Paulo Guedes defende há tempos uma mudança profunda na estrutura tributária brasileira. Logo no começo das conversas, seus ouvintes dividiam-se em dois grupos. De um lado, os céticos, do outro, os iludidos. Quase ao fim do terceiro ano da gestão Bolsonaro a reforma que se desenha no Congresso contraria as duas expectativas. Aos céticos, o recado é que algo deve sair do papel, e aos iludidos a mensagem é que ela não passa nem perto do prometido. Pelo menos é o que indica o relatório preliminar do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), relator do Projeto de Lei 2337/21. O texto reduz drasticamente a incidência do IR para pessoas físicas e empresas e o resultado é uma renúncia fiscal de R$ 57 bilhões em arrecadação em 2022 e 2023.O gap será de R$ 63 bilhões, já que ao fazer a proposta Guedes esperava um aumento de R$ 6 bilhões na arrecadação. Para cobrir esse buraco, uma das alternativas pensadas pelo ministro é a revisão da política de desoneração. Estima-se que entre todos os governos (municipais, estaduais e federal) as isenções e descontos fiscais gerem uma renúncia fiscal de mais de R$ 300 bilhões ao ano. No governo central, essa cifra gira em torno de R$ 180 bilhões.

No Ministério da Economia, a maior preocupação é o que mais poderá ser mudado ao longo da tramitação no Congresso (e quanto isso custará para o governo). Como moeda de troca, Guedes espera que a Câmara avance com a revisão das desonerações fiscais, política que atravessa todos os governos desde 2002 e beneficia de igrejas a empresas de construção civil. Segundo assessores de Guedes, tratar abertamente deste tema agora geraria ruídos com os empresários com os quais o ministro tem tentado se aproximar nas últimas semanas, por fins eleitorais. “Não temos nenhuma definição sobre quais setores poderiam ser reonerados, nem em qual escala. Tudo está sob análise”, disse um assessor próximo ao ministro.

Oficialmente, Guedes diz não se preocupar com os R$ 27 bilhões que serão renunciados em 2022 ou com os R$ 30 bilhões previstos para 2023. Em sua primeira aparição após o lançamento do relatório, no dia 14 de julho, o tom foi sereno. “Isso não está nos preocupando muito agora, porque só com o fato de o PIB voltar a um nível semelhante ao que estava antes da pandemia já veio uma arrecadação R$ 100 bilhões acima do previsto até agora”, afirmou.

Para Carlos Mariano Gonzáles, que foi Secretário Nacional de Tributação (SNT) nos governos Fernando Henrique Cardoso, a serenidade de Guedes é apenas uma formalidade do cargo, porque “todo economista sabe que não se pode contar com linhas hipotéticas de receitas”, disse. “Esse tipo de dedução não pode existir no Ministério da Economia. Duvido muito que Guedes não tenha um plano para compensar essa perda”. Para Gonzáles, caso o ministério não tenha uma forma de compensação, o orçamento do governo central para investimentos fica inviável. “Em ano eleitoral, nem o Congresso nem um governo que busca reeleição deixam acontecer.”

Segundo a proposta, as empresas com lucros de até R$ 20 mil por mês passariam a pagar 5% no primeiro ano e 2,5% no segundo ano, em vez dos 15% atuais. Já a taxação do Imposto de Renda para empresas com lucros acima de R$ 20 mil cai de 25% para 12,5%. O governo havia proposto que a alíquota geral saísse dos atuais 15% para 12,5% em 2022, e 10% a partir de 2023. Para evitar um rombo, o deputado Celso Sabino declarou que o equilíbrio viria da taxação de 20% nos lucros e dividendos e a reoneração da folha de pagamento de mais de 20 mil empresas (entre elas perfumaria e artigos de luxo). Tudo isso, somado a uma redução dos gastos com o funcionalismo poderia render entre R$ 85 bilhões e R$ 100 bilhões. O problema, segundo Guedes, é não ser possível fazer uma transferência direta desse dinheiro. “O Brasil é um País carimbador de recursos. Se eu pegar os R$ 100 bilhões para pagar o Bolsa Família, dirão que não pode. Só depois dos dividendos serem tributados”, disse. O próprio ministro admitiu não ser possível cobrir a renúncia do IR diretamente. “Vão dizer [no Congresso] que não pode”.

DINHEIRO NA CONTA Discutir a gastança ficou mais inconsequente por causa da alta de arrecadação. Entre janeiro e maio deste ano, o governo central recolheu R$ 744 bilhões, alta de 21% na comparação anual, segundo a Receita Federal. Essa cifra expressiva, que foi comemorada pelo governo, mostra o tamanho da máquina de impostos no Brasil. A título de comparação, entre janeiro e maio de 2013 (antes da primeira crise econômica desta década) a arrecadação, com correção monetária, foi equivalente a R$ 716 bilhões. Nesta mesma base de comparação, em 2013 o Brasil possuía 7,3 milhões de desocupados. Hoje são mais de R$ 14,7 milhões.

Então, como o governo consegue arrecadar mais com menos gente empregada? A resposta quem nos dá é Hélio Silva, professor de macroeconomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para ele, esse dado está relacionado ao aumento progressivo dos impostos do consumo. E prova como o imposto onera mais quem ganha menos. “O aumento de 4% na arrecadação e um avanço de 100% dos desocupados. Isso significa que oneramos mais uma fatia maior de brasileiros”, disse. Segundo Silva, essa pressão não vai parar por aí. O governo precisará encontrar formas de compensar essa renúncia. “E mesmo que o benefício chegue a alguns empresários, a conta será cobrada de todos, com algum tipo de CPMF ou imposto por transação digital.”

ALÍVIO SUPERFICIAL
Proposta de Celso Sabino aprofunda a tributação sobre os pequenos empresários

Divulgação PROPOSTA Deputado Celso Sabino, relator da reforma tributária, trata do tema na Câmara. (Crédito:Divulgação)

Apesar de representar um avanço em relação à proposta original apresentada pelo Ministério da Economia no fim de junho, o texto do relator Celso Sabino (PSDB-PA) apresentado na terça-feira (13) não resolve todas as distorções criadas pelo projeto anterior. Uma das mudanças mais drásticas em relação à primeira versão é que Sabino está propondo ampliar a isenção da tributação de dividendos para todas as empresas. Em contrapartida, o limite de isenção pode cair drasticamente, dos R$ 20 mil propostos anteriormente para R$ 2,5 mil, o mesmo limite de isenção dos assalariados. Sabino declarou que a medida poderia provocar uma perda de arrecadação de R$ 3 bilhões por ano, mas que reduziria o risco de “pejotização”, processo pelo qual trabalhadores assalariados tornam-se pessoas jurídicas (PJ) para reduzir os impostos retidos na fonte e as contribuições para o INSS.

Mesmo a versão anterior, de tributar a partir de R$ 20 mil, é bastante regressiva, avalia o diretor tributário da empresa de auditoria Crowe, Bernardo Pereira. Segundo ele, a grande maioria dos dividendos pagos no Brasil é de pequeno valor, e servem como remuneração para empresários de pequeno porte. “Pela nossa avaliação, no ano passado 20 mil investidores pessoa física receberam R$ 230 bilhões em dividendos isentos” disse ele. São grandes empresários e proprietários de grupos econômicos. Na ponta do lápis, a tributação sobre eles é pequena, não chegando a 2%, exatamente devido à isenção sobre os dividendos.

Segundo Pereira, apesar da proposta de redução mais significativa da alíquota para as empresas, a queda efetiva do imposto é pequena. Pelas suas contas, a versão original elevaria em nove pontos percentuais a arrecadação sobre as empresas. Agora, a proposta de Sabino reduz a carga em quatro pontos percentuais em relação à situação atual, sem reforma.

No caso das pessoas físicas, Pereira é ainda mais crítico. Para ele, a atualização monetária do limite de isenção – que permaneceu subindo dos atuais R$ 1,9 mil para R$ 2,5 mil – não será compensada pelo limite de R$ 40 mil para a apresentação da Declaração de Ajuste Anual pelo modelo simplificado. Na grande maioria dos casos, em especial para quem não tem grandes despesas médicas e tem poucos dependentes, a declaração pelo modelo completo representa uma cobrança maior. “A Receita deu com uma mão e tirou com a outra no caso da pessoa física”, disse Pereira. (Cláudio Gradilone)

Infográfico: Evandro Rodrigues