Como presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o engenheiro mecânico mineiro Robson Braga de Andrade está à frente do que pode ser considerado o momento mais desafiador da história do setor industrial do País. Um cenário pós-pandêmico que mistura setores desequilibrados por políticas de isenção, novos hábitos de consumo e a estagnação brasileira em rankings globais de produtividade e inovação. Os dados internos, porém, podem começar a mostrar um pouco de luz. A pesquisa Indicadores Industriais, recém-divulgada, mostra que o faturamento real ultrapassou o patamar do início do ano, mas ainda está 3,9% abaixo do registrado no mesmo período de 2019. Para Andrade, a volta dos investimentos robustos só acontecerá com redução “das incertezas e promoção de um cenário de maior previsibilidade”.

MELHORES DA DINHEIRO — As expectativas de que o atual governo apresentasse uma política industrial se frustraram. Caberá às lideranças do próprio setor conduzir as demandas para que isso ocorra. Falta maior assertividade para impor uma alternativa à narrativa única da equipe econômica de Paulo Guedes e do presidente Bolsonaro?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE — A defesa da agenda de política industrial cabe às lideranças industriais e o setor privado tem feito a sua parte. Nos dias 17 e 18 de novembro teremos o Encontro Nacional da Indústria, que debaterá, entre outros temas, a reforma tributária e os instrumentos para aumentar a produtividade das empresas, que é o que o Brasil precisa.

Quais os desafios principais da agenda industrial?
Temos um desafio duplo no que diz respeito à competitividade industrial. A primeira agenda é de remoção de uma série de entraves à competitividade, que é urgente. A segunda, olhar para o futuro.

E o que ela pede?
Implementar uma agenda da política industrial que indique o caminho para o desenvolvimento de competências, aumento da produtividade das empresas, agregação de tecnologia à produção, mudança da estrutura industrial e avanço tecnológico. Em 2018, as propostas da CNI aos candidatos à presidência da República tratavam desse duplo desafio.

E isso está sendo atendido por este governo?
Atualmente temos políticas industriais no Brasil totalmente convergentes com o que a CNI defendeu. Houve a criação, pelo governo, da Câmara Brasileira da Indústria 4.0, que reúne entidades do setor público para desenvolver instrumentos rumo à Quarta Revolução Industrial, que já está em curso. Temos hoje também a Inovacred 4.0, linha voltada para a administração de empresas de médio porte, e nova linha Bndes-Serviços 4.0. Ambas foram elaboradas com a participação da CNI. Outra ação importante foi a criação do Brasil Mais, elaborado em parceria pelo Ministério da Economia e Senai, focado no aumento da produtividade.

Um cenário positivo, então?
A Indústria tem participado também da mobilização dos setores público e privado para iniciativas de combate ao Custo Brasil, desenvolvidas pelo Ministério da Economia em parceria com associações setoriais e com a CNI. Sabemos que o contexto é desafiador, mas estamos focados e trabalhando no que nos cabe.

Um fator inédito na história recente brasileira é a atual taxa de juros, em 2% ao ano. Isso é decisivo na atração de investimento e abertura de novos mercados?
Sem dúvida ajuda, mas, infelizmente, não é o único fator que define a realização dos investimentos. É necessário reduzir as incertezas e promover um cenário de maior previsibilidade e a capacidade de se planejar em prazos mais longos. Reduzir os custos de se investir — um dos vários avanços que podem ser obtidos com a reforma tributária — também é fundamental. Por fim, também há a necessidade de se reduzir os spreads bancários.

Com quais cenários de câmbio e inflação as empresas começam a definir seus orçamentos 2021?
O câmbio deve seguir desvalorizado e sujeito a muitas oscilações no futuro próximo, devido, principalmente, às dúvidas com relação à questão fiscal. Por um lado, a desvalorização torna o investimento no Brasil mais barato e favorece a exportação. Por outro, aumenta os custos da indústria, ao afetar os preços de insumos importados. Atualmente, essa questão preocupa, pois há pressão adicional nos preços, ainda que transitória, que se deve a um descompasso entre oferta e demanda, devido à pandemia.

Apesar de os indicadores de emprego estarem se recompondo na indústria, no cenário macro ele ultrapassou 13% e uma massa de pessoas não tem procurado trabalho. Para especialistas, quando o auxílio emergencial terminar, ou for reduzido, o porcentual de desempregados poderá chegar a 20%. O senhor acredita nessa avaliação?
De acordo com o IBGE, a pandemia teve como principais no mercado de trabalho o aumento no desalento e crescimento do desemprego (13,8%). Mas dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Caged, já mostram que, entre julho e agosto, houve criação de 390,6 mil empregos com carteira assinada. Em relação ao emprego informal, o fim do auxílio emergencial deve provocar o retorno mais forte dos desalentados ao mercado de trabalho, mas esse retorno já vem acontecendo desde o início da flexibilização das regras de circulação. Além disso, o segundo semestre costuma ser mais positivo em função de férias e festas de fim de ano.

É fato que as reformas tributária e administrativa não serão capazes de resolver todos os problemas que deveriam. As propostas para adequar e simplificar os impostos apresentadas até agora não agradaram a todos os representantes da indústria. Quais são os itens que precisam ser aprimorados nesse debate?
As principais propostas de reforma tributária vão na direção correta de reduzir as distorções do sistema tributário e, consequentemente, aumentar a competitividade da economia brasileira. No entanto, cabe lembrar que o ganho para o País é muito maior nas propostas de reforma tributária ampla, com tributos federais, estaduais e municipais, PEC 45 e PEC 110 [as do Congresso e não a encaminhada pelo governo federal]. O debate está maduro e caminhando para a adequação de pontos importantes, tais como a duração do período de transição, o desenho de um novo instrumento de desenvolvimento regional e o tratamento dado aos créditos tributários remanescentes.

É a principal reforma?
Neste momento, a reforma tributária é a principal agenda para impulsionar a recuperação da economia, por isso deve ser priorizada.

E a administrativa?
A reforma administrativa também é muito relevante para o Brasil e deve ser apoiada, uma vez que busca tornar o serviço público mais produtivo e eficiente, de forma a garantir a sustentabilidade da dívida pública e, sobretudo, prestar um melhor atendimento à população.

Em setembro, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) subiu nos 30 setores da indústria pesquisados. Em 19 deles, a confiança ficou maior que no mesmo mês de 2019. Paradoxalmente, a confiança do consumidor vem caindo. A que se deve essa onda de otimismo na indústria?
No momento mais crítico da pandemia, após a forte queda de atividade industrial em março e, sobretudo, em abril, o cenário ficou muito incerto e as expectativas, muito negativas. A rápida recuperação do setor nos meses seguintes surpreendeu muitos empresários, trazendo essa alta da confiança. Já os consumidores parecem estar respondendo a algumas preocupações mais recentes: a alta dos preços de alguns produtos específicos, importantes em seu padrão de consumo; a redução do programa de transferências de renda promovido pelo governo; e a proximidade do término das medidas emergenciais de suspensão dos contratos de trabalho e redução de jornada e salários.

“A 62ª posição no Índice Global de Inovação é retrato do atraso do Brasil na agenda de ciência, tecnologia e inovação. A colocação é incompatível com o fato de o País ser a nona maior economia do mundo”

O senhor também lidera o MEI (Movimento Empresarial pela Inovação). Neste campo, especificamente, o Brasil ocupa o 62º lugar no Global Innovation Index 2020, entre a Armênia e a Geórgia. O que pode ser feito para sair dessa posição medíocre?
A 62ª posição no Índice Global de Inovação é retrato do atraso do Brasil na agenda de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). Essa colocação é incompatível com o fato de o País ser a nona maior economia do mundo. Estávamos em 66º lugar em 2019, mas o ganho de quatro posições não é motivo para comemoração, pois sabemos que o Brasil continua numa posição abaixo de seu potencial. Para reverter esse cenário, precisamos melhorar o financiamento à inovação, fortalecer parcerias entre governo, setor produtivo e academia, estruturar políticas de longo prazo e priorizar a formação de profissionais qualificados.

No ranking global de competitividade o País continua em penúltimo lugar entre 18 economias selecionadas no ranking geral do estudo Competitividade Brasil, à frente apenas da Argentina e logo atrás do Peru. O que pode ser feito de imediato para que o País se torne mais competitivo?
A CNI elaborou o documento Propostas para a Retomada do Crescimento Econômico, em setembro de 2020, que apresenta 19 sugestões de medidas que podem ser implementadas já. Uma vez implementadas, elas ajudariam a ambiente de negócios, a reduzir o Custo Brasil e a construir a base para que a retomada do crescimento se sustente no longo prazo. Um efeito imediato seria elevar o nível de confiança da economia, atraindo investimentos. A reforma tributária se destaca, pois a tributação é um dos fatores em que a situação de baixa competitividade do Brasil frente a outras economias é mais crítica. Mas, há também medidas nas áreas de infraestrutura, financiamento, inovação, relações do trabalho, comércio exterior e meio ambiente.

A produtividade do trabalho na indústria de transformação brasileira caiu 3,7% no segundo trimestre em comparação com o período anterior. É possível melhorar a produtividade?
Esse recuo nos dois primeiros trimestres do ano é conjuntural. Nos dois últimos anos, antes da pandemia, o crescimento da produtividade do trabalho na indústria perdeu força: cresceu abaixo de 1% em 2018 e 2019. Nos anos de recessão (2015-2016), a produtividade cresceu devido a esforços feitos por empresas e trabalhadores para se manterem no mercado, com base em medidas de baixo custo, como melhorias na gestão (mudanças no layout de produção, por exemplo).

“A energia elétrica é um dos principais insumos da indústria brasileira. A segurança do fornecimento e o seu custo são fundamentais na competitividade”

O Brasil está também entre os países com o maior custo de energia elétrica para clientes industriais e a segunda pior qualidade no fornecimento de energia elétrica. De que forma a redução desse custo impactaria em maior competitividade da indústria?
A energia elétrica é um dos principais insumos da indústria brasileira. A segurança do fornecimento e o seu custo são determinantes fundamentais da competitividade da indústria. O alto custo da energia elétrica é um problema que precisa ser enfrentado pela sociedade de forma geral, pois este é um insumo fundamental para a aumento da produtividade industrial e para a melhoria das condições de vida de todos os brasileiros. Não podemos aceitar esse grande número de impostos, encargos e taxas na conta de luz, que, só em 2019, somaram R$ 33 bilhões.

Qual investimento em infraestrutura logística é mais urgente?
A despeito dos importantes avanços realizados com a transferência para a iniciativa privada da exploração de aeroportos, ferrovias, terminais portuários e trechos rodoviários, persiste uma série de restrições à livre operação dos serviços de transporte. A continuidade e aprofundamento dos processos de concessão e de privatização adotados até o momento são questões chave para aumentar a competitividade do setor produtivo nacional e auxiliar na pavimentação de um novo ciclo de crescimento com base na expansão do investimento. Uma prioridade na área de infraestrutura é a destinação de recursos para a conclusão da grande quantidade de obras financiadas com recursos de União que estão paralisadas. É também fundamental que seja derrubada a tabela obrigatória do frete rodoviário.

Empresas e governos, especialmente na Europa, têm manifestado críticas em relação à política ambiental do governo brasileiro. Há ameaças de boicote pressões para não haver acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Como isso afeta a indústria?
A indústria brasileira tem compromisso inequívoco com a proteção do meio ambiente e a promoção da sustentabilidade. As questões ambientais devem ser tratadas no âmbito da política ambiental, seja doméstica, seja internacional. Elas não podem ser misturadas às questões comerciais. Essa mistura tem o único propósito de defender interesses contrários ao acordo com o Mercosul por razões econômicas. A indústria segue otimista com a aprovação do acordo Mercosul-União Europeia, cujo capítulo sobre desenvolvimento sustentável contribuirá para solucionar as questões ambientais.