Os 50 milhões de sul-africanos vão acordar do sonho da Copa do Mundo na segunda-feira 12 com dois sentimentos distintos. O primeiro é de que o País conseguiu, apesar de todas as suas dificuldades, organizar um Mundial eficiente, onde pouca coisa saiu fora do planejado e, no geral, tudo correu bem.

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Ricardo Teixeira, da CBF a promessa de só utilizar recursos
 privados não será cumprida na próxima Copa

 

O segundo, no entanto, é angustiante: terá valido a pena investir mais de US$ 5 bilhões em um evento de apenas um mês de duração em um país com tantos problemas econômicos e sociais a serem resolvidos? O tão prometido retorno financeiro virá de fato? Enfim, será a África do Sul um novo país após os 64 jogos? O governo acredita que sim.

De acordo com o presidente Jacob Zuma, o esforço valeu a pena. “O mundo nos viu sob uma luz diferente, o retorno do investimento virá”, afirmou na última semana, quando deu a entender que o país vai se candidatar para sediar a Olimpíada de 2020. O Ministério do Turismo garante que a África do Sul teve quase 500 mil visitantes durante a Copa, mesmo registrando a entrada de apenas 200 mil deles nas três primeiras semanas da competição.
 

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Kassab, na África: o prefeito de São Paulo já admite a construção de um novo estádio, 
o “Piritubão”, desde que não haja desembolsos por parte da cidade

Já o ministro das Finanças, Pravin Gordhan, afirmou que os investimentos feitos para o Mundial já estão tendo o retorno esperado, e ele não é apenas financeiro. “As obras ficarão para as futuras gerações”, afirmou em uma das incontáveis entrevistas que integrantes do governo têm dado para reforçar a tese de que tudo foi e será um sucesso.

O fato, no entanto, é que, a partir desta semana, as luzes estarão voltadas para o Brasil, onde a Copa de 2014 será ainda mais cara. De acordo com o Tribunal de Contas da União, a estimativa de investimentos necessários em infra-estrutura é de R$ 25 bilhões. E as construções ou reformas de estádios consumiriam R$ 4 bilhões, nas arenas das 12 cidades escolhidas como sede.

Este valor, no entanto, parece estar sendo subestimado. Se a abertura do Mundial fosse realizada no estádio do Morumbi, a reforma custaria R$ 200 milhões. Mas como o projeto foi vetado pela Fifa, sob forte influência de Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol, o mais provável é que seja construído um novo estádio, o Piritubão.
 

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O forte esquema de segurança foi um dos pontos fortes na Africa do Sul, mas a atração de turistas e as vendas do comércio deixaram a desejar
 

Neste caso, o custo subiria para R$ 1,5 bilhão. “Ainda queremos a abertura em São Paulo”, tem dito o chefão da CBF. O problema é que Teixeira sempre prometeu realizar uma Copa sem dinheiro público e com arenas construídas por empresas privadas – o que não deve ser possível. Todos os estádios terão 40% dos recursos liberados pelo BNDES.

E, no caso do Piritubão, que seria também o estádio do Corinthians, fala-se numa contrapartida de 30% da Prefeitura de São Paulo. O prefeito da cidade, Gilberto Kassab, desembarcou na semana passada em Johannesburgo e negou que vá colocar dinheiro no novo estádio. “Se for feito com recursos privados, serei o primeiro a aplaudir”, disse ele.

Outro ponto bastante controverso diz respeito ao retorno do investimento. No caso da África do Sul, apesar do esperado otimismo oficial, ainda é muito cedo para saber se, de fato, a Copa do Mundo será capaz de deixar um legado com capacidade de transformar o país. Os números divulgados pelo próprio governo e pela Fifa permitem afirmar apenas que o número de visitantes deve ter sido inferior aos projetados inicialmente e que os gastos com estádios e infra-estrutura foram todos estourados.

O governo sul-africano previa gastar menos de US$ 1 bilhão na construção e reforma dos dez estádios da Copa, mas acabou vendo esses custos passarem dos US$ 2 bilhões. No início, havia a expectativa de que a iniciativa privada arcasse com esses custos. Mas não foi o que aconteceu. Mais de 70% de todo o dinheiro que a Copa do Mundo movimentou, desde investimentos até receita com turistas, saiu dos cofres públicos da África do Sul.

E o pior é que a expectativa é de que quase nenhum dos milionários estádios consiga manter-se economicamente viável após o mundial. Em Porth Elizabeth, onde foram gastos US$ 210 milhões – 110% além do previsto – na construção do belíssimo Nelson Mandela Bay, há quase uma certeza de que o estádio se tornará deficitário.

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O time de futebol local está prestes a ser vendido para o investidor de uma outra região do país. “Temos que admitir que sem um time profissional na província, o estádio vai mesmo virar um elefante branco”, diz Lungsi Mooi, diretor da federação local. Outros investimentos, como a reforma e a construção de grandes e novos aeroportos, também correm o risco de não conseguir se manter economicamente.

Enquanto as especulações sobre os retornos financeiros começam a ganhar corpo com o fim do Mundial, há pouca gente que discorde do sucesso da organização dessa Copa do Mundo. É claro que problemas pontuais surgiram. O principal deles, sem dúvida, foi a precária infraestrutura de transporte urbano, principalmente em Johannesburgo.

A cada jogo no Soccer City ou no Ellis Park, os dois estádios da cidade que concentrou o maior número de jogos desse Mundial, havia a certeza de caos. Longos engarrafamentos, confusão nas áreas de estacionamento, falta de informação marcavam o início de cada partida. O que voltava a acontecer ao final delas. O governo sul-africano bem que tentou evitar isso. Construiu corredores de ônibus e uma linha de trem ligando os estádios, mas eles funcionavam de forma precária.

Mas esse talvez tenha sido o único grande ponto negativo desse Mundial. Preocupações envolvendo segurança e a capacidade de abastecimento energético mostraram-se infundadas. Poucos foram os casos de crimes no País durante o Mundial, e os que aconteceram não foram exatamente graves. O sistema de transporte aéreo também se mostrou eficaz.

É claro que esse não foi um Mundial perfeito como o da Alemanha, mas de forma geral a infraestrutura do país suportou bem a Copa do Mundo. “Temos que agradecer pelo fato de a Copa que antecedeu a nossa ter sido aqui”, diz Francisco Noveleto, presidente da Federação Gaúcha de Futebol. “Eles fizeram bem, mas essa não pode ser comparada com uma Copa europeia.”

O fato é que a África do Sul conseguiu desmistificar alguns estereótipos que carrega há algumas décadas. O principal deles, de fato, está relacionado à segurança. Em um país com um dos maiores índices de homicídio do mundo – 61 para cada 100 mil habitantes –, esperava-se que turistas tivessem problemas.

O que não houve, muito por conta, é verdade, da segregação social e racial que ainda impera nas grandes cidades sul-africanas. “O mais importante é que a África do Sul está sendo mostrada de forma positiva para o mundo”, diz a diretora de serviços de consultoria da divisão sul-africana da Grant Thorton, Gillian Saunders. “Esse era um país mal entendido como destino turístico e para investimento, o que vai mudar a partir de agora”, diz a consultora.

Tudo isso é verdade, mas muitos afirmam que tudo saiu muito bem por causa de um esforço concentrado para um curto período de tempo. Os grandes problemas sul-africanos, não há dúvida, continuam intocados. Oficialmente, 25% da população está desempregada – índices não oficiais apontam uma taxa de 40% de desemprego –, cerca de 20% dos habitantes sul-africanos estão contaminados com HIV e a desigualdade social e as tensões raciais continuam latentes.

“A busca de uma nação em arco-íris, como dizia Mandela, é a busca por um conto de fadas”, diz a jornalista Ana Modise, que trabalha para uma das principais tevês do país. Com o final da Copa do Mundo, milhares de zimbabuanos estão deixando a África do Sul por medo de uma nova onda de violência contra imigrantes.

Em todas as regiões do país têm crescido os rumores de que os ataques de 2008, quando mais de 60 imigrantes foram assassinados, vão se repetir após a Copa. “Algo está para acontecer, estamos certos disso, só não sabemos a extensão”, afirmou o porta-voz do Fórum Diáspora Africana. Só a partir de agora a África do Sul vai descobrir se a Copa do Mundo foi apenas um sonho passageiro ou o caminho para um novo país. A certeza sobre isso, no entanto, vai demorar a chegar.