O governo vai consagrando uma façanha difícil de superar e uma espécie de conquista às avessas daquela estabelecida pelo mitológico presidente Juscelino Kubitschek, que prometeu levar o País a crescer 50 anos em cinco. Jair Bolsonaro, ao contrário, está conseguindo fazer o Brasil regredir 30 anos em três, ao trazer de volta o fantasma da inflação de dois dígitos, arrebatando em março último o pior desempenho do IPCA em quase três décadas. Algo semelhante aconteceu apenas em 1994, ainda antes do Plano Real, que levou à estabilização dos preços. Agora, o registro desse feito bolsonarista arrebatador e nada louvável. Despertar a carestia com o furor e velocidade como foi feito é, em boa parte, retrato da ineficiência com a qual o Estado tratou os desafios econômicos que surgiram pela frente. Desde 2021, um cenário inflacionário persistente tomou conta e pesou especialmente sobre os alimentos. Mas não só. Da energia elétrica aos combustíveis, quase nada ficou de fora, irradiando os efeitos para tarifas de passagens aéreas e transportes em geral, como o Uber. Os preços, decerto, enlouqueceram nas prateleiras e gôndolas de supermercados, com valores discrepantes até em famílias de produtos semelhantes. O óleo, por exemplo, ficou mais caro que o azeite e a desordem imperou na cadeia produtiva. Não foi um fenômeno isolado. Contaminou as mais diversas classes de consumo. A inflação que afetava essencialmente as camadas mais pobres da população está desta feita corroendo o poder de compra da classe média e impondo revisões de planos da faixa mais alta da população, que adia planos como os de viagens. É um desmantelamento sistêmico nas forças de oferta e consumo, trazendo uma piora assustadora nas projeções. A inflação não dará trégua. Analistas são unânimes em apontar que ela ainda possui lastro para crescer e incentivo nesse sentido. Há, de outra parte, uma surpreendente paralisia governamental nas ações para conter o tsunâmi. O próprio Banco Central acabou por se dizer “surpreso” com o avanço galopante dos índices. A onda de remarcações dos juros parece não ter surtido o efeito esperado, muito embora a autoridade monetária insista ser o único caminho a seguir. Muitos já falam em taxas de juros na casa de 13,5% em breve. Patamares tão altos de juros e inflação disparam, em geral, o mecanismo protetivo dos reajustes em cascata, onde cada setor vai tentando se proteger empurrando os custos e o problema para frente. Uma temível espiral inercial de consequências bastante conhecidas. Nessa toada, para uma inflação sair de uma base de 10% ao ano para 50% ao mês é um pulo. Não dá para brincar com o risco. O que acontecerá daqui para frente é ainda uma incógnita. O clima eleitoral não colabora. Ao contrário. Estimula ações populistas que acabam por pressionar ainda mais as taxas. O dragão inflacionário, provavelmente, queimará o bolso do consumidor por todo este ano, com perda de renda e poder aquisitivo. A política monetária tem um grande teste pela frente. Mesmo com o câmbio arrefecendo, não há trégua nos preços. A herança para o próximo governo será bem amarga.

Carlos José Marques, diretor editorial