“Aguerra da Ucrânia está para o agronegócio assim como a pandemia está para a indústria da saúde.” Dita por Luiz Chacon, CEO da Superbac, empresa de biológicos, a frase veio bem a calhar. Significa que os produtores rurais têm uma grande oportunidade de evoluir mais rapidamente em tecnologias que já existem no campo, mas cuja aplicação era marginal até agora. Assim como ocorreu com a telemedicina, por exemplo. Dentro da porteira e nos centros de pesquisa do agro nunca houve motivos tão urgentes para que a produção de biotecnologia entrasse de vez no radar dos mandachuvas do setor.

Grande consumidor de fertilizantes, com mais de 40 milhões de toneladas por ano, sobretudo do composto NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), o Brasil se tornou refém indireto da decisão de Vladimir Putin de invadir a Ucrânia em fevereiro. Com mais de 20% dos fertilizantes usados em terras nacionais vindos de lá, sobretudo o potássio (cuja participação russa é de 26%), o agricultor teme os impactos que a falta do insumo possa causar na produção de commodities como o café, milho e soja.

Para tentar amenizar a ameaça, a ministra da Agricultura e Pecuária, Tereza Cristina, mudou o rumo do que é chamado nos bastidores de Brasília como Diplomacia dos Fertilizantes. A estratégia iniciada em novembro do ano passado era concentrar esforços na relação com a Rússia para garantir o fornecimento dos fertilizantes mesmo após os embargos orquestrados pela União Européia para as exportações feitas pela Bielorússia, segundo maior vendedor da matéria para o Brasil. Agora a prioridade é o Canadá, quarto maior produtor global com 11,8% de participação. Mas a solução para uma boa parte do problema pode estar mesmo dentro de casa.

O uso de micro-organismos do solo pode ser a resposta de que o Brasil precisa. O uso de biofertilizantes já está em curso há alguns anos no País. Em culturas como café e arroz conseguiram ser protagonistas tornando o Brasil o líder mundial em produção orgânica. Na lavoura de hortifrútis, as técnicas agroecológicas também ganharam mais adeptos após a pressão dos consumidores por alimentos mais saudáveis. Já na soja, no milho e no algodão, o papel dos biológicos tende a ser menor sendo usado com o NPK.

Essa limitação se dá porque, com a tecnologia atual, os biológicos sozinhos dificilmente conseguiriam entregar aos produtores a mesma escala de produção que fez do agro nacional o 1º exportador global em soja; o 2º, em milho; e o 4º, em algodão. O que os estudos vêm comprovando, porém, é que com investimento em pesquisa e desenvolvimento, o cenário pode ser revertido.

Na Embrapa, maior entidade científica ligada ao setor, pesquisadores em busca da solução para corrigir a carência de fósforo no solo brasileiro encontraram duas bactérias do gênero Bacillus que atuam em dobradinha, uma no solo e a outra na planta, liberando o fósforo que está preso na terra para a planta absorver. Na safra 2019/20, o micro-organismo foi utilizado em 300 mil hectares de milho e soja. Na safra 2020/21, em 1,5 milhão de hectares e na 2021/22 a perspectiva é que chegue a 4 milhões de hectares. Nas 238 áreas de produção de soja analisadas, o ganho líquido foi de 4 sacas/ha.

Essa talvez seja a melhor saída para reduzir a dependência brasileira da importação de fertilizantes. Mesmo que o governo consiga, a toque de caixa, trazer insumos que viriam da Rússia de mercados alternativos como Canadá, Jordânia ou Marrocos, o País continuaria vulnerável a questões geopolíticas que não estão sob seu controle. Além disso, os biofertilizantes mostram-se opções mais viáveis do que a produção doméstica dos insumos minerais. Primeiro, porque o Brasil ainda não tem mapeadas minas de potássio, processo que é de longo prazo e requer capital intensivo. Segundo, os biológicos, com possibilidade de venda mais imediata ao mercado, não agridem o meio ambiente como os minerais. Ao contrário, ajudam no sequestro de carbono. Finalmente, porque a tecnologia para sua produção é nacional e não canadense, russa ou de outros países que acabariam por explorar o solo brasileiro retendo o conhecimento e enviando divisas para fora da fronteira. Eis uma chance de quebrar um ciclo histórico que no Brasil parece se repetir indefinidamente com a ajuda dos governantes.

Lana Pinheiro é editora de ESG da DINHEIRO e editora da Dinheiro Rural