Na cerimônia de posse do cargo de ministro das Relações Exteriores, em maio do ano passado, José Serra empunhou a bandeira comercial ao enfatizar a importância das negociações com outros países para abrir mercados aos produtos brasileiros. Trata-se de uma visão que ele carrega desde quando comandou a pasta da Saúde na gestão de Fernando Henrique Cardoso, entre 1998 e 2002. Naquela época, Serra ficou conhecido pela defesa dos medicamentos genéricos no Brasil e no mundo.DIN1004-genericos2

A partir de agora, o chanceler poderá unir os dois temas graças à aprovação de uma emenda da Organização Mundial de Comércio (OMC) que autoriza países pobres a requisitar a quebra de patentes de remédios a quem possui parque industrial avançado. Na prática, significa um sinal verde para que o medicamento seja produzido no Brasil e exportado para os mercados que protocolarem a requisição. Com 110 fabricantes e um mercado de genéricos de R$ 6,3 bilhões, o Brasil é apontado pela própria entidade como potencial beneficiário da decisão.

A cláusula que autoriza o fornecimento externo de genéricos era reivindicada há 20 anos pelos países emergentes. Ela foi votada em 2005, mas só entrou em vigor no dia 23 de janeiro porque precisava ser ratificada por dois terços dos membros da OMC. O Brasil foi um dos principais defensores da reforma, com o ministro Serra à frente, ainda no governo FHC. O debate prosseguiu no governo Lula, que conquistou os votos necessários para modificar a lei de patentes no meio da década passada, por meio do Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual (Trips, na sigla em inglês).

Para a presidente-executiva da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos), Telma Salles, o setor possui capacidade para atender os novos pedidos. Ela ressalta, porém, que a mudança depende de um esforço por parte do governo brasileiro, que precisará autorizar a quebra de patente. A decisão tem um caráter social, pois é voltada para economias mais carentes e envolve preços mais baixos de venda. “A oportunidade que o acordo representa é de demonstrar solidariedade com esses países.” Na avaliação de Stephani Savério, diretor de inovação do laboratório Aché, há uma oportunidade de exportações de um portfólio maior de medicamentos. “Com a entrada em vigor dessa medida, haverá espaço para que sejam exportados produtos de maior valor agregado.”

Os medicamentos genéricos foram autorizados no Brasil em 1999 e já representam cerca de 30% dos remédios vendidos no País, com um portfólio que cobre 95% das doenças conhecidas. No ano passado, o setor registrou um aumento de 12% das vendas em unidades, na comparação com 2015, para 1,1 bilhão de unidades. As receitas somaram R$ 6,3 bilhões, alta de 13%. No mundo, a estimativa é que eles movimentem US$ 421 bilhões (cerca de R$ 1,3 trilhão). É um pedaço desse mercado que a indústria nacional poderá abocanhar.