vários desses cupons inclusive podiam ser combinados em uma mesma compra, permitindo um desconto ainda maior. Numa cultura como a norte-americana, em que não se paga preço cheio por quase nada, os cupons ofereciam (e oferecem até hoje) vantagem importante e, de fato, fidelizavam o cliente.

Nos anos 2000, esse modelo de negócios encontrava um eco positivo no mercado financeiro. As ações da empresa tinham performance superior à do mercado em geral. Depois da crise de 2008, onde todos os segmentos da economia sofreram, o mercado continuou a privilegiar as ações da companhia. Até o momento em que o lucro operacional da empresa começou a despencar. E, com ele, seu valor de mercado.

O que aconteceu foi que a partir de 2015 o modelo de negócios da empresa foi atacado por todos os lados, tanto online quanto off-line. Competidores como Wal-Mart e Target ocuparam parte do nicho que pertencia à Bed Bath and Beyond, e a Amazon foi ocupando o espaço de todos. Mesmo com o crescimento do bolo, a fatia da BBBY foi ficando cada vez menor.

A companhia demorou a perceber que o consumidor atual busca mais do que comprar um produto. Ele busca uma experiência de compra. E, ao longo dos anos, comprar na BBBY passou a ser uma experiência sofrível: lojas confusas e mal organizadas, muitas vezes bagunçadas; o estoque grande, com muitas marcas do mesmo tipo de produto, virou desvantagem: o cliente de hoje quer saber qual é o melhor, o pior, e o melhor custo-benefício (a Amazon faz isso muito bem, com produtos identificados no site como ‘Amazon’s choice’); e-commerce pouco desenvolvido e mal gerenciado, sem a experiência multicanal que a maioria dos varejistas vem oferecendo; e o pior: uma percepção de que os cupons de desconto não representam mais vantagens, e são somente uma maneira de igualar o preço da loja ao preço da concorrência (o que não é verdade).

Enfim, um retrato da velha economia.

Tendo dito tudo isso, de um ponto de vista de Value Investing, o mercado parece estar nos dando uma oportunidade. Uma série de fatos que ocorreram durante o ano de 2019 nos faz chegar a essa conclusão.

Primeiro, e talvez o mais importante: a administração da companhia foi completamente alterada. Os membros do conselho, diretores e CEO da BBBY foram substituídos por líderes com significativa experiência no mercado varejista atual.

Isso foi fruto da influência de investidores “ativistas”, que identificaram na companhia uma oportunidade significativa de turnaround.

Um outro fator é o balanço. Durante o ano, a empresa aumentou significativamente o volume de caixa e reconheceu prejuízos referentes ao valor de ativos intangíveis, trazendo-os para cerca da metade do que eram ao final de 2018. Além disso, uma série de iniciativas está em curso. Até o final do ano a empresa fará uma liquidação de estoque encalhado, trazendo esse capital de giro de volta para o balanço. A nova gestão também está fazendo uma revisão completa das lojas, e pretende fechar cerca de 40 delas. Uma revisão profunda das propriedades e dos contratos de leasing ocorrerá durante todo o ano de 2020, propiciando oportunidades para operações lucrativas. Além disso, a empresa possui diversas marcas que fogem ao seu negócio principal, são pouco rentáveis e desviam a atenção da gestão. A venda desses ativos deve gerar valor significativo para o balanço.

Outra iniciativa essencial é a completa reorganização da cadeia de suprimentos, que deverá trazer importantes ganhos de escala. Amarrando as pontas de tudo isso estão uma faxina geral nas lojas (melhor organização e disposição dos produtos, além de treinamento de pessoal), cortes de despesas corporativas e uma completa reconstrução do e-commerce.

Como value investors não acreditam somente no que diz a companhia, fomos conferir pessoalmente esse discurso, visitando lojas e conversando com funcionários e clientes. Apesar de estar no começo, esse turnaround parece realmente estar acontecendo. As lojas estão mais organizadas e o estoque está mais bem distribuído.

Os funcionários estão atenciosos, com sorrisos no rosto, sabem informar sobre os produtos e não esperam sequer ser perguntados. O site de e-commerce está bem mais fácil de navegar. E os cupons de desconto continuam firmes e fortes.

A BBBY vai se transformar em uma Amazon? Provavelmente não. Porém, uma melhor gestão de balanço, maior eficiência operacional e combinação de lojas físicas com o canal online serão geradores de valor acima do que o mercado precifica hoje. Nosso modelo indica que essas iniciativas poderão trazer tanto uma ampliação de lucros como um aumento do múltiplo.

A Bed Bath & Beyond pode até não ser muito conhecida no Brasil, mas achei importante compartilhar esse case aqui por duas razões: acredito que ele é um bom exemplo do olhar que o value investor deve ter e porque o conceito por trás dele pode ser essencialmente aplicado na análise de outras companhias. Para quem se interessa pelo assunto, esse é um caso que vale a pena desenvolver.

Enquanto o pessoal da BBBY vai trabalhando para colocar a casa em ordem, vamos esperando, recebendo os dividendos… e acompanhando essa faxina de perto.