Água que passarinho não bebe, marvada, esquenta goela, canjibrina, pinga, mé, branquinha… Não faltam sinônimos e apelidos criativos para a mais brasileira das bebidas. Mas na capital nacional da cachaça, na cidade paulista de Pirassununga, a água ardente de cana-de-açúcar remete a treta, confusão e intriga. O empresário Luiz Augusto Müller, dono de 33% do capital da empresa e herdeiro da companhia fundada por seu pai (Guilherme Müller Filho, que morreu em 2005), luta na Justiça contra o irmão e acionista majoritário (com fatia de 42%), Benedito Müller, a ex-cunhada Regina Beatriz Berreta, a sobrinha Sarah e até a filha Tatiana pela devolução de R$ 288,6 milhões. A cifra, corrigida a valor presente, chega a cerca de R$ 700 milhões, segundo ele. Essa seria parte do Lucro à Disposição da Assembleia (LDA), que teria desaparecido dos balanços entre 2008 e 2020. Luiz acusa não apenas os integrantes da família, mas também José Emilio Bertazi, atual diretor-administrativo e financeiro da companhia, e Ricardo Gonçalves, ex-presidente do Conselho de Administração e ex-executivo de Nestlé e Parmalat, pelo desvio da quantia. “Os balanços, completamente contaminados e maquiados, foram aprovados pelos acionistas em assembleia e esse dinheiro sumiu”, afirmou Luiz Müller à DINHEIRO. “Não importa se é meu irmão ou minha filha. Terão de devolver o dinheiro.”

Dos cerca de R$ 700 milhões cobrados judicialmente, o empresário calcula que R$ 120 milhões devem ir para a sua conta. Müller presidiu a empresa de 1978 a 1995, depois entre 1999 e 2005, mas foi afastado pela Justiça, a pedido dos sócios, por supostos erros de gestão, retiradas milionárias do caixa e gastos considerados elevados em campanhas publicitárias na Rede Globo e no SP Fashion Week enquanto esteve no comando. A Justiça o condenou a devolver R$ 13 milhões. No ano passado, a Companhia Müller de Bebidas faturou R$ 850 milhões e, segundo a consultoria Euromonitor International, a empresa detém 21,1% de participação no segmento de cachaças (dado de 2018). Há 15 anos eram quase 40%.

LÍDER DA CACHAÇA Com a caninha 51, a empresa faturou R$ 850 milhões no ano passado e responde por mais de 20% do mercado. (Crédito:Divulgação)

Atualmente, Müller segue impedido de fazer retiradas da empresa e diz ter perdido suas principais fontes de receita. “Todo esse movimento dos acionistas para me tirar da administração nos últimos anos e vender a empresa mudou muito meu padrão de vida. Hoje vivo com as renda gerada pela propriedade da minha mulher”, afirmou o empresário, que chegou a ser despejado do apartamento onde morava com a família em São Paulo. Nessa mesma época, seu desafeto irmão também enfrentou uma tragédia pessoal ao perder o filho, a nora e a neta na queda de um helicóptero no litoral paulista, em 2014.

REIVINDICAÇÃO Além de pleitear a devolução do lucro supostamente desviado, Müller reivindica sua reintegração ao Conselho de Administração da empresa já na próxima assembleia de acionistas no fim do mês. O empresário argumenta que seu afastamento e o impedimento em acompanhar o dia a dia da gestão da companhia levantam suspeita sobre seus sócios e executivos. Luiz suspeita também que alguns dos acionistas influenciaram a Justiça para que o arquivamento da última sentença, sob o argumento de que material apresentado pela CMB foi suficiente para comprovar que não houve fraude. “É muito estranho que o processo tenha sido arquivado sem que meus documentos sequer tenham sido analisados”, disse Müller. “Recorri para poder provar, em outra instância do judiciário, a ilegalidade e o desaparecimento desse dinheiro.”

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Não importa se é meu irmão ou minha filha. Terão de devolver o dinheiro” Luiz müller sócio da companhia.

Procurada pela DINHEIRO, a Companhia Müller de Bebidas negou que existam irregularidades no balanço. O advogado da empresa, Rodrigo Carneiro de Oliveira, afirmou que “a alegação é mais uma das fantasias criadas ao longo dos últimos 16 anos de litígio”. O empresário Benedito Müller e os executivos José Emilio e Ricardo Gonçalves, citados na denúncia de Luiz Müller, não retornaram aos pedidos de entrevista. Pelo tamanho da encrenca, no entanto, não vão faltar oportunidades. A briga nos bastidores na maior fabricante de cachaça do País ainda promete muitos rounds.