A gestão dos gastos públicos mergulha agora no arcabouço de uma contabilidade criativa, manda às favas de vez a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Está nos planos desde a retirada de alguns gastos na meta de resultado primário (receitas menos despesas, exceto juros) e a possibilidade de ajustes dos gastos discricionários (não obrigatórios). Por exemplo: o Pronampe, de financiamento às empresas, o BEm que tenta garantir empregos, além das medidas voltadas ao combate à Covid-19 não entram no cômputo geral; são automaticamente excluídos da meta de déficit primário, como se fossem dinheiro mágico, que saiu ninguém sabe da onde, que será pago quando puder. É uma gritante manobra, aumentando brutalmente a dívida pública para as futuras gestões. Por outro lado, abriu-se margem para que o custeio da máquina saia das prioridades de execução, apesar de considerada despesa essencial. O monstrengo em gestação aumenta sobremaneira o risco de shutdown. É um show de horrores contábeis. E há um grande e eufórico vencedor nessa novela toda: o presidente da Câmara Arthur Lira, que viu suas vontades serem inteiramente atendidas pelo Executivo. Ele, que já mantinha uma influência extraordinária sobre o governo, assumiu poderes capazes de colocar o presidente, e mesmo ministros e auxiliares mais próximos do Planalto, na condição de reféns de seus desígnios. Isso porque Lira passa a ter nas mãos o poder de, a qualquer hora e sob qualquer pretexto, abrir processo contra o governo por malversação de recursos. É a impressão colhida entre a maioria dos parlamentares do Congresso. Segundo eles, Bolsonaro caiu na armadilha e ficou nas cordas. Embora a Câmara possa ser encarada na condição de partícipe da engenharia, sempre será capaz de se defender alegando ter “apenas” aprovado um projeto encaminhado pelo Executivo. Assim, em ultima análise, seria mesmo do Planalto a responsabilidade pelo malfeito. Lira, em incontido entusiasmo, chegou a postar no seu twitter mensagens de comemoração pela conquista. Ele sabe o que fez. E os organismos fiscalizadores, também. O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, acaba de constatar que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) não reservou recursos suficientes para o Ministério da Saúde no combate à pandemia do coronavírus em 2021. Segundo o TCU, até março passado, a pasta da Saúde não havia, por falta de verba, realizado qualquer repasse para estados e municípios em auxílio contra o avanço da crise sanitária. O relatório do TCU, ainda em vias de conclusão, traz dados aterrorizantes sobre o descaso financeiro do governo federal com o assunto, comprovado em números. O trabalho será alvo de análise da CPI da Covid. De acordo com fiscais do Tribunal, “não constam dotações para as despesas frente à pandemia”. Em outras palavras: dinheiro para emendas parlamentares existiu aos montes. Para responder aos efeitos dessa tragédia, faltou. Outro buraco percebido agora pelo Ministério da Economia diz respeito à verba destinada à agropecuária brasileira. No texto do relator Marcio Bittar foram suprimidos R$ 2,5 bilhões para as subvenções econômicas ao setor. A pasta quer a “devolução” de ao menos R$ 1,8 bilhão do orçamento 2021 para a agropecuária. Lembra que, sem essa recomposição, o Tesouro pode ter até de suspender operações ainda em curso no Plano Safra 2020/2021. Além disso, com a restrição de verba, o Plano Safra 2021/2022, que começa em 1º de julho, poderá ser lançado sob risco. Os cortes afetaram principalmente o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que teve redução de R$ 1,35 bilhão. Enquanto isso, como farra pouca é bobagem, a equipe econômica começou a trabalhar em paralelo para barrar o que considera uma “bomba fiscal” ainda mais danosa. É que o lobby de diversos setores por socorros variados do governo durante a pandemia já está beirando a assombrosa cifra de R$ 250 bilhões. Na maioria dos casos são projetos de lei que devem funcionar como alívio às atividades mais prejudicadas. São apelos que vão desde o plano de amparo a produtores de eventos até aqueles voltados para empresas de turismo, donos de bares e restaurantes. A maior parte dos gastos ocorre por isenção de impostos e refinanciamentos de dívidas. O grave é que o Congresso está empenhado em atender a essas demandas para angariar votos. No Planalto, por sua vez, não existe qualquer esforço para resistir à empreitada. O presidente em pessoa tomou a decisão de não mais interferir nos anseios de gastança, venham de onde vierem. Atua como se não fosse com ele. O objetivo agora é ficar de bem com todos e o rombo fiscal que vá ao espaço.

Carlos José Marques, diretor editorial