É ano de eleições no Brasil e na China. Aqui, um País na direção de um horizonte de turbulências. Por lá, o futuro da política interna já é dado como certo. Tudo indica que o 20° Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, que acontece em outubro, apontará a continuidade de Xi Jinping como secretário-geral, o que implicaria no seu terceiro mandato na presidência. Em entrevista à DINHEIRO, o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, reforça a perspectiva de manutenção dos interesses chineses em investimentos por aqui. O que não significa que o Brasil, como um dos maiores parceiros comerciais da China na indústria e chave para o mercado latino-americano, está blindado do impacto das reformas econômicas promovidas no país asiático. Por lá, o novo modelo quer evitar que as corporações gigantes se tornem mais poderosas que o próprio Estado. O embaixador acedita que o interesse econômico de ambas as partes fala mais alto, por isso o cenário para as relações comerciais Brasil-China é promissor.

Como estão as relações comerciais entre Brasil e China hoje?
A China é nosso principal parceiro comercial e, nos últimos anos, os chineses se tornaram os maiores investidores em termos de fluxo de capital no País, liderando aportes de longo prazo. Vimos isso pela consolidação das joint ventures com empresas brasileiras e aquisições de operações nacionais. Os chineses vêm para construir e fabricar com objetivo de exportar essa produção, e não apenas para expandir seu mercado consumidor. O Brasil virou uma plataforma manufatureira para a China.

A perspectiva para 2022 pode afugentar esses investimentos do Brasil?
Apesar da nossa conjuntura econômica e do cenário político instável, a China tem interesse no Brasil por ser o seu parceiro comercial na América Latina. O País está ao lado dos Estados Unidos como maior fornecedor de produtos agrícolas para a China, responsável, sozinho, por mais de 20% do volume importado pelos chineses. Em 2021, enquanto as exportações brasileiras para outros países caíram até 30%, as vendas para a China cresceram 24%. O consumidor chinês sofisticou a compra de alimentos, e o Brasil é um dos poucos com condições produtivas para atender essa demanda.

Quais são os pontos de atenção para as relações comerciais neste ano?
Os investidores chineses acompanham, naturalmente, os desdobramentos políticos no Brasil e como isso impacta a economia.
A agenda de sustentabilidade vem ganhando peso nos negócios, por ser um tema que avança nos dois países. A título de subsídio para o governo brasileiro, o Conselho Empresarial Brasil-China publicou documento com propostas nessas matérias, que são cruciais para o comércio internacional e com a China. A agricultura de baixo carbono, as finanças verdes e o mercado de carbono devem puxar essa frente.

O rompimento do Brasil com Caracas, governo que tem apoio da China, poderia afetar nossas relações com os chineses?
As relações do Brasil com a Venezuela estão na estaca zero há anos. Um eventual rompimento dessas relações seria apenas a formalização do que já está posto, dado que o governo brasileiro reconhece como presidente Juan Guaidó, que não exerce de fato essa presidência. Mas a Venezuela é uma economia desorganizada, pequena e contaminada por uma série de graves problemas políticos, que minam sua relevância na região. O Brasil é o país-chave para o ingresso da China na América Latina e por isso tem a prioridade, efetivamente. Só que ainda precisamos aprender a tirar proveito disso e identificar as oportunidades que surgem com ela.

O presidente Jair Bolsonaro e pessoas ligadas a ele já protagonizaram episódios de ataques à China. Qual o resultado desses atritos?
É comum haver divergências entre discurso e realidade na política externa. O governo brasileiro não prima pela coerência de seus comentários sobre outros países, mas, mesmo com atritos pontuais, a realidade é que a China é o maior parceiro econômico do Brasil. Durante a pandemia, a China foi crucial para garantir o fornecimento das vacinas para combate à Covid-19. Imagino que, no nosso caso, sempre haverá uma relação de interesses econômicos mútuos que falem mais alto. Quem, 20 anos atrás, poderia imaginar que hoje as ruas das grandes cidades estariam repletas de automóveis chineses?

Embora já retomada, a redução da compra da carne brasileira pela China pode ter sido um sinal desse estremecimento das relações entre os países?
É difícil avaliar se houve razões políticas por trás da decisão, porque um país nunca admite quando aplica esse tipo de medida. Até questões em outro setor poderiam ter provocado esse cenário. Os chineses têm uma visão holística da política externa e, quando as negociações não andam bem em uma frente, outro setor pode tomar iniciativas para criar pressão, mesmo que não haja relações formais e diretas entre ambos.

A situação da Evergrande gera tensões na economia global. Como esse cenário deve impactar o Brasil neste ano?
É algo que impacta a indústria da construção civil no mundo todo. O calote da Evergrande afetará a exportação do minério de ferro brasileiro para a China. Resta saber que medidas serão tomadas pelas autoridades chinesas para lidar com esse problema. Acredito que o governo chinês encontrará uma forma de bancar a dívida da Evergrande
e usar isso para discipliná-la.

Este ano ainda será marcado pelo Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, que deve confirmar a continuidade de Xi Jinping no poder. O que podemos esperar da renovação do mandato de Xi?
A continuidade das reformas econômicas que Xi anuncia desde que foi eleito presidente pela primeira vez, em 2013. O governo chinês está mudando para um modelo de crescimento de circulação dual [abordagens em ciclos duplos mútuos e estímulo à inovação], o que vem obrigando as empresas a se adapatarem. A ascensão da China na economia mundial teve as exportações como motor, ou seja, era altamente dependente da demanda global e insustentável no longo prazo. Com a crise do subprime nos EUA, em 2008, o governo acelerou a elaboração do novo modelo, levando mais em conta o mercado interno. A verdade é que essa expansão provocou, além da prosperidade, o aumento das desigualdades sociais na China.

Com o resultado, a China deve fechar o cerco sobre as grandes empresas?
Em vez de cerco, eu chamaria de medidas para obrigar as empresas a se ajustarem às novas regras do jogo. Os gigantes não serão eliminados porque são importantes para a economia chinesa, mas o partido sabe que as reformas contrariam interesses consolidados na economia. O governo da China enxergou uma oportunidade para evitar que as empresas se tornassem mais poderosas que o próprio Estado.

Há uma escalada da tensão entre EUA e China, ambos parceiros comerciais do Brasil. O País pode precisar se posicionar?
O pior que o Brasil pode fazer é tomar partido nos conflitos EUA-China. A relevância comercial de ambos os parceiros faz com que essa briga não seja estratégica para nós. No ambiente diplomático, esses países possuem vários acordos de cooperação, principalmente econômica. O que acontece é que a China está ocupando cada vez mais os vazios deixados pelos EUA, na política e na economia.