Desenhada para ser a boia que resgataria empresários que se afundam no mar de impostos do Brasil, a reforma tributária tem mais potencial para afogar do que aliviar a vida dos governadores e prefeitos. Isso porque a drástica redução do Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas esvaziará os recursos repassados pela União para os outros entes federativos por meio do Fundo de Participação dos Estados e Fundo de Participação dos Municípios. Segundo estimativas feitas com base nos repasses de 2019, a redução pode gerar perdas diretas entre 12% e 70%, a depender da importância do fundo nas contas públicas de localidade. Segundo o projeto de lei PL 2337/2021, que tramita no Congresso Nacional, 91,1% da renúncia fiscal será retirada dos cofres de prefeituras e governos estaduais.

O presidente do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Consefaz), Rafael Fonteles, foi um dos primeiros a defender uma revisão da proposta que está na Câmara. Segundo a entidade, a cada R$ 30 bilhões que o governo abra mão na arrecadação, R$ 27,4 bilhões vão sair dos Estados. “O texto é ruim, do ponto de vista tributário, porque fere de morte a receita de estados e municípios”, disse ele, que também é secretário da Fazenda do Piauí. De acordo com os dados do Tesouro Transparente, em 2019, antes da pandemia, os estados receberam por meio do FPE R$ 77,9 bilhões. A Bahia foi o que mais recebeu recursos (R$ 7,4 bilhões) e, segundo cálculos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), também será um dos que mais irá perder com a reforma (-R$ 1,2 bilhão). Ao lado da Bahia, São Paulo (-R$ 1,75 bilhão) e Minas Gerais (-R$1,72 bilhão) também terão perdas bilionárias. Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, a reforma tributária é importante, mas o texto que está em jogo “desvirtuou a proposta inicial”, disse. Pelas contas da entidade, a proposta como está deve subtrair R$ 13,1 bilhões de recursos disponíveis para os prefeitos.

Camila de Almeida IMPOSTO DA EDUCAÇÃO Governador do Ceará, Camilo Santana consegue incentivar prefeitos a investir em educação com bônus no ICMS. (Crédito:Camila de Almeida)

O secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles, estima que a queda de arrecadação paulista gire em torno de R$ 1,1 bilhão, cifra inferior à estimada pela CNM, mas, segundo o secretário, é igualmente danosa. “É uma proposta que tira arrecadação dos estados apenas para financiar a máquina pública federal em ano eleitoral”, disse.

CAMINHOS Para compensar essa perda, o tributarista Emanuel Salazar, que foi secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul nos anos 1990, entende que os governadores podem começar a pensar em alternativas locais. Todas amargas: mais impostos. “Pode ocorrer a criação de novos impostos, o que, para o contribuinte, acaba por esterilizar os efeitos da reforma”, disse. Por determinação constitucional, uma parte dos recursos repassados via FPE e FPM precisa ser investido em educação, saúde e segurança pública o que, para Salazar, tira recursos diretos da ponta. Para contornar a situação, uma solução seria seguir o exemplo do Ceará, governado por Camilo Santana, que usa a distribuição do ICMS aos municípios vinculados ao bom desempenho da educação local. Outros oito estados estão em fase de discussão, aprovação ou implementação de medidas similares.

E se o cenário já era desfavorável para prefeitos e governadores, o Senado tratou de deixar tudo mais complicado ao resgatar a PEC 110, texto que trata da unificação de impostos. O senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que é relator da proposta, já disse que levará seu relatório para o plenário no início deste mês. Em vias gerais, a proposta unifica todos os impostos federais como PIS e Cofins na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e os municipais e estaduais ficariam dentro do Imposto sobre Bens e Consumo (IBS). Em nota, a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) informa que a medida, como está posta, distorce a relação entre municípios de tamanhos diferentes e fere a autonomia dos estados e municípios, determinados na Constituição. Um argumento frágil, já que uma PEC existe para mudar a Constituição. Ao desenrolar o emaranhado tributário, os poderes executivo e legislativo tentam ser os heróis que vão tirar a corda do pescoço dos empresários, mas também poderão ser os algozes que enforcarão os gestores públicos.