Já se passaram 30 anos, mas Domingo Alzugaray ainda se lembra das palavras que usou para explicar a Victor Civita, o falecido fundador da Editora Abril, por que, afinal, estava deixando a empresa na qual tivera uma carreira tão bem-sucedida. ?Durante 15 anos eu ajudei o senhor a construir o seu castelo?, disse. ?Agora eu quero fazer a minha choupana.? Era 31 de janeiro de 1972 e o jovem ator argentino que chegara ao Brasil nos anos 50, para ficar seis meses, implantando o departamento de fotonovelas da Abril, dava o primeiro passo do que viria a ser uma longa e profícua trajetória empresarial. Dois dias depois daquela conversa, em 2 de fevereiro, Alzugaray criou a Editora Três, tendo como sócios os amigos Luiz Carta e Fabrizio Fasano. Carta era diretor da Abril e Fasano vinha da conhecida família de restauranteurs. Alzugaray lembra que entrou na sociedade com cerca de US$ 30 mil do Fundo de Garantia e outros US$ 40 mil que haviam sobrado do crash da Bolsa de Valores de São Paulo, em 1971. A economia do País crescia em ritmo de milagre e havia no ar um enorme otimismo empresarial, mas deixar a bem-remunerada diretoria de uma grande empresa e lançar-se ao mercado por conta própria, com capital suficiente apenas para contratar cinco pessoas e alugar um andar de escritórios na avenida Brigadeiro Luiz Antônio, não deixava de ser uma aventura. Por que empreendê-la? ?Eu tinha 40 anos e um projeto de vida. Queria fazer uma editora?, explica o empresário. ?Aquele era o momento. Se esperasse um pouco mais eu hoje seria um velho executivo aposentado.?

 

Quem cotejar o projeto de Alzugaray com a realidade do que ele obteve nessas três décadas terá a sensação de estar diante de um sucesso. Nesse período a Editora Três transformou-se de sonho em uma das maiores e mais influentes editoras do Brasil. Tem um faturamento de R$ 250 milhões, emprega 1.800 funcionários e imprimiu este ano nada menos do que 40 milhões de exemplares de revistas. É, além disso, dona de alguns dos títulos de maior prestígio do País, e tornou-se nos últimos anos uma verdadeira usina de semanais. Publica IstoÉ, IstoÉ DINHEIRO, IstoÉ Gente e lançou, no ano passado, a popular Note e Anote, em parceria com a Rede Record. Nenhuma outra editora brasileira tem tantos títulos semanais de qualidade — e se depender da vontade de Alzugaray, nenhuma outra terá. Trata-se do produto mais rentável e dinâmico do mercado de revistas, além de uma paixão pessoal do empresário que vê nessa periodicidade a chave do sucesso editorial e comercial da Três. Dias atrás, ao receber o Prêmio Caboré de Revista do Ano, concedido à DINHEIRO, ele avisou que lançará uma nova semanal em 2003. ?E, se der certo, em 2004 faremos outra?, promete. ?Quero ter seis revistas semanais nas bancas?. Essa atitude atrevida, que tem por contrapartida uma grande cautela financeira, fez da Três a única das grandes editoras de revistas brasileiras com baixo endividamento e alta rentabilidade. Por isso tem lançado novos títulos e montado redações num período em que as demais editoras demitem e hibernam com problemas financeiros. ?Vamos aproveitar essa situação para ocupar espaços?, avisa Alzugaray.

Em 1972 a situação era outra. Tratava-se de inventar uma empresa a partir do nada, em um ambiente já ocupado por grandes companhias. A opção dos sócios da Três foi iniciar com um produto de larga vendagem e elaboração simples: o fascículo de culinária Menu, sucesso imediato nas bancas. A ele seguiu-se uma série de outros fascículos bem-sucedidos e duas célebres coleções de livros, Os Imortais da Nossa Literatura e A História da República Brasileira. A primeira publicou 48 títulos e vendeu quase 2,5 milhões de unidades, demonstrando, pela primeira vez no Brasil, que era possível vender literatura em bancas de jornais, barato, para vastas audiências. A segunda coleção, escrita pelo célebre historiador Hélio Silva, entrou nos anais por desafiar a censura e publicar em 1973, no auge do regime militar, o relato da morte sob tortura do militante Stewart Angel, com o nome de seus algozes. Quando o regime deu-se conta do estrago o livro já era um best-seller e repercutia pesado na imprensa estrangeira.

Nesse mesmo 1973 Fasano deixou a editora e enveredou por projetos pessoais na indústria de bebidas. Alzugaray e Carta seguiram com a revista Planeta ? um título lançado em 1972 que persiste até hoje ? e em 1974 colocaram nas bancas um outro sucesso: Status. Pioneira nos ensaios fotográficos de mulheres famosas, essa masculina de tempero intelectual dominou o mercado até meados da década seguinte, atingindo tiragens de 400 mil exemplares. ?A Status plantou os alicerces da Três?, resume Alzugaray. Dois anos depois do lançamento de Status, a empresa estava forte o suficiente para criar em 1976 uma empresa-filhote, a Encontro Editorial e, através dela, colocar nas ruas uma mensal de nome provocativo: IstoÉ, inspirada no título argentino EstoÉs. Em março de 1977 essa revista se transformaria na primeira semanal da editora, com sociedade e direção do jornalista Mino Carta, fundador de Veja e de outros projetos históricos da imprensa brasileira. A revista foi um sucesso instantâneo e radical, que lançou a editora em outro patamar de faturamento. Nessa época, porém, Luiz Carta já deixara as duas sociedades. Montou em agosto de 1976 a sua Carta Editorial. Pela primeira vez desde a criação da Três, Alzugaray estava sozinho na direção da empresa — e ela avançava de vento em popa.

A história de uma empresa pode ser contada por seus sucessos tanto quanto por seus fracassos. No caso das editoras de revistas, esses dois extremos se resumem ao destino das marcas. Quando o lançamento de um título dá certo, faz a empresa crescer. Quando ocorre o contrário, pode quebrá-la. No caso da Três, o fracasso mais conhecido chamou-se Jornal da República. Esse diário de ares europeus foi lançado pela Encontro Editorial em abril de 1979, como conseqüência direta do sucesso da IstoÉ. Era dirigido por Mino Carta e tinha seu jeito: muita análise, poucas fotos, predomínio total dos temas graves. ?Foi um erro que me custou oito anos?, avalia Alzugaray. Um mês depois do lançamento os anúncios escasseavam e as vendas não passavam de quatro ou cinco mil exemplares por dia ? quando o ponto de equilíbrio estaria em torno de 25 mil. Alzugaray disse que era hora de fechar e Mino discordou. Diante do impasse, e antecipando que a sangria diária destruiria a Encontro e arrastaria seu patrimônio, Alzugaray propôs a cirurgia radical: Mino compraria sua parte da Encontro por US$ 1 milhão e seguiria sozinho com o República. Ou então venderia sua parte a Alzugaray, que fecharia o jornal. O jornalista pensou dois dias e resolveu comprar. ?Não achei que ele fosse fazer isso?, lembra Alzugaray. ?Levei um tranco mas mantive a palavra.? Mino assinou 20 promissórias pessoais de US$ 50 mil e as entregou a Alzugaray em troca da Encontro.

  O final do enredo é conhecido: República fechou no final de 1979, a marca IstoÉ foi entregue ao Unibanco em troca do pagamento das dívidas e Alzugaray nunca recebeu as promissórias. Nem as executou. Ele e Mino voltaram a trabalhar juntos em julho de 1988 ? dessa vez como patrão e empregado ? quando o dono da Três conseguiu recuperar sua marca.
IstoÉ era então propriedade de Luís Fernando Levy, da Gazeta Mercantil, e estava desgastada pela constante troca de mãos. Ainda assim vendia 70 mil exemplares por semana, enquanto a semanal que ficara na Três ? a prestigiosa Senhor, que tinha o direito ao material da britânica The Economist ? tinha prestígio mas vendia menos de 25 mil exemplares por semana. Para juntar os dois mercados Alzugaray pagou US$ 3 milhões por IstoÉ, em 36 parcelas mensais de US$ 85 mil. Relançou a revista como IstoÉ-Senhor e as vendas saltaram para um patamar de 100 mil unidades. ?A partir daí é que eu considero a minha fase na revista?, diz ele.

Nesses anos de triunfos e terremotos Alzugaray não perdeu os modos. Suas revistas freqüentemente são duras, mas ele exerce o controle da empresa com gentileza e elegância, embora envolva-se diretamente e de forma diária na atividade editorial. Discute todas as capas, acompanha de perto as grandes reportagens, transforma seus almoços diários na Três, quando recebe empresários e políticos, em longas e saborosas entrevistas. O jornalista Armando Gonçalves, que está na empresa desde o primeiro dia, diz que nunca viu o patrão perder as estribeiras ou erguer a voz. ?Ele é um fidalgo?, resume. Descendente de bascos, galã de fotonovelas e cinema na juventude ? fez cinco filmes, o último deles em 1960 ?, Alzugaray trouxe para a atividade editorial uma combinação incomum de modéstia e eficácia. Ele é de longe o mais acessível e pedestre dos barões da imprensa brasileira. Sua frase favorita, tomada à empresária Catherine Graham, do Washington Post, reflete um espírito prático: ?Imprensa independente é imprensa que dá lucro.? Cabe a seu filho Carlos Alzugaray, diretor-executivo da Três, a dura tarefa de ordenar o crescimento da empresa e organizá-la, transferindo para a gestão do negócio a mesma excelência atingida na área editorial. Afinal, para disputar a liderança do mercado de forma consistente é preciso mais que boas idéias e bom jornalismo. É necessário ter uma empresa sólida e organizada. ?Estamos em um momento importante da nossa história?, diz Carlos Alzugaray. ?Somos a segunda maior editora de revistas próprias do País e já está claro que viemos para liderar em todos os segmentos de mercado em que atuamos.? Ele acredita que

?Perseguimos a liderança do mercado?
Carlos Alzugaray,
Diretor executivo

é possível acelerar o crescimento da editora ? seu faturamento em reais dobrou desde 1999 ? mantendo firme o foco nas revistas de qualidade e na prestação de um serviço cada vez melhor aos leitores. ?Temos o melhor staff jornalístico e executivo e vamos continuar a perseguir a liderança do mercado?, afirma. Seu pai também não tem dúvida de que o futuro apenas começou. Alzugaray planeja crescer 20% em 2003 e acredita que é possível dobrar a tiragem total da editora com uma mera alteração estatística — os brasileiros, diz ele, ainda compram menos de três revistas por ano, enquanto mexicanos compram sete e argentinos compram seis delas. Ele evoca os picos históricos de vendas de revistas, atingidos nos planos Cruzado e Real, para erguer um bom argumento. ?Melhor distribuição de renda e mais poder de compra podem fazer dobrar as vendas de revistas no Brasil para cinco ou seis exemplares por ano?, afirma. Talvez seja apenas otimismo de um incorrigível, mas com 45 anos de Brasil e 30 anos de sucesso no mercado de revistas, Domingo Alzugaray conhece o seu métier. É bom prestar atenção no que ele diz.