Agosto de 1958. O secretário do Tesouro americano, John Foster Dulles, vem ao Brasil em missão de conter a expansão do comunismo na América Latina. O presidente Juscelino Kubitschek pleiteava um financiamento de US$ 300 milhões para manter o fluxo de importações brasileiras e obtém o aval necessário para essa operação, com o FMI. Foi nessas circunstâncias que o Brasil assinou seu primeiro acordo com o Fundo Monetário Internacional. Quase um ano depois, em 17 de junho de 1959, JK rompe com o FMI por não concordar com as exigências da instituição para a concessão do financiamento. Essas condições, segundo ele, poderiam inviabilizar a construção de Brasília e a execução do Plano de Metas. Era o começo da relação turbulenta entre o Brasil e o Fundo que perdura deste então. Nos quase 60 anos de existência do organismo, o Brasil sempre esteve presente. Estava na conferência de Bretton Woods, de 1944, que reuniu a nata da economia mundial em torno dos EUA e da Grã-Bretanha. 44 nações discutiram sob a batuta dos anglo-saxões o destino da economia do pós-guerra e a criação do Fundo Monetário Internacional. O Brasil era uma potência, que acumulara uma montanha de reservas com exportações para os países em guerra. Ninguém poderia imaginar que aquela nação promissora se tornaria um eterno dependente da instituição que estava sendo criada. Desde 1958 foram 17 acordos, várias cartas de intenções e quase US$ 100 bilhões de dinheiro do FMI foram negociados.

As posturas mais diversas em relação ao Fundo foram assumidas nessas seis décadas. Depois da ruptura de JK, que já tinha uma conotação nacionalista e desenvolvimentista, os contatos foram retomados nos governos militares, que mantiveram com a instituição um relacionamento de conveniência. De 1965 a 1972 foram assinados oito acordos com a instituição, no valor total de US$ 570 milhões. Era a época do milagre econômico, o País crescia a taxas de 7% ao ano e não precisava de dinheiro ? mas os acertos com o Fundo eram encarados como uma espécie de selo de qualidade ao modelo econômico dos militares. Mas essa fase auspiciosa não duraria. O primeiro grande atrito entre Brasil e Fundo viria com a crise da dívida externa, em 1982. O preço do barril de petróleo bateu a casa dos US$ 40 e os juros praticados nos EUA foram a 19% ao ano. O Brasil chamou uma centena de credores para reestruturar sua dívida, mas não deixou de honrar o débito com o Fundo. ?O FMI era muito mais ortodoxo. Tinha uma enorme dificuldade em entender a indexação da economia brasileira?, conta Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central. A partir da crise da dívida as relações Brasil e Fundo entraram na fase das promessas. O ministro da Economia, Delfim Netto, assinava uma carta de intenções na qual prometia, por exemplo, que a inflação em 1983 não ultrapassaria os 70% ao ano. Um mês depois a previsão já era de 90%. Em dois anos, Delfim assinou sete cartas ? todas descumpridas. Nessa época o Fundo ganhou espaço no imaginário brasileiro. Sucessivas missões do FMI desembarcavam no País sob atenção da mídia. A economista chilena Ana Maria Jul, inspetora do Fundo, tornou-se tão conhecida que um bloco carnavalesco foi batizado com seu nome. O pior, no entanto, estava por vir. Em 1987, o Brasil de José Sarney e Dílson Funaro declarou moratória e foi atirado à condição de pária financeiro. A dívida somava US$ 121 bilhões e as reservas não chegavam a US$ 4 bilhões.

A reaproximação com o Fundo só voltaria a ocorrer anos depois, com o Plano Real. O economista Pedro Malan foi nomeado negociador da dívida externa. Os anos 90 marcaram a volta do Brasil ao mercado financeiro mundial, mas foram um teste de resistência para o FMI. Foram seguidas crises monumentais: México, em 1995; Ásia, em 1997; e Rússia em 1998. No final daquele ano o Brasil voltou a bater nas portas do FMI, recebendo US$ 41 bilhões. A blindagem permitiu que, mesmo com a desvalorização de 44% do real, em 1999, o Brasil não quebrasse. Começava ali uma nova fase da relação, caracterizada pela dependência permanente. FHC, em um exercício modelar de auto-engano, gabava-se dos bons contatos que o País mantinha com o FMI. Em 2001, a crise na Argentina foi o motivo para um novo acordo: US$ 15 bilhões acertados. No ano seguinte, outra crise. A tensão pré-eleitoral elevou o risco-país para 2.200 pontos e o dólar à beira dos R$ 4,00. O presidente do BC, Armínio Fraga, foi negociar um empréstimo que assegurasse a transição do governo FHC para o de Lula. Saiu um novo empréstimo de US$ 30 bilhões, o maior que o FMI concedeu sozinho em sua história. Agora, às vésperas do fim do acordo firmado no ano passado, o Brasil se pergunta: renovar ou não? Eis a questão.