Uma mulher negra ganhou o Big Brother Brasil em sua vigésima edição, encerrada na segunda-feira passada. Thelma Assis, a Thelminha, desconhecida do público até entrar no programa, tem uma história dessas que encantam: foi adotada com alguns dias de vida pela família que a educou e ajudou a conseguir uma bolsa de estudos para se formar em Medicina, sem nunca se opor ao seu desejo de também ser dançarina e passista de escola de samba. Fez o curso sem dinheiro para comprar livros ou um estetoscópio seu. Tem 35 anos e é casada há dez com o mesmo marido, fotógrafo.

Longe de ser um experimento científico ou social, o BBB é só um programa de TV de puro entretenimento. A cada edição, participantes como Thelminha são escolhidos a dedo, entre milhares de possibilidades, para compor uma mistura ao mesmo tempo explosiva, palatável e midiática durante os três meses de aparições diárias em horário nobre (ou 24 horas por dia para quem paga a assinatura).

Não é estranho, portanto, que no Brasil de 2020 o BBB tenha sido montado com uma receita que incluiu homens (quase) das cavernas e mulheres (quase) empoderadas, mas donas de algum repertório básico para discutir machismo e feminismo. Uma batalha dos sexos moderna e explícita desde o primeiro dia, liderada por elas, para bombar junto a uma audiência que está sensível ao tema. Basta ver o que acontece nas redes sociais – no dia em que uma participante sacou sua “sororidade” para justificar o voto contra um dos homens, as buscas pela palavra no Google cresceram 250%.

Thelminha acrescentou o racismo nas discussões do BBB com a ajuda do ator Babu Santana, o outro negro entre 20 participantes, nascido e criado numa favela do Rio. A receita funcionou tão bem que ela foi parar no alto do pódio da votação popular (Babu quase chegou lá; foi o último homem a ser eliminado).

Considerando que o programa seguiu um roteiro milimetricamente pensado, fica claro o exagero das redes sociais e de boa parte da cobertura na mídia ao celebrar a conquista de Thelminha como uma vitória das mulheres, das negras e do feminismo. Ela não é ativista dessas causas, nem foi sua motivação para se inscrever no BBB. Seu negócio era ganhar visibilidade, e o prêmio. A vitória foi da produção, ao acertar o alvo do interesse do público: ver as mulheres liderando a casa e o jogo.

Isso diminui a importância da conquista pessoal de uma mulher, negra e desconhecida até algumas semanas atrás? De jeito algum. Além desses predicados que contaram tanto para a identificação do público com ela, Thelminha tem ainda os méritos da resiliência, da autenticidade e do desapego em tocar a vida diante das câmeras para sair com 1,5 milhão de reais na conta bancária. Não é pouco.

Já as causas das mulheres, das negras e do feminismo ganharam o seu quinhão generoso de visibilidade, o que também não é pouco. Porque, além de sororidade, o BBB tratou de machismo, de relacionamentos tóxicos, de orgulho negro e de preconceitos em geral, quase diariamente, em horário nobre. Caprichou na edição para deixar a liderança feminina aflorar e parecer natural num cenário em que nada é natural – nem a grama.

A desigualdade de gênero ou o racismo estrutural não serão resolvidos em um tabuleiro como o do BBB, a gente sabe. Nem nesta, nem na próxima edição. Mas não se pode negar que, desta vez, o programa prestou um bom serviço.