Ao traçar os cenários para o próximo ano, os dirigentes da indústria química não conseguiram se esquecer das frustrações dos últimos meses e decidiram inserir o termo “cautela” ao lado do otimismo. A previsão é de que o volume produzido nas fábricas do setor possa avançar 3% em 2019. O número é semelhante ao que se imaginava em janeiro passado para o acumulado de 2018. A cautela é uma forma de considerar os riscos que estão no caminho e minimizar quaisquer decepções semelhantes às atuais. Dados preliminares indicam que o volume fabricado vai fechar dezembro estagnado e o setor terminará este ano com quase 30 mil vagas a menos. Guardadas as devidas proporções, o cenário para a indústria química se assemelha ao quadro para outros setores da economia. Embora em forma distinta, um dos principais riscos que pode atrapalhar a retomada da atividade econômica seguirá presente nos próximos meses: a política. A questão é: quanto ela vai atrapalhar? Para a maioria dos analistas, pouco.

Todas as projeções consideram bastante provável a aprovação de algum tipo de reforma da Previdência. Daí o porquê de os dados coletados pelo Banco Central (BC), na edição do Boletim Focus de 14 de dezembro, sugerirem um crescimento do PIB de 2,55% em 2019. Mesmo modesto, o número representa uma alta de quase 100% em comparação ao 1,3% estimado para 2018. O desempenho deste ano foi afetado pelas incertezas eleitorais, pela derrota do governo em alterar as regras da aposentadoria e pela greve dos caminhoneiros, que interrompeu a produção e azedou o clima, tanto de consumidores quanto de empresários. Na indústria têxtil, por exemplo, o ritmo de crescimento vinha forte até maio, mas não se recuperou do tombo dos 11 dias de paralisação dos transportadores que causaram o caos no País naquele mês.

As razões que levam os dirigentes e o mercado a ter mais otimismo são as mesmas do início deste ano: a inflação está sob controle, os juros estão baixos, o crédito está voltando à praça e há um desenho de recuperação cíclica do crescimento. Ou seja, depois de muito tempo na descendente, começou a se desenhar a curva para cima. A retomada, porém, tem deixado a desejar. Como o tombo foi grande no período recessivo, há espaço para uma recuperação rápida e mais sustentável, usando recursos ociosos – máquinas paradas e trabalhadores dispensados, que poderiam ser rapidamente recontratados. Se fosse possível mobilizar esses recursos a pleno vapor, calculam os economistas, haveria espaço para um crescimento de até 4%. Para que isso aconteça, porém, é preciso ultrapassar a barreira política que impede o Estado de colocar as suas contas em dia e afastar o risco de um potencial calote. Esse temor ainda pesa sobre a confiança.

A reforma da Previdência é considerada o principal remédio para reverter a trajetória explosiva da dívida pública. O governo já acumula cinco anos seguidos de déficit, e o pagamento das aposentadorias e pensões responde por mais de metade das despesas federais. Mesmo se a reforma for aprovada, o problema não será resolvido de imediato. Mas a sinalização é importante para mostrar aos investidores o compromisso com a responsabilidade fiscal e com a sustentabilidade financeira do País.

Num cenário alternativo simulado pela consultoria 4E, uma nova derrota em aprovar a reforma em 2019 levaria a uma piora dos indicadores financeiros e poderia o fazer o PIB cair quase pela metade. Há 20% de chances de essa hipótese se concretizar. A consultoria adota como base a simulação em que alguma melhora será feita no rombo da Previdência, garantindo um nível de confiança suficiente para fazer o País crescer 2,3%, um pouco abaixo do que prevê a maioria do mercado. “Há uma capacidade ociosa imensa, com amplas condições de permitir um crescimento de até 4%, sem gerar pressão inflacionária”, afirma Bruno Lavieri, economista da 4E. “O principal risco é o sucesso político. O governo precisa mostrar que é reformista.”

Além do obstáculo legislativo, a cena começa a se turvar no exterior. A janela de calmaria de que o Brasil dispunha para fazer a lição de casa sem sobressalto está se fechando. A guerra comercial entre Estados Unidos e China começa a machucar os principais mercados e gera uma desconfiança global. Os bancos centrais dos países desenvolvidos prosseguem retirando estímulos e elevando juros, e há sinais de desaceleração econômica dos dois lados do Pacífico. Diante desse cenário, o boletim Focus indica a expectativa do dólar a R$ 3,80 para dezembro de 2019, mesmo patamar esperado pela indústria têxtil. “Há uma redução no ritmo de crescimento mundial e alguns mais pessimistas falam até que estamos caminhando para uma crise semelhante à de 2008”, afirma Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).

ACELERAÇÃO Os índices de confiança seguem em trajetória de alta e sustentam o cenário de aceleração no Brasil. Segundo cálculos do Itaú Unibanco, hoje, a economia está crescendo a um ritmo de 2%. “Percebemos uma aceleração no ritmo de atividade”, diz Felipe Salles, economista do Itaú Unibanco. “Se continuarmos avançando nas reformas, as condições financeiras permanecerão num nível mais benigno e a economia deve acelerar para um ritmo de 2,5%.” Com a melhora no mercado de trabalho e no de crédito, mais consumidores vão se animar para ir às compras. O investimento ainda reage a passos lentos, mas deve também ganhar tração com o vislumbre de que um novo ciclo de consumo pode ocorrer em breve. O Bradesco prevê que o avanço do investimento alcance 6,5% em 2019, ante 3,5% neste ano. Para chegar aos 2,8% de PIB previstos pelo banco no próximo ano, a projeção ainda incorpora uma melhora substancial da indústria: a variação do segmento no PIB dobraria em relação a este ano, para 3%.

Os dados corroboram o sentimento dos industriais do setor têxtil. Numa sondagem feita pela Abit, 66% dos empresários indicaram que vão ampliar investimentos em 2019 e 60% sinalizaram que vão contratar. “O sentimento é de um otimismo responsável, mas não vamos conseguir recuperar os empregos em 2019”, afirma Pimentel. A previsão é de que as empresas do setor contratem 20 mil profissionais. Neste ano, algumas fábricas ainda estavam sendo fechados e a expectativa é de uma diminuição de 27 mil vagas até o fim de dezembro.

Se a cena política e a economia mundial não registrarem nenhum desastre, o Brasil tem tudo para seguir na direção contrária à do globo e acelerar em sua recuperação. Só assim, conseguirá reinserir mais de 13 milhões de brasileiros no mercado de trabalho. Faltará, ainda, aproveitar o esforço de mudanças para aliviar os entraves que roubam produtividade, permitindo ao País encontrar uma rota de crescimento sustentável em patamares razoáveis. Esse trabalho está apenas começando – se é que vai começar de fato.