Presidente do maior e-commerce da América Latina, Stelleo Tolda viveu nos últimos dois anos um crescimento maior do que o registrado pela empresa em duas décadas. A companhia, com mais de US$ 57 bilhões em valor de mercado na Nasdaq, quase dobrou a operação brasileira desde o início da pandemia. Com o isolamento social e fechamento de parte do comércio, as vendas da empresa explodiram e não devem mais recuar, segundo Tolda. “Os grandes investimentos em logística e tecnologia fizeram com que a experiência de compra dos usuários melhorasse muito”, afirmou o executivo. “E esse cliente não volta mais para os antigos hábitos”, disse, em entrevista à DINHEIRO. Sobre o ambiente de incertezas no campo macroeconômico no Brasil, principalmente em um ano de acirrada eleição presidencial, Tolda demonstra pouca preocupação com intempéries dessa natureza.

DINHEIRO – Qual a retrospectiva de 2021 para o Mercado Livre?
Stelleo Tolda— Foi um ano excelente sob todos os aspectos. Tivemos um período muito bom tanto em crescimento quanto em rentabilidade. Foram os dois objetivos básicos. Mas também tivemos uma evolução importante na experiência do usuário e aumento de participação de mercado. Ganhamos muito share, apesar de ser um ano de muita concorrência, de muitos investimentos. Então, estou muito contente com nossa operação no Brasil. Tudo o que disse sobre o País também se aplica a outros mercados. No México, outro mercado muito importante para a companhia, vimos uma evolução semelhante à do Brasil.

Quais são os maiores entraves para a manutenção desse crescimento?
A concorrência é sempre um grande desafio. Não diria que é um entrave para o nosso crescimento, mas é sempre um desafio. Além dos jogadores locais, existem outros de fora atuando de forma agressiva. Mas naquilo que a gente se propôs como meta, que é a de melhorar a experiência dos nossos usuários, investindo em logística, diminuindo os tempos de entrega, conseguimos alcançar nosso objetivo.

“Os grandes investimentos em logística e tecnologia fizeram com que a experiência de compra dos usuários melhorasse muito”
“Os grandes investimentos em logística e
tecnologia fizeram com que a experiência de compra dos usuários melhorasse muito” (Crédito:Vinicius Stasolla)

Como seria se a situação estivesse melhor?
Difícil saber como seria se a economia estivesse melhor. Para o Brasil, especificamente, 2022 é um ano que tem seus desafios. Mesmo que isso não nos afete tão diretamente, se o cenário macroeconômico fosse melhor, a gente estaria crescendo ainda mais.

Mas a pandemia não turbinou o e-commerce?
Sim. Ao comparar 2020 com 2019, tivemos um crescimento expressivo, principalmente a partir de abril e maio, quando as pessoas perceberam que precisariam ficar em casa. Isso tornou a comparação de um ano com o outro muito difícil. Mas o mais importante é comparar 2019, pré-pandemia, com 2021. Aí vemos índices de crescimento que tiram efeitos da Covid-19 e se percebe que o e-commerce está com uma expansão saudável, mesmo com a reabertura do comércio físico. Isso confirma que nosso investimento em logística e a melhora da experiência de compra veio para ficar. O brasileiro gosta muito de comprar on-line, aprendeu a confiar nos prazos combinados de entrega.

O fim da pandemia não vai representar, então, uma retração do varejo on-line…
Não. Mesmo que as lojas estejam abertas. Em muitos casos, hoje a preferência do consumidor é por não se deslocar e comprar em casa. Esse efeito da reabertura das lojas tem um impacto menor sobre o crescimento. Os grandesinvestimentos em logística e tecnologia fizeram com que a experiência de compra dos usuários melhorasse muito. E esse cliente não volta mais para os antigos hábitos.

A conjuntura macro-econômica é complexa, com inflação alta, dólar caro e, neste ano, o fator eleição. O que mais te preocupa?
A macroeconomia a gente não controla. Ela está dada e temos de conviver com esse cenário. Não podemos parar para pensar na macroeconomia. Claro que seria melhor se tivéssemos um ambiente mais estável. Seria melhor se tivéssemos um cenário de desemprego mais baixo, de renda maior, fatores que contribuem muito com o consumo. Mas, apesar disso, o e-commerce tem sido muito favorecido. Dito isso, temos visto que esse movimento do crescimento do e-commerce vai permanecer. Cada dia temos atraído novos usuários. Do mundo off-line para o mundo on-line. Isso traz um vento de calda favorável ao nosso negócio.

E as eleições?
Com relação às eleições, não tenho muito a dizer. Esperamos um ano de volatilidade, mas que não muda nossa trajetória de crescimento. Já vivemos com muita volatilidade no passado. Como atuamos em vários mercados da América Latina, estamos sempre passando por incerteza em algum país da região, alguma eleição, alguma possibilidade de mudança de governo. Mas nada disso tende a atrapalhar o e-commerce. Para a gente, não importa se o governo é de esquerda, de centro ou de direita. Estamos mais preocupados em investir e crescer. E poder torcer por um ambiente, se possível, estável na economia. Infelizmente, a gente vive incertezas.

O que diferencia a crise no Brasil das crises dos países vizinhos?
O Brasil é um país mais desenvolvido. Essa é uma diferença importante. Nesse sentido, temos um nível de serviço que supera os outros mercados vizinhos. Com os investimentos que foram feitos nos últimos anos, aqui podemos entregar em tempo cada vez mais rápido e com maior satisfação dos clientes. Esses investimentos ainda estão acontecendo em outros países, como o Chile e a Argentina, mas que estão atrás do Brasil na questão logística.

O que o Mercado Livre vai investir neste ano?
A grande novidade é a operação em criptomoeda, lançada há um mês. A possibilidade de pagar com cripto é algo que temos em mente. E isso é caminho sem volta. Temos visto demanda crescente desde o lançamento. O Mercado Livre tem uma capilaridade muito grande e acessa um número expressivo de usuários e, por isso, é um prazer ver a democratização do acesso ao investimento em criptoativos.

Qual a perspectiva para o comércio digital com o 5G?
O 5G será muito importante. Quanto maior a velocidade e melhor a internet, maior será o tempo de uso e melhor a experiência do cliente. Minha expectativa é que o 5G vai melhorar o nível de acesso. Nesses 22 anos de Mercado Livre, sempre vimos que a melhora da internet resultava em aumento dos negócios. Existe uma correlação direta. Para o e-commerce, o 5G
vai se traduzir em aumento de receita.

“Mesmo que as lojas estejam abertas, em muitos casos, hoje a preferência do consumidor é por não se deslocar e comprar em casa”
“Mesmo que as lojas estejam abertas, em muitos casos, hoje a preferência do consumidor é por não se deslocar e comprar em casa” (Crédito:esar Conventi /Fotoarena/Folhapress)

Na área logística, há um sentimento de frustração por não ter havido privatização e concessão, como o governo prometia?
A falta de infraestrutura prejudica principalmente empresas menores. O Mercado Livre tem recursos e fontes capazes de expandir a nossa operação, a nossa malha logística, a tecnologia que dá suporte à essa malha, o que permitiu que a gente tivesse uma aceleração nos últimos anos. Infelizmente, isso não está disponível a todas as empresas. O custo da lentidão acaba tendo esse efeito que não é igual para todos. Hoje temos condições de entregar no mesmo dia nos principais centros. Estamos investindo sempre em carretas, vans, aviões. Isso vai continuar em 2022. Posso dizer que nossa intenção é continuar a investir.

A concorrência com os chineses, muitas vezes considerada desigual, deve ter alguma mudança neste ano?
Não sei responder. A concorrência tem aumentado, sim. Parte disso vem dos players chineses, apesar de não serem os únicos. O mercado brasileiro é atraente para players globais de todo o mundo. Todas as empresas que têm ambição de operar globalmente, têm interesse pelo Brasil. Mas os órgãos reguladores estão atentos a eventuais descumprimentos das leis e das regras. As agências têm mecanismos para fazer uma boa fiscalização.

O consumidor também faz esse filtro entre o formal e o informal?
O que percebo é que o consumidor brasileiro tem um nível de exigência alto. Essa expectativa é crescente ao longo do tempo. Então, mesmo que um player se lance no mercado brasileiro para competir em preço e baseado na informalidade, entendo que não é sustentável no médio prazo. Então, a regulação e a expectativa do consumidor limitam a atuação de quem é informal aqui no comércio on-line do País. Nesse sentido, o mercado brasileiro tem seus mecanismos de regulação e compensação para tudo aquilo que foge da normalidade.