“Bill, obrigado. O mundo é um lugar melhor”.

Eternizado na capa da revista Time, o agradecimento de Steve Jobs a Bill Gates por ter salvo a Apple da falência em agosto de 1997 com um investimento de US$ 150 milhões é apenas uma das cenas que marcou a “rivalidade amistosa” dos dois maiores gênios da computação, mais precisamente, dos criadores dos fundamentos que nos trouxeram até aqui, na revolução 4.0.

Dez anos depois, em 2007, os dois se encontraram em uma entrevista histórica em que recordaram os dias difíceis em que começaram a construir os primeiros protótipos, cada um do seu lado, das indústrias de hardware e software.

A história é conhecida: Jobs sempre apostou no design impecável – dos Apple I e II, em 1976 e 1977, ao iPhone em 2007 – com sistemas operacionais que só funcionam nos equipamentos da marca; enquanto Gates colocou todas as fichas em softwares que poderiam ser executados em qualquer equipamento, incluindo os da Apple.

A teimosia de Jobs sempre foi considerada pelos analistas como um grande risco que poderia levar a maçã a apodrecer. Mas a obsessão da Apple em lançar produtos únicos, revolucionários, sempre com sua visão de “pensar diferente”, se mostrou, ao menos até aqui, uma decisão acertada. Foi sua persistência na inovação que a levou ao topo – a primeira empresa (7 anos após a morte de Jobs) a alcançar em agosto passado o valor de US$ 1 trilhão!

Fonte da imagem: Business Insider

Eu cresci na classe média, na baixa classe média, e nunca me importei muito com dinheiro. Eu olho para nós como os dois maiores sortudos do planeta porque encontramos o que amamos fazer e estivemos no lugar certo na hora certa. É difícil ser mais feliz”, disse Jobs sobre seu sentimento em relação ao que ele e Gates tinham realizado e que veio a digitalizar o destino da humanidade.

Talvez o desprendimento pelo dinheiro tenha trazido a coragem necessária para arriscar tanto e, ao final do dia, mesmo não tendo recebido a graça de estar vivo pra ver, edificar a primeira empresa trilionária do planeta (a segunda foi a Amazon, que será tema do meu próximo artigo).  

Depois de chegar ao ápice, as perguntas que ficam são: o que o futuro reserva para maçã? Como ela continuará se mantendo saborosa? O que fazer para não perder seu appeal?

Minha dúvida é se a empresa mudaria sua crença fundamental e começaria a desenvolver softwares para qualquer tipo de hardware (assista o minuto 16 do encontro histórico com Bill Gates).

Será que a Apple abriria sua da plataforma de voz (Siri) para desenvolver aplicativos para uma infinidade de dispositivos na nascente era da Internet das Coisas – de telefones a geladeiras, de carros à casas inteligentes, de smartspeakers a qualquer coisa que possa ser comandada por sua voz? Será que pela primeira vez em sua história, ela irá dissociar um sistema proprietário de seus hardwares e permitirá que outros fabricantes embarquem sua tecnologia de voz em produtos de outras marcas?

Me parece óbvio que o futuro dominado pela IoT criará (já está criando), uma disputa acirrada pela sua voz. E me parece evidente também que se mantiver a Siri exclusiva para seus hardwares, há uma grande chance da Apple ficar muda, assistindo concorrentes como Amazon, Google, Samsung e a própria Microsoft do amigo-rival Gates abocanharem novos mercados na indústria de eletrônicos, eletrodomésticos, automóveis e outras tantas que irão fabricar coisas conectadas.

A recuperação da Apple de uma quase-falência para se tornar a primeira corporação de US$ 1 trilhão parece desafiar todas as regras do capitalismo e ser um golpe de sorte. O fato é que Jobs conseguiu construir uma legião de amantes de seus produtos, especialmente o iPhone, que se tornou objeto de desejo dos Apple-maníacos e o responsável por 56,15% da receita (venda de 413 milhões de aparelhos) de US$ 53,3 bilhões e um lucro líquido de US$ 11,52 bilhões apenas no segundo trimestre deste ano.

No início de setembro, a marca lançou seus novos produtos, entre eles a nova linha de iPhones e o watchOS 5, que integra um aplicativo para realizar eletrocardiograma. Não dá para dizer que os novos equipamentos são surpreendentemente inovadores; é um pouco mais do mesmo, mas a empresa continua acreditando, e tem razões para isso, que o amor por sua marca continuará seduzindo seus leais consumidores a continuar trocando seus smartphones pelas novas versões.

Mas será que o sucesso do iPhone continuará sendo suficiente para manter a Apple no topo entre as empresas mais valiosas do Globo?

Desde que Steve Jobs e Steve Wozniak lançaram o Apple I a empresa vem assinando a evolução dos computadores e colaborando para cada uma de suas mais significativas mudanças em maior ou menor proporção. Wozniak teve papel importante no desenvolvimento dos teclados. O Macintosh foi o primeiro computador a utilizar ícones e mouse em 1984.

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A partir dos anos 90, o ‘touchscreen’ começa a fazer parte de nosso dia a dia e sua popularização veio com o iPhone, que abriu as portas de uma nova geração de smartphones com telas interativas. A Apple já tinha incursionado nesta seara, em 1993, ao lançar o MessagePad, que foi um fracasso de vendas, ao contrário do seu descendente atual, o iPad.

Nesta sequência da linha do tempo das interfaces, vivenciamos atualmente a ascensão dos comandos por voz. Por isso, não me surpreenderia, e não imagino outra saída, se os executivos da Apple estiverem pensando em um novo modelo de negócios que transponha a fronteira do hardware, oferecendo licenças da Siri para dispositivos de outras marcas.

Integrada ao iOS desde 2011, o software Siri foi desenvolvido pela Siri Inc, cujos donos eram Tom Gruber, Adam Cheyer e Dag Kittlaus. A companhia desenvolveu um promissor assistente de voz, que recebeu investimentos de mais de US$ 25 milhões antes de ser adquirido pela Apple, em 2010.

Em julho deste ano, Gruber, último dos criadores originais da Siri, deixou a Apple para se dedicar a projetos pessoais após oito anos encabeçando a equipe de Desenvolvimento Avançado da Siri. John Giannandrea, até então chefe de buscas e IA do Google, assumiu seu posto.

Fontes que acompanham de perto o desenvolvimento tecnológico do universo Apple garantem que a contratação tem a ver com melhorias que a assistente de voz precisa realizar para não ficar atrás de outras soluções, como o Google Assistant e a Alexa, da Amazon.

Segundo artigo da Apple Insider, uma possível melhoria para a Siri tem relação com a aquisição da startup Workflow. O aplicativo permitirá que usuários da assistente criem fluxos de trabalho semelhantes aos criados com a Alexa. Na prática, isso significaria melhores comandos de voz para casas conectadas. O site Macrumors também especula que a companhia deve integrar a assistente ao aplicativo de fotos do iOS, o que facilitaria a busca de imagens usando a voz.

Para além da dança de cadeiras, o departamento encabeçado por Gruber deixou de existir para integrar um ecossistema maior, que envolve esforços de machine learning e inteligência artificial. Embora tais mudanças sejam recentes, os boatos de uma possível reorganização na estrutura interna da Apple, visando unir a Siri a outros esforços de Inteligência Artificial da empresa, já davam indícios de que aconteceria, mesmo a Apple negando, sempre que era questionada.

É evidente que a companhia está em busca de seu próximo grande sucesso em espaços como o de saúde, realidade aumentada e carros autônomos. Hoje, as duas principais áreas nas que mais investe em capital humano são Engenharia de Hardware (34%) e Engenharia de Software (28%). A área de Vendas corresponde a 9% e a de Operações a 8%.

Neste percurso, não podemos deixar de observar o HomePod, a resposta da Apple ao mercado de voicebots e que será um campo de provas para a Siri e seus esforços de casa inteligente. Entre seus pares, a Apple é a última a comercializar um assistente de voz doméstico. Para se diferenciar, a marca enfatiza o áudio premium e de qualidade do HomePod como um dispositivo de reprodução de música.

Seja qual for a performance do HomePod no mercado, ele representa uma mudança mais ampla para o mercado doméstico inteligente. A Apple tem um histórico de ser um participante tardio, mas transformador, no mercado de tecnologia. Portanto, o sucesso com o HomePod e potenciais dispositivos auxiliares não deve ser descartado. Mas não podemos esquecer, volto a sublinhar, que o sucesso da empresa irá depender de mais de uma plataforma aberta ao novo paradigma proposto pela era da Internet das Coisas.

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A companhia vem investindo nas mais diversas áreas, como entretenimento, carro autônomo e até a construção de casas inteligentes. Correu riscos e perdeu a liderança nas áreas de inteligência artificial e dispositivos de voz, mas está adiantada no campo da realidade aumentada e virtual. Agora, empenha-se em melhorar a Siri e fazer sua assistente “aprender”.

Quem acompanha a Apple sabe que a empresa é reconhecida por rejeitar repetidamente a sabedoria convencional, apostando em grandes macrotendências e acertando. Foi assim com o mercado de smartphones, quando muitos disseram que um produto assim não poderia ser produzido pela “empresa do iPod”. Jobs provou que todos estavam errados. Mais tarde, investiu em smartwatches e wearables, quando muitos analistas estavam convencidos que era perda de tempo. Hoje, vem apresentando um domínio antecipado na área.

O novo enfoque em IA ​​tem se refletido em suas fusões e aquisições e a companhia se classificou como a segunda mais ativa na compra de startups da área, com um total de 12 negócios nos últimos cinco anos. Os acordos mais recentes incluem as aquisições da Init.ai, da plataforma de imagem REGAIND, e da Lattice Data por US$ 200 milhões. A empresa também já desenvolveu a capacidade de projetar seus próprios chips GPU otimizados para IA, como provou no iPhone X.

Nesta direção da Apple rumo ao futuro, anotem aí, a Siri será (terá que ser, pois definirá o futuro da empresa) o próximo “iPhone”. Para isso, a empresa precisará quebrar seu principal paradigma e, ao invés de embarcar sua tecnologia de voz somente em hardwares próprios, deverá (ao menos deveria) considerar o modelo de plataforma open source.

Isto não quer dizer que a marca mais valiosa do mundo precisará abrir mão de seu DNA disruptivo e sepultar as palavras de Jobs: “Se você ainda não encontrou, continue procurando. Não se acomode”.

 

(*) Omarson Costa é formado em Análise de Sistemas e Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira, registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet

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