Durante duas décadas, a imagem da XP se confundiu com a de Guilherme Benchimol, um de seus fundadores e seu CEO até o dia 12 de maio. A companhia iniciada em 2001 por quatro sócios em uma sala discreta em Porto Alegre, que inicialmente se dedicava à educação financeira, se tornou uma gigante. Listou suas ações na Nasdaq em 2019 e, na manhã da quinta-feira (27) era avaliada em US$ 22 bilhões, o equivalente a R$ 116 bilhões. Chegar à Nasdaq seria uma justificativa para que qualquer empresa, sobretudo em uma ascensão meteórica como a XP, desse uma pausa para respirar e contemplar a paisagem do alto. Porém, a foto que abre esta reportagem, com os três principais executivos da empresa retratados no heliponto da sede, em um dos mais cobiçados edifícios corporativos da Zona Sul de São Paulo, mostra que o jeito XP de olhar a paisagem não é contemplativo e sim curioso. Sempre em busca de novas oportunidades para crescer e avançar. Como disse o próprio Benchimol à DINHEIRO: “O sonho não para”. Agora, ele é ainda mais ambicioso. Para fora do País.

Desde a abertura de capital nos Estados Unidos, a companhia acelerou. O total de ativos sob custódia – tanto os geridos em fundos próprios quanto os recursos de clientes alocados em produtos de terceiros – cresceu 74,6%, avançando de R$ 409 bilhões para R$ 715 bilhões. E o total de clientes subiu 75,9%, de 1,70 milhão para 3 milhões. Mas a XP quer ir além. A companhia que se tornou sinônimo de investimentos pretende ampliar sua participação. A conta é simples. Na ponta do lápis, o faturamento total do sistema financeiro é de R$ 800 bilhões por ano. Isso inclui, entre outras, a receita com a concessão de crédito. Em 2020, segundo o Banco Central (BC), bancos e cooperativas de crédito faturaram R$ 213 bilhões emprestando dinheiro. Há outras receitas importantes, como as tarifas bancárias e a prestação de serviços. Abrir o capital de empresas, gerir recursos e processar pagamentos. Todos esses negócios estão na paisagem vista do alto por Guilherme Benchimol, atual presidente do Conselho de Administração, e por seus executivos-chave. Um deles é Thiago Maffra, 37 anos, sete deles na XP, recém-promovido a CEO da XP Inc. O outro é José Berenguer, 54 anos, 37 deles em bancos como Boa Vista, Real, BBA, Garantia, Gávea e JP Morgan, que presidia e de onde saiu para ser o CEO do Banco XP. Um visionário, um disruptivo, um experiente. Da soma de expertises desse trio pode resultar o próximo grande banco do Brasil.

O raciocínio por trás dessa estratégia é sólido. “Em nossas atividades disputamos uma fatia de R$ 100 bilhões, uma fraçnao do total do setor bancário”, disse Maffra. “Ao ampliar nossa atuação para empréstimos, conta corrente digital e cartões de crédito, além dos demais serviços, vamos ampliar esse campo de disputa para R$ 350 bilhões.” O trunfo nas mãos da XP está na tecnologia. Não por acaso, antes de assumir o comando, Maffra era responsável por essa área, e gosta de definir a companhia como uma empresa de tecnologia.

ARQUITETURA digital Pode parecer um argumento fraco quando se lembra que os bancos tradicionais, aqueles cujos clientes a XP pretende seduzir, estão entre os maiores clientes de tecnologia do Brasil e têm comprado fintechs a um ritmo que poucos conseguem acompanhar. Com a palavra Berenguer, que conhece bem o setor. “Os grandes bancos de varejo investem maciçamente em tecnologia, mas eles dependem de sistemas construídos há muito tempo e que são menos flexíveis”, disse ele. “Isso torna a atualização e o lançamento de novos produtos um processo trabalhoso, demorado e caro.” Já na XP, a realidade é a de uma empresa que já nasceu em tempos de arquitetura digital aberta e que conta com a agilidade do “as a service”. Em português, a possibilidade de alugar soluções em vez de desenvolve-las dentro de casa.

Assim, no lugar de escrever as milhares de linhas de código de um sistema para lançar um programa de pontos no cartão de crédito e fazer uma campanha matadora para o Dia dos Namorados, a XP pode comprar essa solução pronta, ganhando em agilidade. “Às vezes fazemos mais de uma atualização do sistema por dia”, disse Berenguer. Há perigo de os bancos adotarem a mesma política? “Será uma decisão difícil, eles terão de jogar fora bilhões de reais investidos em tecnologia durante muitos anos e basicamente reaprender a trabalhar. Será uma mudança cultural importante”, disse ele.

Enquanto os grandes bancos têm dificuldade para “virar a chave” e se adaptar tanto às inovações tecnológicas que as fintechs tiram de letra quanto às exigências do Banco Central (caso de Pix e open banking, para ficar nas mais robustas), a XP também faz um movimento para se parecer cada vez mais com um grande banco. Ela tem diversificado suas atividades, cobiçando receitas em pagamentos, cartão de crédito, seguros e previdência. Nesse sentido, faz um movimento essencial para seu crescimento, que é descer em direção aos clientes de menor renda. “Atualmente atendemos o topo da pirâmide, que são as pessoas que possuem sobras de recursos para investir”, disse Maffra. “Com os novos produtos, como o cartão de crédito e a conta digital, vamos caminhar em direção à base da pirâmide”. Isso quer dizer crédito, que é onde o sistema financeiro ganha dinheiro no Brasil.

E de onde virá o capital para isso? Para obter insumos para conceder empréstimos, a XP também pretende buscar um caminho diferente dos bancos. “Vamos aproveitar nossa enorme base de clientes e nossa participação junto aos investidores institucionais para estruturar produtos de crédito, como recebíveis e fundos de investimento em direitos creditórios”, disse Maffra.

Enquanto consolida suas posições para seguir avançando naquilo que é tradicionalmente o território dos grandes bancos, a XP usa sua agilidade e expertise para lançar produtos inovadores. Um deles foi apresentado na semana passada: o primeiro Exchange Traded Funds (ETF) Nasdaq-100 na América Latina. Traduzindo: uma oportunidade inédita para os brasileiros de investir nas empresas mais inovadoras do mundo, a partir de um aporte mínimo de R$ 10.

Foi a dificuldade, para a maioria dos brasileiros, de entender termos como ETF, que ensejou os primeiros passos da XP, em 2001. Quando a empresa começou suas atividades, educação financeira era mais uma curiosidade intelectual do que uma necessidade. Com taxas de juros reais de 10% ao ano e um mercado líquido e seguro de títulos públicos, não era preciso pensar muito para investir dinheiro. Agora, tudo mudou. “O Brasil nunca teve uma cultura de investimentos, pois sempre foi um país de juros altos, com média de 13% ao ano nos últimos 27 anos em que foi feito o Plano Real”, disse Benchimol. “Agora, os juros baixos formam uma nova geração, de tomadores de empréstimo e de empresas que vão surgir.” Ele é pragmático e sabe que a liderança da XP não seguirá sem desafios. “Tem muita coisa para ser feita e com certeza vão entrar novos players nesse mercado porque a pista é larga” afirmou (leia entrevista à página 35). Segundo Benchimol, a fatia de mercado dos bancos, que em alguns negócios casos chega a 90%, deverá recuar para 30% ou 40%. “Haverá uma concorrência maior entre os independentes.”

Além da educação financeira, outra característica esteve na base do crescimento da XP: os agentes autônomos. O Brasil tem hoje cerca de 11 mil profissionais que vivem de comissões sobre a gestão de recursos de terceiros. A XP é a plataforma de investimentos usada por 90% deles. Nas últimas semanas, contudo, dois grandes escritórios anunciaram sua mudança dali para o BTG Pactual. Primeiro foi a assessoria Aqua-Vero, que administra R$ 8,5 bilhões. Na quarta-feira (26), o escritório baiano Onix Capital, com 2 mil clientes e uma carteira de aproximadamente R$ 500 milhões, deu início ao aviso prévio de 60 dias para o encerramento de sua parceria com a XP. Segundo Maffra, esses movimentos não incomodam, pois cerca de 70% dos recursos permanecem sob gestão da XP.

NETFLIX Com 20 anos de crescimento contínuo, a XP não pretende parar tão cedo, e nem ficar restrita aos limites do território nacional. Seus próximos passos, ainda não detalhados, têm como destino a internacionalização. “Quando eu olho lá para frente eu vejo a gente como uma das principais empresas de tecnologia do mundo. Uma empresa de tecnologia que presta serviços financeiros. E com uma pegada mais global, consolidada em outros mercados”, afirmou Maffra. América Latina, Estados Unidos e Europa estão no radar. O primeiro, por ser um mercado mais parecido com o Brasil. “Nosso core hoje é investimento e países como México, Chile, Colômbia não têm plataformas abertas tão desenvolvidas quanto a XP. Cada mercado tem sua particularidade e seu ponto de entrada”, disse o CEO que terá pela frente o desafio de ser, em suas palavras, “a Netflix dos investimentos”.

A VILLA QUE SERÁO BIOMA

Divulgação

Quando o terreno com quase 800 mil m2 de área verde, em São Roque (cerca de 60 quilômetros da capital paulista), foi escolhido para abrigar a nova sede da XP, um nome despontou de forma unânime entre os colaboradores: Villa XP. “A Villa XP é uma tangibilização da forma como a gente acredita que o trabalho vai acontecer após a pandemia”, afirmou Guilherme Benchimol à DINHEIRO. “Será que não dá para trabalhar numa empresa que você ama e ser mais feliz, com qualidade de vida? A gente acha que sim, dá”, disse.

Inspirado nas sedes de empresas de tecnologia do Vale do Silício, nos EUA, o empreendimento cuja primeira fase será inaugurada em abril de 2022 foi confiado a dois arquitetos: Márcio Kogan (dono do Studio MK27) e Guto Requena. Foi Requena quem denominou o projeto de Bioma XP. Ele também está criando obras inéditas, como um painel cinético e interativo que exibirá, por meio de leds transparentes, imagens dos colaboradores. ”É para que as pessoas conheçam quem faz a XP logo de cara”, afirmou Carlos Ferreira, o Carlão, há 14 anos na XP e hoje no grupo de controle da empresa. “O prédio principal terá um restaurante sustentável, onde as pessoas poderão comer como se fossem a um picnic”.

A ideia é que o ambiente inspire a comunidade de colaboradores da XP a trabalhar não apenas em um formato híbrido e sim no qual sintam-se estimuladas a trocar melhores práticas, fazer treinamentos, lançar projetos. “As pessoas vão transitar pelo espaço e escolher onde se reunir, trabalhar, praticar esportes. Cada passo na Villa é uma descoberta”, afirmou Ferreira. Benchimol vai além: “Talvez esse tenha sido o maior legado que a pandemia nos deixou, que é pensar numa empresa internacional, descentralizada, onde as pessoas são felizes e entregam ainda mais resultados.”

ENTREVISTA: Guilherme Benchimol
“Nos próximos cinco anos queremos educar 50 milhões de brasileiros”

GUILHERME BENCHIMOL Fundador e presidente executivo do conselho de administração da XP INC. (Crédito:Claudio Gatti )

No dia 12 de maio você deixou o cargo de CEO e passou a presidir o conselho. Qual a mudança na sua rotina?
É um processo. A cada dia eu fico um pouquinho mais livre para me dedicar a uma nova agenda, que é pensar dez anos à frente, e me desprendo de certos aconselhamentos que eu fazia com muita intensidade. Isso é parte da transição e do amadurecimento da empresa. Não participo mais de comitês, exceto o de Gente. Deixei um compromisso público de que continuaria interferindo na meritocracia interna. E participo de uma reunião semanal da diretoria executiva. O time está aprendendo a conduzir sem a minha presença. Como conselheiro, devo garantir que as pessoas se expressem e os novos líderes evoluam.

Como será a XP daqui a dez anos?
Uma empresa completa e mundial. Cada vez mais entrando em outros segmentos, atendendo outros tipos de cliente e oferecendo uma experiência que permita a esse cliente ter tudo o que ele precisa dentro de casa. E fazendo esse modelo voar para fora do Brasil. A nossa corretora foi comprada em 2007. Éramos uma corretora focada em equity de varejo para pessoa física. Passaram-se 14 anos. Somos uma empresa de investimento, completa, com banking, solução de cartão de crédito com o menor juro do Brasil, conta corrente, atendemos pessoa jurídica. Queremos crescer em cada vertical para ter escala e dividir esse sucesso com o cliente, oferecendo preços melhores, experiências melhores e, na hora certa, expandir mundo afora. O sonho não para.

A XP liderou ações para minimizar o impacto da pandemia. Isso impactou também na cultura da empresa?
A pandemia ainda não acabou. Houve uma mobilização, que tomou nossa energia durante o ano passado, cujo foco era levar comida para as pessoas e garantir que equipamentos médicos chegassem a quem precisa. O básico do básico. A coisa boa que isso despertou foi o sentimento de que precisamos fazer algo mais profundo. Doamos algo como R$ 35 milhões. Mais importante que o valor é a visão de que isso precisa ser sólido. Então veio o Instituto XP, um projeto no qual a gente se compromete a fazer uma doação anual em uma iniciativa pela educação, que fala com os nossos valores. Levar educação financeira para os brasileiros. Empoderar as pessoas nas finanças pode transformar o Brasil. Essa vai ser a nossa causa social de longo prazo. Nos próximos cinco anos queremos educar 50 milhões de brasileiros.

A educação financeira está no DNA da XP. Como você avalia a transformação desse ecossistema no Brasil e a entrada de novos players no segmento?
A concentração bancária no Brasil é muito grande, com cinco bancos detendo 90% do mercado. Apenas 3 milhões de pessoas investem em ações. O Brasil nunca teve uma cultura de investimentos. Sempre foi um país de juros altos, com média de 13% ao ano desde o plano Real. A despeito de tudo, estamos evoluindo.
Os juros baixos formam uma nova geração de tomadores de empréstimo e de empresas que vão surgir. Tem muita coisa para ser feita e com certeza vão entrar novos players nesse mercado. A pista é larga.

O que falta para os investidores brasileiros ganharem autoconfiança?
O Brasil sempre foi o país da instabilidade. Um país que lutou contra o empreendedorismo. Em nenhum outro país havia alto retorno com baixo risco. Isso não forma investidores e nem empreendedores. O Brasil tem que fazer o dever de casa. Se a conseguirmos deixar os juros baixos com inflação controlada, todo o resto acontece.

A XP anunciou patrocínio ao Comitê Olímpico e ao Time Brasil para os Jogos de Tóquio, Olimpíada de Inverno, Pan 2023 e Paris 2024. Por quê?
O principal motivo é querer inspirar, nesse momento difícil, os brasileiros a acreditarem no Brasil. O meu comprometimento com o COB e com muitos atletas que eu conheci nos últimos tempos é fazer desse ciclo olímpico o melhor, disparado, da nossa história. Não tem coisa mais inspiradora do que ver um brasileiro lutando contra os gringos e levantando a bandeira do Brasil lá em cima. Essa é a verdadeira intenção de patrocinar o COB. Por consequência, nossa marca vai junto.

*Celso Masson